Acórdão nº 743/23.0T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-09-14

Ano2023
Número Acordão743/23.0T8TMR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Tomar, AA propôs procedimento cautelar comum contra Pingo Doce – Distribuição Alimentar, S.A., formulando os seguintes pedidos:
1. Declarar que à Requerente deve ser reconhecido o direito de exercer a sua função no âmbito da sua categoria e no estabelecimento comercial PINGO DOCE, situado em Abrantes não lhe sendo exigida qualquer deslocação para outro estabelecimento;
2. Que não deve ser impedido o acesso ao Estabelecimento de Abrantes, para exercer a sua actividade profissional, de idêntica forma e nos mesmos termos que existia anteriormente a 22/04/2022, tal como sucedeu durante mais de vinte sete anos;
3. Que à Requerente devem ser reconhecidos todos os direitos com os inerentes deveres resultantes do contrato de trabalho firmado em 30/06/1995;
4. Devendo ainda, em consequência a Requerida não executar a ordem de transferência que tinha imposto à Requerente, ou qualquer outra que implique nova transferência, ou mesmo, se for considerada invalida (por nula) e ilícita a ordem de transferência da Requerente nos termos dos artigos 220º e 224º do Código Civil e 106º do Código do Trabalho, além do prescrito na cláusula primeira do contrato de trabalho, por não preencher os requisitos legais, independentemente da não aceitação, por parte da Requerente.
5. Decidir-se pela obrigação de aceitar a Requerente no seu posto de trabalho normal, em Abrantes, respeitando a actividade, horário, função e categoria que tem, nos termos inclusive da al. b) do n.º 1 do artigo 129º do Código do Trabalho.
Alega que trabalha no estabelecimento da Ré em Abrantes desde 1995, e nessa cidade tem o seu domicílio pessoal. Em 2022 a Ré determinou a sua transferência para o estabelecimento do Entroncamento, ordem essa que veio a ser julgada ilícita. No dia em que regressou ao trabalho no estabelecimento de Abrantes, após a sentença judicial que declarou a ilegalidade daquela transferência, foi-lhe dada nova ordem de transferência, desta vez para o estabelecimento de Ponte de Sor. Argumenta que esta ordem também é ilícita e que lhe causa prejuízo sério. Ademais, revela desrespeito pela anterior sentença.
Deduzindo a sua oposição, a Requerida argumenta que a nova ordem de transferência é lícita e não causa prejuízo sério à trabalhadora.
Após julgamento, a sentença decidiu julgar procedente a providência cautelar, e:
- Julgou ilegal a ordem de transferência do local de trabalho do estabelecimento PINGO DOCE, situado em Abrantes, para o estabelecimento PINGO DOCE, situado em Ponte de Sor, determinada pela requerida à requerente por se verificar prejuízo sério da segunda e em consequência proíbe-se a requerida de executar a ordem de transferência que tinha imposto à Requerente, ou qualquer outra que implique nova transferência;
- Condenou a Requerida em reconhecer à Requerente o direito de exercer a sua função no âmbito da sua categoria e no estabelecimento comercial PINGO DOCE, situado em Abrantes não lhe sendo exigida qualquer transferência temporária para outro estabelecimento;
- Condenou a Requerida a reconhecer que não deve ser impedido o acesso da Requerente ao estabelecimento de Abrantes, para exercer a sua actividade profissional, de idêntica forma e nos mesmos termos que existia anteriormente a 22/04/2022, tal como sucedeu durante mais de vinte sete anos;
- Condenar a Requerida a reconhecer à Requerente todos os direitos com os inerentes deveres resultantes do contrato de trabalho firmado em 30/06/1995;
- Condenar a Requerida a aceitar a Requerente no seu posto de trabalho normal, em Abrantes, respeitando a actividade, horário, função e categoria que tem.

Recorre a Requerida e conclui:
1. A douta sentença recorrida concluiu pela procedência do procedimento cautelar em apreço.
2. Crê-se que a douta sentença incorreu em erro na apreciação da matéria de facto e na aplicação do Direito aos factos, bem como, a douta sentença proferida padece de nulidade, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, als. d) e e) do CPC, aplicável ex vi, art. 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, porquanto,
3. A douta sentença recorrida decide: “- Julgar ilegal a ordem de transferência do local de trabalho do estabelecimento PINGO DOCE, situado em Abrantes, para o estabelecimento PINGO DOCE, situado em Ponte de Sor, determinada pela requerida à requerente por se verificar prejuízo sério da segunda e em consequência proíbe-se a requerida de executar a ordem de transferência que tinha imposto à Requerente, ou qualquer outra que implique nova transferência”. O sublinhado é nosso. Cfr. Fls. 26 e ss da douta sentença em crise.
4. Quanto à nulidade veja-se que a Recorrida requereu: “1 – Declarar que à Requerente deve ser reconhecido o direito de exercer a sua função no âmbito da sua categoria e no estabelecimento comercial PINGO DOCE, situado em Abrantes não lhe sendo exigida qualquer deslocação para outro estabelecimento.”.
5. A decisão recorrida exorbita do peticionado pela Recorrida, na medida em que determina, em sede de providência cautelar “proíbe-se a requerida de executar a ordem de transferência que tinha imposto à Requerente, ou qualquer outra que implique nova transferência”. O sublinhado é nosso.
6. O entendimento correcto do peticionado pela Recorrida reporta-se a ordem de transferência concreta, dada em 3 de Abril de 2023, de transferência da Recorrida do estabelecimento comercial, sito em Abrantes, para o sito em Ponte de Sor, sendo o objecto de apreciação a validade formal e substancial da referida ordem de transferência e não qualquer outra, que se possa equacionar.
7. O sentido preventivo e antecipatório da providência cautelar apenas se pode reportar à ordem de transferência em concreto e não a uma hipotética ordem futura, não podendo a decisão ser proferida com a amplitude que o foi, atenta a natureza meramente indiciária da prova a produzir, ao fazê-lo o douto Tribunal a quo exorbitou, quer em face do pedido, quer do âmbito indiciário da providência cautelar e, ao fazê-lo, incorreu em nulidade por excesso de pronúncia e condenação em objecto diverso. Termos em que, se requer seja a douta sentença recorrida declarada nula e de nenhum efeito, com as legais consequências.
8. Caso assim se não entenda, a douta sentença recorrida incorreu em erro na interpretação da matéria de facto e na aplicação do Direito aos factos, entendendo a verificação da existência dos pressupostos de prejuízo sério e periculum in mora.
9. Da não verificação de prejuízo sério, ou direito ameaçado de lesão: a este propósito pronuncia-se o douto Tribunal a quo sobre o tempo acrescido de deslocação da Recorrida para o local de trabalho, em face do actual, pela ausência de transportes colectivos aptos à deslocação da Recorrida, e pela existência de apenas uma viatura no agregado familiar sendo a mesma utilizada pelo cônjuge da Recorrida.
10. O conceito de “Prejuízo sério” encontra-se clarificado na jurisprudência como determinando afectação substancial da organização pessoal e familiar do trabalhador, neste sentido veja-se o acórdão supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido, proferido pela Veneranda Relação de Coimbra, de 30 de Abril de 2019, proferido nos autos de processo n.º 1326/18.2T8CTB.C1, que teve como Relator o Juiz Desembargador Ramalho Pinto, disponível para consulta em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/886a56463d790b04802583f9003cae6c?OpenDocument;
11. No caso em apreço, o motivo principal de existência de prejuízo sério era a necessidade de acompanhar a filha da Recorrida a consultas de fisioterapia, que frequenta diariamente, a esse propósito ficou provado que tal acompanhamento é provido ou pela Recorrida, ou pelos pais da mesma – Cfr. Art. 29.º da factualidade dada como provada, termos em que a Recorrida não é o único elemento do seu agregado familiar susceptível de fazer o acompanhamento, sendo razoável presumir que já assim seria antes da ordem de transferência, pelo que tal argumento fenece como suporte do alegado prejuízo sério. Afigurando-se claro que a ordem de transferência não irá determinar a alteração da organização familiar a este propósito.
12. Ficou provado que a Recorrida e o seu cônjuge possuem viatura própria, e que o cônjuge trabalha em Alferrarede, consultando o site Google Maps, verifica-se que Alferrarede dista, da residência da Recorrida, aproximadamente 3 (três) quilómetros, pelo que se afigura que numa organização adequada dos meios de transporte comuns, de um agregado familiar, seria fácil a utilização da viatura própria pela Recorrida, atendendo a que a distância a percorrer pelo cônjuge seria inferior, e até possível sem recurso a meio de transporte.
13. Igualmente se não pode aceitar que não existem meios de transporte colectivos capazes de assegurar a deslocação da Recorrida porquanto a documentação junta aos autos pela própria demonstra a existência de opção ferroviária e rodoviária, acrescendo que a Recorrente sempre manifestou disponibilidade para acomodar os horários que se mostrassem necessários à Recorrida.
14. Igualmente, no que respeita ao documento junto aos autos quanto a transporte ferroviário se desconhece a actualidade do mesmo atendendo a que se refere ao ano de 2018. Cfr. Fls… dos autos.
15. A matéria de facto dada como provada, se devidamente enquadrada não apontaria para a existência de prejuízo sério, não se podendo confundir prejuízo sério do trabalhador com necessidade de percorrer maior distância ou demorar mais tempo na deslocação ao local de trabalho. A este propósito veja-se o Acórdão do STJ, publicado no BMJ 485.º - 239 supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido.
16. Termos em que se crê não existir cabal demonstração da existência de prejuízo sério ou direito ameaçado de lesão.
17. Da não verificação de periculum in mora, a este propósito a douta
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