Acórdão nº 741/20.6T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24-04-2024

Data de Julgamento24 Abril 2024
Número Acordão741/20.6T8BCL.G1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, todos com domicílio na Rua ... ..., na qualidade de paroquianos da paróquia de ..., do concelho ..., vieram deduzir a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra:

- Padre HH, atualmente com domicílio profissional na Largo ... ..., ...,

Com INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA, como associado dos Autores, nos termos e para os efeitos do artigo 316.º e seguintes do CPC, de:
- Presidente do Conselho Económico da Paróquia de ..., Padre II, pároco e presidente do Conselho Económico da Paróquia de ..., residente na Avenida ..., ... ..., requerendo a restituição por parte do Réu, Padre HH, aos autores e ao chamado, na qualidade de representantes da paróquia de ..., da quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), com fundamento em alegado enriquecimento sem causa por parte do primeiro.

Regularmente citado o Réu, o mesmo apresentou contestação/reconvenção, pedindo a improcedência da ação e a procedência da reconvenção.

Foi admitida, ao abrigo do disposto no artigo 316º e seguintes do Código de Processo Civil, a requerida, pelos AA., intervenção principal provocada do Presidente do Conselho Económico da Paróquia de ..., Padre II, como associado dos Autores.
No Despacho Saneador não foi admitido o pedido reconvencional.
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Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:

Nos termos e pelos fundamentos supra-expostos, decide-se julgar a presente Ação Improcedente, por NÃO provada, e, em consequência:
A) Absolver o Réu, Padre HH, da restituição aos Autores e ao Chamado, na pretensa qualidade de representantes legais da Paróquia de ... (só o Chamado é o respetivo representante legal, na qualidade de Presidente do Conselho Económico da dita Paróquia), da quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros);
B) Absolver os Autores do pedido do Réu de condenação daqueles como litigantes de má-fé;
C) Absolver o Réu do pedido dos Autores de condenação daquele como litigante de má-fé.
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Inconformados vieram os Autores recorrer formulando as seguintes conclusões:

A. Uma das “pedras de toque” do pensamento do digno Tribunal a quo parece ser uma questão da legitimidade material dos autores, para dar impulso aos presentes autos e uma questão de quase incompetência material para apreciação dos autos.
B. Salvo o devido respeito, inegável a proximidade entre a figura da paróquia às entidades coletivas cuja atuação se restringe a circunscrições territoriais especificas e que perseguem interesses coletivos próprios dos membros dessas circunscrições.
C. A defesa dos interesses dessas entidades coletivas pertence, em primeira linha, aos seus órgãos/legais representantes, mas nada afasta a legitimidade de todos e cada um dos seus membros de agir em defesa do interesse coletivo, numa espécie de ação popular atípica e circunscrita ao direito fundamental da propriedade, consagrado no artigo 62º da CRP.
D. Dizendo de outro modo, aos autores sempre seria legitimo recorrer aos tribunais para defesa dos interesses da entidade coletiva em defesa do património (civil) desta, na medida em que estes estão ao serviço do interesse coletivo perseguido pela entidade coletiva que a paróquia constitui.
E. Ocorre que os bens em causa não detém a condição de bens de culto, por um lado, e, por outro, o Direito Canônico estabelece que o que estiver estabelecido no direito civil do território acerca dos contratos, tanto em geral como em particular, e da extinção das obrigações, no respeitante a coisas sujeitas ao poder de governo da Igreja, a não ser que seja contrário ao direito divino ou outra coisa se determine no direito canónico (Cân. 1290§ 1º). e não permite aos autores que impugnem, per si e sem a condição de membro do conselho, impugnar as deliberações tomadas.
F. Dizendo de outro modo, aos autores para defesa do interesse coletivo da paroquia apenas restava mesmo o recurso à presente ação, nomeadamente para preservação do direito fundamental consignado no artigo 62º da CRP.
G. Sendo certo que o Direito Canônico não, nem pode ser equiparado à lei do Estado Português, determinando a exclusão da sua aplicabilidade.
H. Pelo que será materialmente inconstitucional o artigo 474º do Código Civil quando interpretado no sentido de que não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento, equiparando a lei civil ao direito canónico.
I. Em primeiro lugar, o ponto 4 da matéria dada como provada quanto à petição, consta que «a administração do património da paróquia cabe ao respetivo Conselho Económico, tal como prevê o Cânone 1279 do Código de Direito Canônico».
J. Do referido cânone resulta, porém, que Conselho Económico detém a administração do património da Paróquia, constituindo apenas um órgão consultivo cujo parecer não é vinculativo do Pároco residente, pelo que deve aquele ponto não ser dado como provado
K. Em segundo lugar, no ponto 24 da matéria dada como provada quanto à petição consta que «no âmbito desta reunião, o então Presidente, ora Réu, propôs à Corporação Fabriqueira Paroquial de ..., “deixar”, entenda-se vender, à Paróquia, pelo valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), todo o recheio da residência paroquial.»
L. Ora, tal facto diz respeito ao documento de fls. 14 a16, cujo teor, assinatura e autoria não foi impugnado e que, por força do disposto no artigo 376º do Código Civil tinha força probatória plena e que impõe ao Tribunal a quo dar-se como provados o concreto conteúdo dos bens vendidos à paroquia.
M. Em terceiro lugar, deu o meritíssimo juiz a quo como provado o item 14 da contestação (como consta dos factos provados), isto é, «os bens moveis em causa pertenciam legitimamente ao ora Réu»
N. Todavia pela audição da prova produzida e designadamente pela testemunha JJ, cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento de 22-03-2023 (ata Referência: ...44), tendo a inquirição sido gravada através do sistema integrado de gravação digital "H@bilus", disponível na aplicação informática em uso no Tribunal (das 15:07:10 às 16:11:05 horas – em concreto de 02m48’s a 15m09s). resulta que a mobília em causa, como a própria testemunha com conhecimento de causa direto (vide que a mesma era a empregada de limpeza), atesta o procedimento do mobiliário pertença da casa, isto é, a propriedade junta comissão fabriqueira.
O. Conjugando o depoimento desta testemunha com a referida ata de fls. 14v e 16, no negócio que o recorrente fez consigo mesmo, a venda do recheio da habitação pelo preço de 150000.00€, incluía-se bens que pertenciam à paróquia, como é o caso do quarto pertencente ao padre anterior.
P. Àqueles meios de prova acresce ainda os depoimentos das testemunhas KK, cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento de 22-03-2023 (ata Referência: ...44), tendo a inquirição sido gravada através do sistema integrado de gravação digital "H@bilus", disponível na aplicação informática em uso no Tribunal (das (das 10:03:57 às 11:00:00 ; das 11:16:23 às 11:58:53 e das 12:12:22 às 12:23:09 horas, concretamente 11m42’s a 12m35s) e LL , cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento de 17-03-2023 (ata Referência: ...78 tendo a inquirição sido gravada através do sistema integrado de gravação digital "H@bilus", disponível na aplicação informática em uso no Tribunal (das 09:54:22 às 09:55:19 horas concretamente 10m41’s a 12m57s).
Q. Bem como documento de fls. 213 que consiste numa carta com a data de 15/09/2018 e assinada por D. MM (à data Arcebispo Primaz de ...) que afirma claramente «os bens objeto de preocupação do “Grupo de Paroquianos, são propriedade da Paróquia de ..., instituição essa que se encontra sob tutela da Arquidiocese de ...”.
R. Documento que a testemunha KK (depoimento foi prestado na audiência de julgamento de 22-03-2023 (ata Referência: ...44), tendo a inquirição sido gravada através do sistema integrado de gravação digital "H@bilus", disponível na aplicação informática em uso no Tribunal (12:12:22 às 12:23:09 horas)) revela a admite a existência, na Cúria de ..., do entendimento de os bens alegadamente vendidos pelo Réu à Paróquia são e sempre foram bens temporais da Igreja.
S. A estes meios de prova acrescentar-se a inverosimilhança do depoimento prestado por NN, socio gerente da sociedade EMP01... Lda prestado na audiência de julgamento de 17-03-2023 (ata Referência: ...78), tendo a inquirição sido gravada através do sistema integrado de gravação digital "H@bilus", disponível na aplicação informática em uso no Tribunal (15:28:31 às 16:19:47 horas).
T. Dá-se a circunstância da sociedade ter sido, na realidade, fornecedora de trabalhos de carpintaria na construção da residência paroquial avaliados no valor de quarenta e cinco mil, quatrocentos e quarenta e um euros e vinte cêntimos (conforme documento ... junto pelo recorrido na sua contestação).
U. Em audiência, a testemunha disse que havia recebido apenas cerca de trinta mil euros pelos trabalhos executados e afirmou ter oferecido ao réu móveis que instalou na residência paroquial no valor de doze mil euros.
V. Na sequencia do depoimento de NN foi o mesmo notificado para enquanto legal representante da “EMP01..., Lda.” e no prazo de 10 dias, «averiguar junto dos serviços de contabilidade da empresa e juntar ao processo, se possível até a manhã da próxima quarta feira, os elementos contabilísticos relativos aos móveis alegadamente confecionados por si, ora testemunha, e eventualmente imputados nos serviços da contabilidade dessa mesma empresa a título de donativos, como a mesma testemunha alegou em Tribunal».
W. Em 27/03/2023 (requerimento com a ref.ª ...74) a sociedade juntou os documentos contabilísticos referentes...

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