Acórdão nº 748/21.6PBSTR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-10-10

Ano2023
Número Acordão748/21.6PBSTR-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:
Nos autos de Inquérito supra numerados, que corre termos no Tribunal da Comarca de ... - Juízo de Instrução Criminal ..., J... - a Mª JIC lavrou despacho, datado de 09/02/2023, a determinar a restituição ao arguido da viatura de sua propriedade, que estivera apreendida nos autos.
Anteriormente, em 24/05/2022, a Mmª Juíza, a requerimento do arguido, lavrara despacho a - nos termos do Artigo 109º, do C.P. - determinar o levantamento da apreensão criminal de tal bem e sua entrega ao requerente, com respectiva chave e documentos, após trânsito da decisão.
Posteriormente a ESPAP comunicara ao arguido que só poderia restituir a viatura mediante o pagamento da quantia de 515,29 €.
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O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Comarca de ... -Juízo de Instrução Criminal ..., J... - interpôs recurso do despacho da Mmª Juíza, com as seguintes conclusões:
1 - Por despacho proferido em 26/05/2022 no Apenso A, foi determinado o levantamento da apreensão do veículo com a matrícula ..-JN-.. e entrega ao seu proprietário, o arguido AA.
2 - Previamente, em 09/02/2022, por despacho proferido pelo Diretor Nacional da Polícia Judiciária, foi declarada a utilidade operacional do referido veículo ..-JN-.., o que foi notificado ao arguido em 17/02/2022.
3 - Para restituição da viatura ao arguido, foi elaborado pela Direção de Serviços de Gestão Financeira e Patrimonial, nos termos do artigo 11º do DL 31/85 o cálculo da compensação pelo seu uso, resultando para o Estado um crédito no valor de €515,29.
4ª - O arguido veio opor-se ao pagamento do referido valor, endereçando requerimento aos autos, sem qualquer formalidade.
5 - A Mm.ª JIC proferiu a seguinte decisão “A decisão do Tribunal foi proferida e adquiriu carácter definitivo. Não foi condicionada ao pagamento de qualquer valor. Não há lugar no caso presente a qualquer direito de retenção nem o arguido teve qualquer intervenção na criação do alegado direito de crédito do Estado que só dependeu da vontade e benefício da PJ. (…)
6 - O apenso A foi criado para decidir do pedido de restituição do veículo ..-JN-.. ao arguido AA, nos termos do disposto no artigo 178º, n.º 7 do Cód. Processo Penal, sendo que a questão ora colocada pelo arguido, quanto ao pagamento das benfeitorias realizadas no veículo pela Polícia Judiciária, e o direito de retenção exercido pelo Estado, ao abrigo do disposto no artigo 12º, n.º 2 do DL 31/85, extravasam já o âmbito da decisão proferida pelo tribunal relativamente à revogação da apreensão do veículo do arguido e assume outra natureza, a ser apreciada autonomamente.
7 - O poder jurisdicional do tribunal, neste apenso e sobre a questão peticionada pelo arguido, esgotou-se com a decisão de restituição ao abrigo do artigo 178º, n.º 7 do CPP, sendo que, a decisão sobre as demais questões posteriormente invocadas pelo arguido e pelo Estado são de natureza diversa e carecem de decisão devidamente fundamentada em ação especial de fixação de indemnização, conforme estipulado no artigo 13º do DL 31/85.
8 - Os procedimentos relativos ao apuramento do valor da indemnização são efetuados pela entidade administrativa competente só são efetivados depois de transitar a decisão de restituição do veículo e se determinar a cessação da utilidade operacional pela PJ, pois só depois de tal decisão, pode a Direção de Serviços de Gestão Financeira e Patrimonial calcular com exatidão o valor da indemnização a fixar pelo uso da viatura, tendo em conta os quilómetros percorridos.
8 - A decisão do tribunal sobre a revogação da apreensão nunca poderia ter em conta o pagamento de qualquer valor, por o mesmo ainda não ter sido apurado, naquela fase, nem ser possível prever a existência (ou não) de crédito a favor do Estado.
9. - Trata-se de questão distinta, que em nada contende com a decisão já proferida e transitada quanto à revogação da apreensão do veículo, e que deve ser invocada pelo arguido nos termos do procedimento legal regulado no artigo 13º do DL 31/85.
10 - O tribunal violou os artigos 11º, 12º e 13º do DL 31/85, pelo que deve o despacho proferido em 09/02/2023 ser revogado e ser substituído por outro em que remeta a apreciação da questão levantada pelo arguido para sede própria, nos termos do que dispõe o artigo 13º do DL 31/85.
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Respondeu o arguido defendendo a improcedência do recurso, com as seguintes conclusões:
1º - A decisão do Tribunal recorrido não merece qualquer reparo já que toda a prova carreada para os autos foi devida e correctamente analisada e apreciada pelo Tribunal.
2º - Não se pode deixar de concordar na íntegra com a decisão, não se vislumbrando nela qualquer dos vícios e violação das normas invocados pelo MºPº nas suas doutas alegações de recurso.
3º - De enorme relevância para a boa decisão e que o MºPº não refere nas suas doutas alegações de recurso, é o facto de o arguido ter dirigido um requerimento ao Ministério Público em 14 de Dezembro de 2021 (muito antes da declaração de utilidade pública notificada ao arguido em 17 de Fevereiro de 2022), solicitando o levantamento da apreensão do veículo, sustentando que as perícias a realizar ao veículo, dados os factos em causa e a forma da sua ocorrência, nunca seriam de grande complexidade e que dado o tempo decorrido já deveriam estar concluídas, requerendo, por via disso, a restituição da viatura.
4º - Relativamente àquele requerimento, foi o arguido notificado em 13 de Janeiro de 2021 do despacho do MºPº de que: “sucede que encontrando-se a investigação ainda a decorrer, encontram-se ainda a ser realizadas diligências de prova que permitirão apurar da utilização do veículo, no cometimento dos factos, o que para já se encontra indiciado…” (negritos nossos).
5º - Fazendo fé na explicação fornecida pelo Ministério Público foi com hercúleo espanto que em 17 de Fevereiro de 2022, mais de um mês após o despacho do MºPº negando a entrega do veículo, este ainda estaria a ser alvo de diligências de prova, que o arguido foi surpreendido pela notificação pela Polícia Judiciária do Termo de Notificação de uma Declaração de Utilidade Operacional do dito veículo.
6º - Então, não estavam a ser realizadas diligências de prova para justificar a não entrega do veículo ao seu legítimo proprietário quando requerida?
7º - Existe aqui uma grave contradição entre o que o MºPº veio alegar para não levantar a apreensão da viatura e o que veio a suceder depois.
8º - Retira-se, pois da Declaração de Utilidade Operacional que esta naquela data já não tinha importância para o inquérito, já que a utilização operacional não se coaduna com a realização de perícias e, por conseguinte nada obstava a que o veículo fosse entregue ao seu legítimo proprietário.
9º - É que o automóvel não tinha sido declarado perdido a favor do estado e não era de todo previsível que o viesse a ser.
10º - Todos nós sabemos que a Lei permite a utilização daquele instituto, contudo este não pode ser de aplicação cega, tem de ser proporcional e consonante com a realidade dos factos e a situação familiar do arguido.
11º - A aplicação da Lei tem de ser acompanhada de elementos éticos e morais senão perde a sua primordial função que é a prossecução da Justiça.
12º -E, salvo o devido respeito, esta situação não tem nada de justo e proporcional.
13º - O veículo não foi declarado perdido a favor do estado.
14º - A invocada aplicação do Dec. Lei. 31/85 de 25 de Janeiro, salvo o devido respeito por melhor opinião é, neste caso, um desproporcional ataque aos mais elementares princípios constitucionais do direito de propriedade.
15º - Ainda o arguido não foi condenado, mas já está sujeito, não ele, mas antes a sua família à sujeição do que passa a ser uma pena acessória de cariz patrimonial, o que consideramos deveras desproporcional, injusto e que não pode estar, neste caso, conforme à moralidade que a aplicação da Lei implica.
16º - Tem o arguido dois filhos, um com cerca de 14 anos. e outro com, actualmente, cerca 3 anos que necessita com alguma frequência de atendimentos médicos.
17º - A criança está a ser seguida no departamento de desenvolvimento do Hospital .... Sofre de perturbação do espectro do autismo.
18º - É uma doença crónica que requer acompanhamento regular por terapia da fala e terapia ocupacional.
19º - O veículo que se encontra apreendido nos autos é o único meio de transporte de que a sua família dispõe para efectuar as deslocações para o trabalho, assim como o transporte de seus filhos para os estabelecimentos de ensino e para as deslocações em busca de atendimento médico para o mais pequeno.
20º - Apesar de ordenada a entrega da viatura em 26/05/2022 e após o trânsito em julgado da decisão e no seguimento de várias insistências pelo arguido para que se agisse em conformidade, materializadas através de várias comunicações por correio electrónico, juntas aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a PJ nunca procedeu em conformidade com a decisão do Tribunal.
21º - Em 14-11-2022 foi-lhe enviado para o seu correio electrónico cópia de um ofício da eSPap dirigido ao DIAP, ... secção de ... contendo o cálculo de compensação apagar no levantamento do veículo, acompanhado de algumas facturas de benfeitorias que a PJ, alegadamente, havia feito no automóvel em questão
22º - Desse conjunto de facturas enviado destaca-se uma correspondente a uma inspecção periódica ao veículo ...-...-IU, veículo que não corresponde ao veículo apreendido nos autos?!.
23º - É ainda apresentada uma outra factura no valor de € 2.107,73 que inclui serviço de mecânica, substituição de pneus, bate-chapa, pintura e limpeza de estofos.
24º - Antes de mais cumpre referir que quando o veículo foi apreendido tinha sido sujeito à inspecção periódica em 31/07/2022 e nenhuma anomalia foi
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