Acórdão nº 7476/20.8T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-06-30

Ano2022
Número Acordão7476/20.8T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 7476/20.8T8PRT.P1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – RESENHA HISTÓRICA DO PROCESSO
1. AA instaurou ação contra Companhia de Seguros X, SA, pedindo a sua condenação a pagar-lhe um montante global de € 29.876,16, a título de indemnização por danos materiais e morais que lhe advieram na sequência de um acidente de viação causado por um segurado da Ré.
Em contestação, a Ré impugnou, motivadamente, a factualidade alegada.
Fixado o objeto do litígio e os temas de prova, sem reclamações, os autos seguiram para audiência de discussão e julgamento.
Em sentença, a ação foi julgada parcialmente procedente, condenando-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 10.076,16, acrescida de juros moratórios, bem como na quantia de € 10,00 por dia de privação de uso do veículo acidentado.

2. Inconformada com tal decisão, dela apelou a Ré, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«I. O segurado na Ré, proprietário e condutor do veículo EM, não teve culpa na eclosão do acidente;
II. Com respeito à conduta da condutora do RG, resultou provado que no local do embate a via tem 3 faixas de rodagem, com inclinação descendente, atento o sentido de marcha dos referidos veículos (facto provado 8), no dia do acidente chovia e estava escuro (facto provado 9), que aquando do embate o RG circulava a uma velocidade de cerca de 110 Km 115 Km (facto provado 13) e que o RG acionou os travões a uma distância de 40 metros do EM (facto provado 14);
III. O rasto de travagem de 40 metros registado pelas autoridades não levam à conclusão que o Tribunal extraiu “podendo concluir-se que foi a esta distância que a condutora do RG viu o veículo EM na sua via e começou a travar (…)”;
IV. Na verdade, não foi a 40 metros que a condutora do RG viu o veículo EM. Os 40 metros retratam a distância de travagem, sendo que quando se avista um obstáculo, inicia o tempo de reação, no qual se percorre a distância de reação, que somada à distância de travagem, permite obter a distância de paragem;
V. Partindo do tempo médio de reação, para um condutor normal, de ¾ de segundo, é referido por Eurico Heitor Consciência, citando Baptista Lopes e Ayres Pereira - para uma velocidade de 110 KM/h - uma distância de reação de 22,91 metros;
VI. Se somarmos a distância de reação (22,91metros) às marcas de travagem (40 metros), verificamos que a distância de paragem é de aproximadamente 62,91 metros, sendo que o RG imobilizou-se, porque embateu no EM, se não tivesse embatido, imobilizar-se-ia a mais de 100 metros. Vejamos:
VII. Dário Martins de Almeida (Manual de Acidentes de Viação de Dario Martins de Almeida ( a páginas 484 e ss da 2.ª edição), com citação de Georges Pascal e Serge Plumelle, para a mesma velocidade, e para um veículo equipado com travões de disco às quatro rodas (como era o caso do veículo do Autor – Mercedes ...), prevê uma distância total para a paragem, a partir da vista de um obstáculo, a uma velocidade de 110 Km/h, de 76,91 metros;
VIII. Sendo que os resultados indicados nestes mapas foram calculados em função duma rodagem em estrada seca, com pneus em bom estado e à pressão correta. Em estrada molhada – como sucedia no caso dos autos – as distâncias de paragem devem ser aumentadas de 60%;
IX. Efetuando os cálculos, verificamos que 76,91m x 60% = 46,15 m;
X. Ou seja, a distância total de paragem, a partir do obstáculo, a uma velocidade de 110 Km/h, em estrada molhada, era de 123,06 metros;
XI. Significa, pois, que o RG, circulando a pelo menos 110 Km/h, a chover e com estrada molhada, precisaria, no mínimo, de 123,06 metros para se imobilizar sem embater no veículo EM. Com o embate, imobilizou-se a 62,91 metros;
XII. Nestes cálculos não foi tido em conta o facto de o piso ter inclinação descendente, o que, naturalmente, faz aumentar a adversidade circunstancial da condução do RG e a maior obrigação de adequar a velocidade às condições da via;
XIII. Dispõe o Código da Estrada – artigo 19.º - Para os efeitos deste Código e legislação complementar, considera-se que a visibilidade é reduzida ou insuficiente sempre que o condutor não possa avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos, 50 m;
XIV. Ora, se a viatura do Autor se imobilizou 62,91 metros depois de a sua condutora ter percebido a existência de um obstáculo (reação) e ter agido (travagem), significa que tinha boa visibilidade e, não tendo imobilizado o veículo sem embater, é indubitável que a velocidade não era adequada às circunstâncias (meteorológicas e da via);
XV. Com efeito, estando a chover, conduzindo um veículo em estrada com inclinação descendente, e com piso molhado, a condutora do RG devia regular a velocidade de acordo com essas circunstâncias, para que, se fosse necessário travar, como foi, conseguisse evitar o embate em apreço, imobilizando o veículo no espaço livre e visível à sua frente;
XVI. Desta factualidade resulta que a condutora do RG não adequou a velocidade imprimida ao veículo às circunstâncias, designadamente, condições metereológicas e as características da via (inclinação descendente), violando o disposto no artigo 24.º, n.º 1 do Código da Estrada, que dispõe: O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente;
XVII. Trata-se de uma conduta violadora de uma elementar regra de cuidado e diligência, de uma conduta perfeitamente temerária e que foi causa adequada deste acidente;
XVIII. Com efeito, não é conforme às regras de circulação rodoviária, a conduta de um condutor que circula, a chover, numa via de inclinação descendente, a uma velocidade de cerca de 110 Km/h - 115 Km/h (no limiar da velocidade máxima permitida numa autoestrada, em condições normais);
XIX. Na verdade, não interessa a diligência que costuma ser usada. Interessa, sim, compará-la com a diligência do homem médio, do ponto de vista deontológico que é um padrão ideal, isento de defeitos de atuação tão frequentes no homem comum, neste sentido, entre outros, Oliveira Matos, in, Acidentes de Viação, página 339. Por outras palavras, é o nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto jurídico ilícito à vontade do agente, ou seja, a atuação deficiente, censurável, reprovável, abstraindo da pessoa do destinatário do dever violado, neste sentido, Antunes Varela, in, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 102º/60;
XX. A condutora do RG ofendeu o princípio de diligência a que estava obrigada, agindo com culpa, donde, será de atribuir o acidente exclusivamente à atuação culposa desta;
XXI. Concluímos, pois, em face da prova produzida, que a conduta da condutora do RG não adequou a velocidade às condições da via e às condições meteorológicas, provocou o acidente em apreço, sendo responsável, a título de culpa efetiva, pelo mesmo;
XXII. Deverá, pois, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a culpa efetiva da condutora do veículo RG e a absolvição da Ré do pedido;
XXIII. O Tribunal a quo decidiu condenar a Ré com base na responsabilidade objetiva, nos termos do artigo 503.º, n.º 1 do Código Civil, porquanto o proprietário do EM detinha a sua direção efetiva;
XXIV. Sucede que o artigo 505.º do Código Civil dispõe no sentido de a responsabilidade fixada no mencionado artigo 503.º, n.º 1 do Código Civil (disposição em que o Tribunal fundamentou a decisão) ser excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado (…);
XXV. Verificando-se que o acidente ocorreu por culpa da condutora do RG, a responsabilidade pelo risco, assente na direção efetiva do veículo, nos termos do artigo 503.º, n.º 1 do Código Civil, é excluída;
XXVI. Não podia, por isso, o Tribunal a quo ter decidido nos moldes em que o fez, condenando a Ré, porquanto o seu segurado detinha a direção efetiva do EM, na medida em que o acidente ocorreu por culpa da condutora do RG;
XXVII. Neste sentido, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que absolva a Ré do pedido;
Sem conceder,
XXVIII. Considerando a prova produzida, é certo que a condutora do RG era detentora do RG, pelo que, gozando ou usufruindo das vantagens do veículo, em proveito próprio e no seu interesse, visto que usava o veículo para se deslocar para o trabalho, conforme se provou, haveria de responder objetivamente, nos termos previstos no art.º 503.º do CC.
XXIX. Ainda que se considerasse não demonstrada a culpa efetiva da condutora do RG, sempre teríamos de concluir pela sua responsabilidade objetiva, enquanto detentora do RG que, aquando do acidente, o conduzia no seu próprio interesse.
Sem prescindir,
XXX. Caso se entenda que sendo um empréstimo do Autor à namorada, é o Autor quem detém a direção efetiva do veículo e o interesse na circulação é o seu, sempre seria o Autor a responder objetivamente nos termos do artigo 503.º do Código Civil.
Caso se entenda que a Ré é responsável pela reparação dos danos alegados pelo Autor, importará dizer:
XXXI. O Tribunal a quo refere que a estimativa efetuada pela K... não obteve o acordo da oficina e não foi efetuada com a seriedade que se espera, pois resultou de cópia de uma qualquer outra peritagem por seguradora que não se sabe que veículo segura;
XXXII. Não se compreende nem aceita esta fundamentação, porquanto assenta numa análise pouco rigorosa da prova. Com efeito, não corresponde à verdade que a estimativa da K... não tivesse o acordo da oficina. Desde logo, resulta do relatório da K... a assinatura do representante da oficina e o carimbo da mesma. Por outro lado, tal também resultou do
...

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