Acórdão nº 739/22.0T8PDL-A.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-09-15

Ano2022
Número Acordão739/22.0T8PDL-A.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:


1.RELATÓRIO

EB, intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra SP, pedindo que esta seja condenada a reconhecer que o imóvel sito à Rua …, n.º …, freguesia da Maia, concelho da Ribeira Grande, inscrito, formalmente como bem próprio da requerida, por apelo ao disposto no artigo … do CCivil, seja qualificado como bem comum.

O autor requereu a realização de perícia (singular)ao imóvel.

Foi proferido despacho que indeferiu a realização de perícia por não ser possível ao perito aferir do estado do imóvel antes da realização das obras.

Inconformado, veio o autor apelar do despacho, tendo extraído das alegações[1],[2] que apresentou as seguintes

CONCLUSÕES[3]:

1–O recorrente instaurou contra a recorrida uma ação declarativa tendente a obter a condenação da mesma a reconhecer o imóvel que constituiu a casa morada de família de ambos – e formalmente propriedade da recorrida – bem comum por apelo ao disposto no artigo 1726º do C. Civil.

2–, subsidiariamente, o pagamento de uma indemnização de € 85 000 a título de compensação pelas obras realizadas ou a o que se vier a apurar em perícia para o efeito.

3–legou para tanto e como causa de pedir –o estado de degradação anterior à realização das obras conjuntas - tendo descrito pormenorizadamente quer o estado de degradação do imóvel quer as obras efetuadas.

4Para prova do peticionado requereu fosse efetuada perícia singular, indicando os necessários quesitos, reportada ao valor das obras no local, valor do imóvel antes e após essas obras e se as mesmas foram concretizadas.

5A douta decisão recorrida julgou tal perícia impertinente pois o senhor perito não se poderia pronunciar sobre o seu objeto e no mesmo passo referenciou que quanto ao valor do imóvel o recorrente poderia juntar uma avaliação.

6Sempre com o devido respeito, o indeferimento em causa não possui sustentáculo legal já que, a perícia solicitada diz respeito a matéria eminentemente técnica e a factos concretos que exigem um conhecimento científico, pressupostos preenchidos no caso sub judice.

7Por outro lado, a prova pericial encontra-se vocacionada - e é o elemento por excelência - para o apuramento do valor dum imóvel ou das obras nele realizadas desiderato pretendido nos presentes autos e que constitui a causa de pedir.

8Além, de que, enferma a decisão recorrida dum equívoco pois parte do pressuposto de que não podendo o perito aferir das obras anteriormente realizadas não pode emitir parecer sobre as obras posteriores quando a resposta a essa matéria pode ser obtida por outros métodos, mormente a comparação dos materiais ou a análise das fotografias juntas aos autos.

9Igual equívoco enferma a decisão recorrida na parte em que transfere para o recorrente a junção aos autos de uma avaliação do imóvel mediante documento olvidando que essa avaliação não passa de mero parecer com reduzida força probatória,

10E ademais, o objeto da perícia não se reportava apenas ao valor das obras realizadas no imóvel pois outros quesitos foram indicados – e mais podiam ser aditados - que permitiriam ao tribunal aferir e/ou conhece constituem a causa de pedir

11Desta forma se requerendo a revogação da decisão recorrida por atentatória das disposições conjugadas do art.º 388º do C. Civil e art.º 467 do C.P.Civil, bem como, o disposto no art.º 5º e art.º 411º deste último diploma (CPC) na parte a inviabilidade da realização da prova
pericial coata ao recorrente a realização de todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio

12Tudo sem prejuízo de se dever entender que a mesma configura uma decisão de absolvição do pedido subsidiário formulado pelo recorrentes e, consequentemente deverá ser considerada nula por afrontar o disposto no artº 607º, nº 4 do C.P.Civil.

A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação do autor.

Colhidos os vistos[4], cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO[5],[6]

Emerge das conclusões de recurso apresentadas por EB, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:

1.)- Saber se pode ser ordenada a realização de perícia que tenha por objeto a avaliação de um imóvel antes da realização de obras no mesmo.

2.FUNDAMENTAÇÃO

2.1.FACTOS

1.)O imóvel que constituía a casa morada de família do ex-casal era o prédio urbano sita à Rua …, n.º …, da freguesia da Maia, concelho da Ribeira Grande, inscrito matricialmente sob o artigo … da freguesia da Maia, descrito na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Grande sob o nº ….

2.)O autor requereu a realização de perícia (singular) ao imóvel formulando os seguintes quesitos:
A)-O imóvel composto por prédio urbano sita à Rua …, n.º …, da freguesia da Maia, concelho da Ribeira Grande, no período compreendido entre 2002 e 2021 foi objeto de obras de beneficiação/reconstrução/ manutenção?
B)-As obras em causa foram aquelas que se encontram discriminadas no artigo 18. da presente pela processual?
C)-Qual o valor do imóvel anteriormente a essas obras?
D)-Qual o valor atual do imóvel?

3.)Foi proferido despacho que indeferiu a realização de perícia “por não ser possível ao perito aferir do estado do imóvel antes da realização das obras”.

2.2.O DIREITO

Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[7](não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).

1.)SABER SE PODE SER ORDENADA A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA QUE TENHA POR OBJETO A AVALIAÇÃO DE UM IMÓVEL ANTES DA REALIZAÇÃO DE OBRAS NO MESMO.

O apelante alegou que “a decisão recorrida enferma dum equívoco pois parte do pressuposto de que não podendo o perito aferir das obras anteriormente realizadas não pode emitir parecer sobre as obras posteriores quando a resposta a essa matéria pode ser obtida por outros métodos, mormente a comparação dos materiais ou a análise das fotografias juntas aos autos”.

Mais alegou que “ o objeto da perícia não se reportava apenas ao valor das obras realizadas no imóvel pois outros quesitos foram indicados – e mais podiam ser aditados - que permitiriam ao tribunal aferir e/ou conhecer ainda que indiciariamente de outros concretos elementos que constituem a causa de pedir”.

O tribunal a quoindeferiu a realização de perícia por “não ser possível ao perito aferir o estado do imóvel antes das obras, não lhe será possível realizar a perícia pretendida, pelo que, sendo impertinente, vai a mesma indeferida (artigo 476º, nº1 do Código de Processo Civil), sendo certo que uma avaliação do imóvel pode sempre ser junta pelo próprio Autor”.

Vejamos as questões.

A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial – art. 388º, do CCivil.

A perícia, requerida por qualquer das partes ou determinada oficiosamente pelo juiz, é requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte – art. 467º, nº 1, do CPCivil.

Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição – art. 476º, nº 1, do CPCivil.

A perícia é um meio de prova a que a parte ou/e o tribunal pode lançar mão quando se torne necessário recorrer ao conhecimento técnico de outrem, os peritos, os quais pronunciando-se sobre a questão solicitada expõem as suas observações e as suas impressões pessoais sobre os factos presenciados, retirando conclusões objetivas dos factos observados e daqueles que se lhes ofereçam como existentes, concorrem, positiva ou negativamente, para formar a convicção do tribunal[8].

A função característica da testemunha é narrar o facto, a função característica do perito é avaliar ou valorar o facto (emitir, quando a ele, juízo de valor, utilizando a sua cultura e experiência especializada)O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem[9].

A prova pericial pode ter por objeto factos, máximas de experiência e prova sobre prova[10].

Quando incide sobre factos, a prova pericial pode visar a afirmação de um juízo de certeza sobre os mesmos ou a valoração de factos ou circunstâncias. Exemplos da segunda situação, serão uma perícia para determinar as causas dos defeitos de um edifício (facto passado) ou os efeitos de lesões corporais (facto futuro). A função do perito é aqui a de fazer um labor de reconstrução dos factos do passado e de estabelecer uma relação de causa-efeito ou de fazer uma projeção dos efeitos futuros dos factos de acordo com mesma relação causa-efeito, respetivamente[11].

No caso sub judice, será possível ao perito pronunciar-se sobre um facto passado, isto é, aferir do eventual estado do imóvel antes da realização de obras e, deste modo, proceder à sua avaliação anteriormente à realização das mesmas?

Pensamos que sim.

Isto porque, a prova pericial pode incidir sobre factos passados ou factos futuros, competindo nestes casos ao perito tentar fazer uma reconstrução dos factos do passado, ou, tentar fazer uma projeção dos efeitos futuros dos factos, respetivamente.

Assim sendo, o perito não está impedido de
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