Acórdão nº 7556/22.5T8LRS.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-11-09

Ano2023
Número Acordão7556/22.5T8LRS.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO

AP, propôs acção judicial de impugnação de deliberação de Assembleia de Condóminos”, contra:
Condomínio do PRÉDIO URBANO SITO na Rua …, Freguesia de Santo António dos Cavaleiros, concelho de Loures.

Condóminos presentes na Assembleia Ordinária realizada a 24.06.2022.
Formula pedido de anulação de todas as deliberações tomadas contrárias à lei e ao Regulamento do Condomínio e requer a suspensão de todas as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos realizada em 24.06.2022.
Como fundamento deste pedido, alega que não foi convocada para qualquer Assembleia de Condomínio, mas que tomou conhecimento de que foi realizada uma assembleia, em 24 de junho de 2022, às 21 horas.
Alega ainda que não foi, até ao presente, notificada da acta e que ouvir dizer que a Assembleia terá sido realizada e que terão sido tomadas deliberações”, “desconhecendo-se se a referida assembleia ocorreu ou não.
Conclui, alegando que “a assembleia, a ter ocorrido, as deliberações aí tomadas deverão ser declaradas anuláveis por falta de convocatória da autora”.

O Réu Condomínio, representado em juízo pelos seus administradores, conforme consta da procuração junta aos autos, apresentou contestação na qual invoca a ilegitimidade da Autora já que a mesma não é proprietária da fracção autónoma identificada pela letra “DQ”, correspondente ao 8.º andar, letra P do prédio urbano sito na Rua …, sendo propriedade do seu marido FP, com quem a Autora é casada, sob o regime de comunhão de adquiridos desde 06-03-1982. Porém, a fracção foi adquirida por compra pelo referido FP, em 25-07-1980, no estado de solteiro, pelo que a fracção é um bem próprio do marido da Autora. Não sendo proprietária, não é condómina, logo é parte ilegítima para propor acção de anulação das deliberações tomadas na assembleia de condóminos.
Na contestação defende-se ainda o Réu por impugnação.
Termina pedindo que a excepção deduzida seja julgada procedente e consequentemente, seja o Réu absolvido da instância. Caso assim não se entenda, deve a acção ser julgada não provada e improcedente, sendo o Réu absolvido do pedido.
Por requerimento de 08-11-2022, a Autora, ao abrigo do disposto no art.º 3.º n.º 3 do CPC, veio exercer o contraditório, pronunciando-se sobre a invocada excepção da ilegitimidade da Autora, concluindo pela sua improcedência.
Caso assim não se entenda, vem dizer que poderá o cônjuge marido ser chamado à demanda.
Por requerimento de 09-11-2022, a Autora vem corrigir a referência ao artigo 1724.º do Código Civil, feita no requerimento anterior, dizendo que pretendia mencionar o art.º 1726.º do Código Civil.
Mais refere que ao abrigo do disposto no art.º 1726.º do Código Civil o bem imóvel em apreço ao arrepio do entendimento do Réu condomínio não se trata de um bem próprio do cônjuge marido, mas sim de um bem adquirido em prestações por dinheiro comum de ambos os cônjuges, tratando-se em bom rigor de um bem comum do casal, sendo a Autora parte legítima.”

Findos os articulados, o Tribunal a quo proferiu decisão no qual verificou não resultar que da situação de facto relatada pela autora tenha esta qualquer interesse em agir mediante recurso à tutela jurisdicional concedida pelos Tribunais.
Por consequência, julgou oficiosamente verificada a excepção dilatória de falta de interesse em agir, de natureza insuprível e, ao abrigo do disposto nos artigos 576.º n.º 2, 577.º e 578.º do CPC, absolveu os réus da instância.

Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:
1.Por sentença datada de 12-01-2023 o tribunal “a quo” julgou oficiosamente verificada a excepção dilatória de falta de interesse em agir, de natureza insuprível e, ao abrigo do disposto nos artigos 576.º n.º 2, 577.º e 578.º do CPC, absolveu os réus da instância.
2.–Sucede que o tribunal “a quo” não apreciou os requerimentos apresentados pela ora Recorrente a 08-11-2022 e a 09-11-2022.
3.–Pelo que se conclui que estamos perante uma omissão de pronúncia, o que constitui uma causa de nulidade da sentença recorrida e a mesma deverá ser revogada por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.
4.–Por outro lado andou mal o tribunal “a quo”ao proferir sentença pois não existem nos presentes autos elementos para decidir a causa e impunha-se a realização de audiência prévia.
5.–O tribunal “a quo” não poderia ter proferido decisão sem realizar audiência prévia.
6.–No NCPC (Lei 41/2013), passou a dispor-se como regra a obrigatoriedade da realização de audiência prévia, agora previsto no artigo 591.º do C.P.C., nomeadamente quando “tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.” (n.º1 b).
7.–Quando o Juiz tencionar conhecer, de imediato, do mérito da causa, a audiência prévia não pode ser dispensada (arts. 593/1, a contrario, e 591/1-b, ambos do CPC), sob pena de nulidade (art. 195/1 do CPC), veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 2164/12.1TVLSB.L1-2, datado de 09-10-2014, disponível em www.dgsi.pt.
8.–Devendo a sentença recorrida ser declarada nula.
9.–Sem prescindir a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º e 578.º todos do Código de Processo Civil.
10.–Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que a Autora ora Recorrente não tem qualquer interesse em agir, sendo certo que a Assembleia de Condomínios cuja acta se impugnou não se tratou de uma mera reunião informal atento a que foram tomadas deliberações na Assembleia realizada a 24.06.2022.
11.–Sendo certo que o interesse em agir como pressuposto autónomo exprime-se pela necessidade da tutela jurisdicional, o que se verifica in casu.
12.–Ao que acresce que o tribunal “a quo” olvidou-se que o interesse em agir deve ser analisado à luz dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça, o que também não sucedeu in casu.
13.–A Autora, ora Recorrente, é parte legítima nos presentes autos e como tal tem interesse em agir, tratando-se a presente acção de uma ação judicial de impugnação de deliberação de Assembleia de condóminos.
14.–Termos em que e face ao supra exposto deverá a sentença recorrida ser revogada e os autos deverão prosseguir os seus ulteriores termos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II–OS FACTOS

Os elementos com relevo para a decisão são os que constam do relatório supra sendo certo que a questão a apreciar é exclusivamente de direito.
Contudo, para melhor esclarecimento transcreve-se, no essencial, o teor da decisão recorrida.

“(…)

A autora fundamenta a presente acção no regime previsto no artigo 1433.º do CPC, que possibilita aos condóminos obter a anulação das deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados.
Ora, nos termos do artigo 5.º n.º 1 do CPC, “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”.
Sucede que, neste caso concreto, a autora pede a anulação “de todas as deliberações contrárias à lei e ao Regulamento do Condomínio (cfr. artigo 1433.º do CPC)” alegando, em contradição, que apenas ouviu dizer que se realizou uma assembleia de condomínio e que terão sido tomadas deliberações. Não só alega desconhecer, de facto, a realização de assembleia geral de condomínio, como alega desconhecer a tomada de deliberações por parte dos outros condóminos e o seu teor, sendo expressamente admitido que nenhuma acta ou deliberação lhe foi comunicada. Ademais, não é alegado que tenha sido posta em prática ou executada qualquer deliberação que pudesse ter sido tomada na data em causa.
Saliente-se que a qualquer grupo de condóminos assiste o direito de reunião (informal), desde que não sejam tomadas deliberações (vinculativas) que expressem a vontade do condomínio, e que, em momento algum da sua petição inicial a autora alega que tenha consultado ou solicitado a consulta do livro de actas com vista a confirmar a existência de deliberações tomadas em 24.06.2022 sob a aparência de uma Assembleia Geral.
Assim, entendemos que, neste caso concreto, não decorre da matéria de facto alegada pela autora qualquer interesse em agir da sua parte.
O interesse em agir tem sido conceptualizado como condição da ação ou como elemento integrativo da legitimidade.

Manuel de Andrade considerava que, num Estado de Direito, tal interesse se mostra indispensável,obstando a que um qualquer titular de um direito subjectivo material possa sem mais, nem mais, solicitar para ele uma qualquer das formas de tutela judiciária legalmente autorizadas, impondo assim à contraparte a perturbação e gravame inerente à posição de demandado - perturbação e gravame que se traduz principalmente em ter ela de deduzir a respectiva defesa sob pena de a ver precludida (Noções Elementares do Processo Civil, Coimbra Editora: Coimbra, 1979, p. 79).

Para este Autor, o «interesse processual» traduz-se no interesse em utilizar a arma judiciária, em recorrer ao processo. Não se trata de uma necessidade estrita, nem tão-pouco de um qualquer interesse por vago e remoto que seja; trata-se de algo de intermédio:de um estado de coisas reputado bastante gravepara o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordemjurídica lhe reconhece (ibidem).

Anselmo de Castro configurou o interesse em agir como pressuposto processual autónomo e inominado, construído em oposição ao interesse substantivo nos seguintes moldes:
Do interesse em agir se distingue o interesse substancial: o interesse em agir é um interesse processual, secundário e instrumental em relação ao interesse substancial primário, e
tem por objecto a providência solicitada ao tribuna
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT