Acórdão nº 740/13.4BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 16-02-2023

Data de Julgamento16 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão740/13.4BESNT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a Fazenda Pública interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição apresentada por M....... à execução fiscal n.º …….981 e apensos, instaurada à devedora originária S......., Lda., por dívidas de IVA e IRS dos anos de 2006 e 2007 no montante de € 23.591,58.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“1. A Fazenda Pública não se conforma com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa porquanto a mesma, ignorando regras básicas do senso comum, procede a uma deficiente aplicação do direito. Considera assim ter ocorrido erro de julgamento na referida sentença, dado que, da prova produzida e levada aos autos, não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida; pois que existem nos autos elementos que denunciam o exercício da gerência de facto por parte da Oponente; circunstâncias estas que, tendo sido mal apreciadas, impõem, salvo melhor opinião, a anulação da sentença recorrida.

2. Nesta senda, convém ter presente que da matéria de facto dada como provada consta, na al. E) da fundamentação de facto da douta sentença um excerto da ata assinada em 20/09/2007 em sede de assembleia geral da devedora originária, donde se extrai que a Oponente, ora Recorrida, renuncia à gerência “que tem vindo a exercer com efeitos a esta data”.

3. E assim, através de um olhar atento a este ponto constante do probatório resulta claro que a Oponente, ora recorrida, somente se afastou dos rumos da devedora originária na data em que foi elaborada e assinada a referida ata em sede de assembleia geral da devedora originária.

4. Note-se que, se fosse seu intento vincar o seu afastamento da gerência nominal da devedora originária, tal expressão (“que tem vindo a exercer com efeitos a esta data”) seria destituída de qualquer sentido semântico na economia da referida ata, na medida em que, pela ordem natural, das coisas não se exerce uma gerência nominal. Nesta medida, vislumbra-se, nesta parte, uma verdadeira confissão de gerência de facto por parte da Oponente, dado que o facto em questão lhe diz pessoalmente respeito e figura na ata a sua assinatura.

5. Por outro lado, a circunstância de os novos gerentes fazerem constar da ata que declaram não ter sido a oponente gerente de facto, não se afigura suscetível de afastar aquele entendimento. Na verdade, não figurando estes como parte na Oposição, estes teriam que reiterar aquela versão em juízo, o que não veio a ocorrer na medida em que foi prescindida a inquirição destes como testemunhas (cfr. o relatório da sentença recorrida).

6. Inexistem, assim, nos autos qualquer facto que, dado como provado, implique ou faça supor uma interrupção do exercício deste cargo por parte da Oponente até à data de assinatura da ata referenciada na sentença recorrida. Por conseguinte, é inegável que a Oponente, nesse lapso de tempo que decorreu entre a constituição da sociedade devedora originária e a assinatura da referida ata, determinou os rumos financeiros da Devedora Originária diante de terceiros, conforme a mesma deixou subentendido na ata em questão.

7. Posto isto, decorre das regras da experiência que existe continuidade do exercício da gerência de facto no período que medeia entre a nomeação para a gerência e a renúncia da mesma, se existir uma declaração do gerente a admitir o exercício dessa mesma gerência e se nesse lapso temporal não forem conhecidas outras circunstâncias que venham contrariar a presunção constante do Registo Comercial, uma vez que o registo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida (artigo 11.º do Código do Registo Comercial - CRC).

8. A existência de gerência de facto é um dos pressupostos para a reversão das dívidas fiscais, como se extrai do postulado no n.º 1 do artigo 24.º da LGT: “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”. E, no caso sub judice, respeitando a dívida exequenda a créditos resultantes de tributos cujo prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período do exercício da administração por parte do Oponente, a disciplina a ter em consideração será a estabelecida no artigo 24.º, n.º 1, al. b), da LGT.

9. Nesse sentido, do que vem acima explanado, e tendo em especial consideração a confissão resultante da ata, nada nos autos permite afastar a continuidade do exercício da gerência de facto no período que medeia entre a nomeação da Oponente para a gerência da devedora originária e a sua renúncia desta mesma gerência e que coincide com o período referente às dívidas tributárias em cobrança nos autos. Ilação esta que é mesmo uma exigência das regras da experiência comum. Assim, com base nesta comprovada gerência de direito e facto, cabe, pois, ao julgador utilizar as diversas presunções judiciais ao seu alcance, nomeadamente as posições assumidas no processo, as provas produzidas e as regras da experiência para concluir a gerência de facto.

10. Na esteira do que se afirmou no acórdão de 10 de Dezembro de 2008 da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.º 861/08, diga-se que “eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso,...

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