Acórdão nº 7855/20.0T8LRS.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-05-24

Data de Julgamento24 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão7855/20.0T8LRS.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A, residente Praceta ..., n.º .. 2.º Dt.º, 2630-249 Póvoa de Santo Adrião intentou contra B, com residência na Rua ..., n… – 6.º E, 2660-303, Santo António dos Cavaleiros a presente acção declarativa de condenação, com processo comum formulando os seguintes pedidos:
a) A declaração de validade da oposição à renovação do contrato de arrendamento;
b) A emissão de ordem de despejo da ré do prédio urbano, com a letra “E”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures com o n.º … sito Rua ..., n.º 5 – 6.º E, 2660-303, Santo António dos Cavaleiros;
c) A aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do art.º 829.º- A do Código Civil, ao valor diário de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso em caso de inobservância do decidido;
d) A condenação da ré a pagar as rendas em atraso no valor de € 2 270,00 (dois mil duzentos e setenta euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
e) A condenação da ré no pagamento das eventuais rendas não pagas na pendência da acção, a liquidar em sede de execução de sentença;
f) A condenação da ré a ressarcir a autora a título de danos não patrimoniais na quantia de € 3 000,00 (três mil euros).
Alega, para tanto, muito em síntese, o seguinte:
- A autora é a dona e legítima proprietária do prédio urbano, com a letra “E”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures com o n.º … sito Rua ..., n.º 5 – 6.º E, 2660-303, Santo António dos Cavaleiros, tendo celebrado com a ré, em 23 de Novembro de 2013, um contrato de arrendamento tendo por objecto tal fracção, pelo prazo de um ano, com termo a 23 de Novembro de 2014, sem prejuízo de ser renovável sucessivamente por períodos idênticos, caso nenhuma das partes o pretendesse denunciar ou opor-se, mediante o pagamento da renda mensal de 300,00 (trezentos euros);
- A ré deixou de pagar a renda pontualmente;
- No final do mês de Julho de 2018, a autora comunicou, por carta simples, a oposição à renovação do contrato a produzir efeitos em Novembro de 2018, a que a ré se opôs por não ser válida tal comunicação;
- Em 15 de Abril de 2019, a autora interpelou a ré a informar da cessação do negócio jurídico, por efeito da oposição à renovação do contrato, com efeitos a 23 de Novembro de 2019;
- Por notificação judicial avulsa, efectivada em 19 de Novembro de 2019, a autora comunicou à ré a cessação do contrato de arrendamento, devendo, no prazo de dez dias, proceder à entrega do locado, o que não sucedeu;
- Interpelou-a novamente, por duas vezes, sem resposta.
- A Autora é credora, a título de rendas, até à data, do total de € 2 270,00 (dois mil duzentos e setenta euros).
A ré deduziu contestação alegando, em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 10295475):
- O contrato de arrendamento celebrado entre autora e ré não é aquele que foi junto aos autos, pois o arrendamento foi celebrado por 1 ano e 6 meses e não apenas por 1 ano;
- O arrendamento estava sujeito a renovação automática pelo período de 5 anos, pelo que a comunicação de Julho de 2018, para produzir efeitos em Novembro de 2018, era extemporânea;
- A ré tem direito a permanecer no locado até 2023, pois que o contrato se renovou por mais 5 anos;
- As rendas foram pagas e as que se vencerem serão pagas na eventualidade de improcedência da acção.
Pugnou pela improcedência da acção e condenação da autora como litigante de má fé e no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, na quantia de € 300,00 por cada dia em que, por qualquer forma, a contar da citação, dificulte ou afecte o normal gozo do locado.
Em 28 de Janeiro de 2021 foi proferido despacho a convidar a autora a se pronunciar sobre a existência de dois contratos de arrendamento relativamente ao mesmo locado, com período de duração diferente (cf. Ref. Elect. 146757201).
Por requerimento de 29 de Janeiro de 2021, a autora impugnou a genuinidade do documento que corporiza o contrato de arrendamento junto pela ré, requerendo produção de prova pericial (cf. Ref. Elect. 10533751).
No dia 24 de Janeiro de 2022 realizou-se a audiência prévia no âmbito da qual a autora desistiu parcialmente do pedido na parte atinente ao pagamento das rendas vencidas à data da entrada em juízo da acção (6 de Outubro de 2020) e de indemnização por danos morais, requerendo ainda a condenação da ré no pagamento de multa por litigância de má fé.
Pela senhora juíza a quo foi ainda concedida à ré a oportunidade para informar se procedeu ao depósito liberatório das rendas face à alegada recusa da autora em as receber e para se pronunciar sobre a obrigação do pagamento de rendas a título de indemnização devida nos termos do art.º 1045º do Código Civil, mesmo em caso de cessação do contrato (cf. Ref. Elect. 151330560).
Em 25 de Janeiro de 2022 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo (cf. Ref. Elect. 151332528):
“Declaro válida e eficaz a oposição à renovação comunicada pela autora e, em consequência, a caducidade do contrato de arrendamento;
2. Condeno a ré na entrega do imóvel à autora;
3. Condeno a ré no pagamento à autora da quantia mensal de 300,00€ (trezentos euros) desde a instauração da presente acção até trânsito em julgado da sentença;
4. Absolvo a ré do demais peticionado, designadamente do pedido de condenação em litigância de má-fé formulado pela autora em sede de audiência prévia.”
Inconformada com a decisão proferida, veio a ré interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos (cf. Ref. Elect. 11928409):
1ª Em primeiro lugar a comunicação da oposição à renovação afigura-se inconstitucional pois que violadora do artº 65º da CRP, sendo ilegal a douta sentença recorrida.
2ª Supletivamente, o prazo tal comunicação é de 60 dias tal como decorre do artº 1055º do CC sendo que tal comunicação por ter sido efetuada apenas com 15 dias de antecedência é igualmente ilegal.
3ª A omissão de conhecimento sobre qual dos 2 contratos, ambos assinados pela senhoria, seria válido inquina de nulidade a mesma pois não conheceu do que devia.
4ª Acresce que a Lei aplicável seria sempre a que se encontrava em vigor à data dos factos e não a que se encontra em vigor à data da comunicação de oposição à renovação. Ora, sendo irregulares as notificações de tais oposições sempre se deveria sustentar que inexiste o direito de despejo. Não basta estar ciente, os prazos deveriam ter sido observados.
5ª Uma vez comunicada a oposição à renovação com fixação de data para despejo e manifesto que um contrato que deixa de existir não confere o direito a exigir rendas vincendas.
6º Tendo o senhorio prescindido das rendas em audiência nada mais é devido.
7º A douta sentença está ainda em contradição com os fundamentos quando pretende impor um prazo mínimo de 3 anos à base da nova Lei e ao mesmo não contraria os prazos da comunicação que assim está inquinada de ilegalidade/abuso de direito.
8ª As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
9ª A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho ou da sentença. Tratando-se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1ª instância a fundamente.
10ª Por outro lado, o douto despacho não faz uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pelo embargante, limitando-se a reproduzir um conjunto de considerações que são válidas para “N” ações, mas que não consubstanciam minimamente o cumprimento do imposto.
11º Prescreve, então e no que ora nos interessa, o artigo 334.º do C.C., primeira fonte do instituto do Abuso de Direito, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
12ª Quer-se, pois, tutelar ou permitir uma válvula de escape perante um determinado modo de exercício de direito ou direitos, que, apresentando-se formal e aparentemente admissível, redunda em manifesta contrariedade à ordem jurídica.
13ª Há abuso de direito quando um determinado direito – em si mesmo válido –, é exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social (Ac. RL, de 16 de Maio 1996, processo nº 0012472, sumário em dgsi.pt).
14ª Promover o despejo sem dar a possibilidade ao arrendatário de alegar e fazer prova de que efetuou obras necessárias e tais valores são adequados a fazer extinguir a obrigação de pagar as rendas reveste objetivamente uma contradição com os fundamentos inquinando de nulidade o despacho recorrido, desde logo com base no instituto do abuso de direito, o qual se invoca para todos os efeitos.
Conclui pugnando pela procedência do recurso e pela consequente revogação da decisão recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões das alegações do réu/apelante há que apreciar as seguintes questões:
a) Da invocação de nulidades da decisão;
b) Da verificação dos pressupostos da oposição à renovação do contrato
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