Acórdão nº 739/13.0TBVCD-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-11-27

Ano2023
Número Acordão739/13.0TBVCD-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 739/13.0TBVCD-A.P1


Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora, nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:


RELATÓRIO
Por sentença proferida a 30.10.2013, foi decretada a inabilitação, por atraso mental médio, da requerida AA, fixando-se a data do começo da incapacidade em 12 de agosto de 1954, data do seu nascimento. Posteriormente, foi constituído o conselho de família, integrado por BB e CC, vindo a ser nomeada como tutora a tia da inabilitada, DD, consigo convivente.
Tendo a tutora apresentado então relação de bens da requerida, aí incluiu, entre o mais, a verba 5 – Metade indivisa (1/2) da raiz ou nua propriedade do prédio urbano para habitação, sito na Av.ª ..., freguesia e concelho ..., composto de cave, rés-do-chão, primeiro andar e sótão, com área coberta de 105 m2, garagem com 27,50 m2 e quintal com 177,50 m2 , inscrito no art. …69 da matriz urbana de Vila do Conde e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde ....
Por apenso àqueles autos, já findos, veio agora a mencionada DD requerer autorização para outorgar escritura de doação daquela metade indivisa a favor de três familiares (sobrinhos) e, bem assim, de 1/10 que lhe cabe da outra metade, outrora pertencente ao seu irmão, já falecido, com reserva de usufruto para a doadora e com a obrigação de os donatários dela cuidarem, na saúde e na doença, prestando-lhe todos os cuidados de que ela necessite, na sua residência, sendo que as despesas que venha a ter serão suportadas com os rendimentos da doadora e, na falta destes, pelos donatários.
Juntou habilitação de herdeiros do falecido irmão da requerida.

Foram citados o MP e o parente sucessível mais próximo, não tendo sido oferecida contestação.

A 3.3.2023, foi proferido o seguinte despacho:
Compulsados os autos, impõe-se proceder à realização de diligências prévias tendo em vista acautelar os interesses da Beneficiária.
De facto, sendo a mesma titular da quota ideal de ½ do prédio cuja alienação se requer, e herdeira, na proporção de 1/5, da restante quota de ½ do imóvel, para que a reserva de usufruto seja totalmente eficaz impõe-se que os demais herdeiros aceitem que tal usufruto seja exercido em exclusivo pela Beneficiária.
Assim, notifique os irmãos da Beneficiária para em dez dias informarem se estão na disposição de alienar a sua quota da herança, da qual faz parte unicamente o imóvel em questão, a EE, FF e GG.
A requerente respondeu não ser útil a diligência, afirmando: Os beneficiários da doação vão, logo que se tornem donos da parte da AA, tentar adquirir o 1/10 que pertence a cada um dos tios HH, II e JJ, pois que a BB é sua mãe e está de acordo em também lhes transmitir a sua parte. Neste momento, não é possível tentar negociar esses 3/5 enquanto os sobrinhos-netos da AA não se tornarem donos da parte que lhe pertence. Consequentemente, não haverá qualquer interesse na diligência sugerida e promovida, sendo certo que o usufruto daquilo que vai ser doado fica reservado a favor da AA (…).
O MP opôs-se à procedência do requerido.

Veio a ser proferida sentença, datada de 8.8.2023, indeferindo a pretensão formulada.

Desta sentença recorre a requerente, visando a sua revogação e concessão de autorização para a doação aos três sobrinhos identificados em 9 dos factos provados, com reserva de usufruto a favor da doadora sobre a metade que lhe pertence, do prédio sito na Av. ..., freguesia e cidade ..., descrito na CRP de Vila do Conde com o nº ...12 – Vila do Conde e inscrito no artigo ….9º da matriz urbana respetiva e, bem assim, do seu quinhão hereditário na herança de KK, com sujeição ao encargo e obrigação dos donatários dela cuidarem e tratarem, na saúde e na doença, prestando-lhe todos os cuidados de que necessite na sua residência, sendo as despesas suportadas pelos rendimentos da doadora e na sua falta, pelos donatários.
Para tanto aduziu os seguintes argumentos, com que conclui as alegações de recurso:
1- Como se vê da sua leitura, os fundamentos de facto estão em oposição com a decisão, porquanto, se, como é expressamente afirmado no ponto 13 da matéria provada que «a aludida doação nos termos supramencionados acautela os interesses e a vontade da Beneficiária», a decisão não poderia ser, senão de deferimento.
2- A sentença padece de nulidade, que se invoca expressamente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615º nº 1 al. c) do CPC, impondo-se a prolação de decisão de deferimento, em coerência com a matéria apurada, até porque aquele pressuposto de facto é exato.
3- Do regime legal dos inabilitados decorre que a transmissão de bens do beneficiário depende de autorização do Tribunal, o qual, feitas as diligências que tiver por pertinentes, deve deferi-la se tal satisfizer o interesse do beneficiário, podendo no caso, o Tribunal considerar regras de bom senso prático, critérios de razoabilidade, compondo nesses termos, na justa medida, a situação em causa.
4- Nesse conspecto, esperava-se, no caso dos autos, que o tribunal «a quo» deferisse o pedido, o que, estamos certos, teria ocorrido, tivera o tribunal «a quo» ouvido o Conselho de Família, a Requerente e a própria Beneficiária – já para não falar nas testemunhas – o que daria ocasião a perceber melhor a dinâmica familiar e as preocupações subjacentes ao pedido de autorização em causa, exclusivamente motivadas pela necessidade de assegurar o bem-estar da AA e de concretizar aquela que é a sua vontade, tudo situações que, sem prejuízo, se invocarão infra.
5- No que concerne aos factos provados e a quanto consta dos autos, a matéria provada é mais do que suficiente para sustentar uma decisão de deferimento, porquanto o ato para o qual se pede autorização é vantajoso para a Beneficiária AA, tal como o tribunal «a quo» dá como assente em 13 dos factos provados e repete na sua fundamentação. Senão vejamos:
6- Na sequência do falecimento do irmão da AA, de nome KK, comproprietário de metade da casa em que (consigo) habita a inabilitada, sita na Av. ... em Vila do Conde e pertencendo a outra metade à Beneficiária, veio a tutora/acompanhante desta, a sua tia DD, pedir ao tribunal autorização para outorgar, em nome daquela, escritura de doação, de forma a transmitir, em comum e partes iguais, com reserva de usufruto a favor da doadora, a três seus sobrinhos (que identificou), da metade indivisa que tem nessa casa, bem como a doação do quinhão hereditário que detém por morte do irmão.
7- Mais concretizou que a doação seria feita com encargos, nomeadamente dos donatários cuidarem e tratarem da doadora, na saúde e na doença, prestando-lhe, por si ou através de pessoa que contratassem para o efeito, todos os cuidados de que venha a necessitar, na sua residência.
8- Se bem virmos as coisas, fazendo apelo a critérios de razoabilidade, da boa prudência e do bom senso prático, conforme ditado pelo artigo 987º do CPC, bem teria o tribunal podido concluir que esta seria mesmo a melhor forma de respeitar e fazer cumprir a vontade da Beneficiária de doar a sua parte no imóvel aos seus 3 sobrinhos e, ao mesmo tempo, acautelar os interesses daquela, de modo a poder continuar a habitar na sua casa com conforto e comodidade, a qual necessita de obras de remodelação, que os donatários estão dispostos a levar a cabo a partir do momento em sejam comproprietários da nua propriedade de metade; mais assegurando, para o futuro, que aqueles dela cuidem.
9- Não o tendo feito, violou o disposto no artigo 987.º do CPCivil, em anotação ao qual, Geraldes, Pimenta e Sousa, em «Código de Processo Civil Anotado» - Vol II, Almedina, 2ª ed., pag. 460, referem que «o critério decisório não está confinado à aplicação estrita do direito tal como configurado previamente de forma abstrata. Sempre que a aplicação do direito estrito não confira uma tutela adequada aos interesses em causa o juiz deve alicerçar a sua decisão em razões de oportunidade ou de conveniência, adotando as medidas mais aptas à satisfação do interesse, mesmo que estas não estejam exaustivamente tipificadas na lei. O julgador deve fazer uso das “regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida” (Pais do Amaral, Direito Processual Civil, p. 96), de molde a descobrir e adotar a solução mais conveniente para os interesses em causa».
10- Os putativos donatários são, tal como descrito na petição e dado como provado, os únicos sobrinhos com quem aquela sempre conviveu, desde a infância destes e com quem tem grande proximidade, motivos pelo qual aquela os pretende beneficiar (os quais não são filhos da Requerente e ora recorrente, como por confusão é referido na fundamentação da decisão).
11- Por outro lado, tal como poderia ter o Mmo julgador averiguado, os outros herdeiros da metade do prédio que pertencia ao falecido KK não constituem qualquer fator de perturbação, neles se incluindo, ademais, a própria mãe dos donatários que é, ela própria, herdeira de 1/5 da metade, tal como a
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