Acórdão nº 76/21.7T8ABF.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-01-12

Ano2023
Número Acordão76/21.7T8ABF.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório
1.1. AA… intentou a presente acção declarativa com processo comum contra BB…, ambas melhor identificadas nos autos, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de €6.888,00, com IVA incluído, acrescida de juros, calculados à taxa legal comercial em vigor, a contar da citação até integral pagamento.
Alega para tanto e em síntese que: no âmbito da sua actividade comercial, a Autora celebrou com a Ré um contrato de mediação imobiliária, em 04/02/2020, pelo qual foi fixada quantia devida pelos serviços objecto do referido contrato; a Autora prestou os serviços contratados e a Ré não pagou a quantia acordada como contrapartida a título de comissão; a Autora arranjou comprador para o imóvel da Ré, o que deu a conhecer à Ré antes que esta rescindisse o contrato, como veio a fazer; a Autora não aceitou a rescisão, porquanto o contrato se havia renovado por não ter sido denunciado no prazo nele estipulado.
1.2. A Ré foi citada e apresentou contestação a defender a improcedência da acção. Alegou, para tanto, em resumo, que teve de desistir do contrato e de dar seguimento à venda do imóvel por motivo de força maior relacionado com a sua saúde (cancro severo do pulmão esquerdo), extinguindo-se, por conseguinte, a obrigação por parte da Ré, e que, em qualquer caso, o requisito contratual para ser devida a remuneração pretendida pela Autora não foi cumprido, qual seja, a celebração do contrato-promessa.
1.3. Foi dispensada a realização de audiência prévia, bem como a enunciação de temas de prova e proferido despacho saneador tabelar.
1.4. Oportunamente foi realizada audiência final, numa única sessão, com registo da prova oral nela produzida (cfr. acta com a ref.ª Citius 137176697, de 28-04-2022) e proferida sentença, datada de 26-06-2022, que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido (cfr. ref.ª Citius 137186678).
1.5. Inconformada com o assim decidido, a interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença recorrida e a condenação da Autora nos termos peticionados.
Para o efeito, apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:
«A - O tribunal a quo errou quando sufraga a tese de uma alegada NÃO imputabilidade por parte da Apelada, aquando da concretização do contrato, apenas e tão somente com base no depoimento prestado pela Apelada, o qual não é conducente a uma situação de uma pessoa que se encontra afectada na sua vontade de entender e querer, não podendo o seu estado de saúde justificar a revogação unilateral do contrato e a não concretização da venda do imóvel.
B - A Apelante por diversas vezes mostrou o imóvel a vários interessados, tendo sempre a Apelada recusado a concretização do negócio.
C - A Apelada, apesar de todo o esforço que a Apelante prestou para que o imóvel fosse vendido, nunca se concretizou por facto imputável à Apelada.
D - O tribunal a quo, errou quando deu como não provado a alínea a) dos factos assentes, onde se pode ler “a A. comunicou à R. que Telmo Alexandre da Silva Rodrigues estava interessado na aquisição do imóvel.”, devendo tal quesito ser dado como provado.
E - Não constitui obrigação fundamental do mediador concluir o contrato; a sua obrigação essencial é a de conseguir interessado para certo negócio, o que ficou demonstrado a Apelante logrou conseguir.
F - A revogação unilateral e o NÃO querer vender a casa, após ter aceitado a proposta que lhe foi dirigida por um comprador que a Apelante obteve, revela cumprimento por parte desta do contrato que unia as aqui partes, o que apenas foi interrompida pela própria Apelada que intencionalmente o inviável, por ter mudado de ideia.
G - Labora manifestamente em erro o tribunal a quo, quando, cita que o contrato não se realizou por facto não imputável à Apelada. Tendo esta recusado a venda nos termos previamente acordados implica o pagamento da correspondente comissão contratualmente estipulada à Apelante, pelo que deveria ser considerado como provado que “a A. tivesse comunicado à R. que Telmo … estava interessado na aquisição do imóvel”.
H - Deveriam ter sido julgados como não provados, os factos constantes dos Pontos 13., 14., 15., 16. e 17. da matéria (erradamente) dada como provada e ter sido dado como provados os factos constantes da aliena d) da matéria dada como não provada, diga-se, que a A. tivesse comunicado à R. que Telmo …. estava interessado na aquisição do imóvel.
I - A Apelante cumpriu a sua prestação contratual, pelo que in casu tem direito à remuneração acordada, uma vez que arranjou um potencial comprador para o imóvel da Apelada pelo valor constante do contrato de mediação celebrado, tendo encetado as diligências com vista à celebração do contrato definitivo, que só não veio a ocorrer porque a Apelada se arrependeu e não quis de vender a casa.
J - Razão pela qual, deve o Douto Tribunal ad quem interferir de forma a repor a legalidade e justiça do caso concreto, revogando a decisão proferida, concedendo dessa forma à autora o valor respeitante à sua comissão, por força do contrato de mediação celebrado.
L - Mostra-se violado o Princípio da Igualdade das Partes, pois que o Tribunal a quo apenas considera a matéria alegada pela Apelada como provada, apenas e tão somente, com base nas suas declarações, o que já não sucede quanto às declarações prestadas pela Legal Representante da Apelante, que não são de igual modo valoradas.
K - Mostra-se violado o art.º 19º da Lei n.º 15/2013 de 08.02, pois a Apelante tem direito à sua remuneração acordada.
M - Mostra-se violado o disposto no nº 2 do art.º 1170º do Código Civil, pois deve a parte que revogar o contrato indemnizar a outra parte pelo prejuízo que esta sofrer (al. c) e d) do art.º 1172º, do CC)”, o que a Apelada não logrou fazer.»
1.6. A Autora não apresentou contra-alegações.
1.7. Foram colhidos os vistos.
II) Objecto do recurso - Questões a decidir:
De acordo com o disposto nos artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este Tribunal da Relação adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Tal limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[[1]]
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a apreciação das seguintes questões:
1.ª - Se o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento na apreciação e valoração dos meios de prova, que imponha a alteração da decisão da matéria de facto relativamente aos factos dados como provados e não provados objecto da impugnação;
2.ª - Se não estão demonstrados os requisitos do direito do mediador à remuneração, previstos no n.º 2 do artigo 19.º do Dec.-Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.
III) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto (primeira questão)
Entende a Recorrente que o Tribunal a quo não apreciou devidamente a prova produzida (…)
Por tudo o exposto, decide-se:
a) julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e, em consequência, dar como não provada a factualidade constante dos pontos 16 e 17 dos factos considerados provados pela 1.ª instância;
b) alterar a redacção do ponto 9 dos factos provados nos seguintes termos:
- Onde se lê:
«9. Telmo … assinou a proposta de reserva n.º 27 junta como doc. 4, na qual consta no ponto 4. das OBSERVAÇÕES que “estou muito interessado na compra deste imóvel. Aceito fazer a compra por 120.000€”, constando da proposta de reserva a data de 19/10/2020. (cfr. Doc. 4 junto com a PI)»;
- Deve ler-se:
«9. Telmo …assinou a proposta de reserva n.º 27 junta como doc. 4, na qual consta no ponto 4. das OBSERVAÇÕES que “estou muito interessado na compra deste imóvel. Aceito fazer a compra por 112.000€”, constando da proposta de reserva a data de 19/10/2020. (cfr. Doc. 4 junto com a PI).»
*
IV) Os factos:
Estão, assim, julgados provados e não provados os seguintes factos[[2]]:
- Factos provados:
1. A autora é uma sociedade comercial unipessoal por quotas que se dedica, entre outros, à consultoria imobiliária e compra e venda de imóveis (cfr. Doc. 1 junto com a PI).
2. Na prossecução do seu objecto, a A. celebrou com a R., no dia 04.02.2020, um contrato denominado contrato de mediação imobiliária (cfr. Doc. 2 junto com a PI).
3. pelo qual a R. se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do imóvel propriedade da R., designadamente a fracção autónoma identificada pelas letras “AAE” destinada à habitação, constituída por uma divisão assoalhada, com área total de 63m2 sito …., pelo preço de €125.000,00, sendo que qualquer alteração ao preço fixado deverá ser comunicada de imediato e por escrito à mediadora (cláusulas 1.º e 2.º do contrato de mediação) (cfr. Doc. 2 junto com a PI).
4. Desenvolvendo para o efeito acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis (clausula 2.ª) (cfr. Doc. 2 junto com a PI).
5. Consta da clausula 4.ª que “1- O segundo contratante contrata a mediadora em regime de: exclusividade.
2. No que respeita ao pagamento da remuneração, caso o negócio visado tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao
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