Acórdão nº 732/21.0TXPRT-G.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 17-01-2024

Data de Julgamento17 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão732/21.0TXPRT-G.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 732/21.0TXPRT-G.P1
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Acordam em Conferência no Tribunal da Relação do Porto:
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1-RELATÓRIO
No Processo n.º 732/21.0TXPRT-G do Tribunal de Execução das Penas do Porto, Juízo de Execução das Penas do Porto - Juiz 5, em 19-09 -2023, foi proferida decisão de não colocar o condenado AA em liberdade condicional.
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Não se conformando com esta decisão, recorreu o condenado, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
«- Por douta sentença proferida pelo Tribunal de Execução de Penas, foi determinado não conceder ao recorrente a liberdade condicional a metade do cumprimento da pena.
- Como decorre de tal Douta Decisão, estriba-se a mesma na circunstância de se não encontrarem preenchidos os pressupostos consignados na lei, e concretamente, aqueles que visam acautelar o cumprimento dos princípios da proteção geral e especial das penas.
- Com tal Decisão não pode o recorrente conformar-se, entendendo que a mesma encerra não só erro de julgamento quanto à factualidade dada por assente, como, de igual modo, traduz uma errónea interpretação e aplicação do direito, e, concretamente, do disposto no artº 61, nº 1 e 2, a) e b) do Código Penal.
- No que concerne à decisão sobre a matéria de facto, a discordância do recorrente assenta desde logo na inclusão na mesma de conclusões, juízos de valor e conceitos jurídicos e clara violação da lei.
- Concretamente, deu o Douto Tribunal por provado no seu ponto identificado com a alínea p) que “Confrontado com a prática criminal o recluso não admite a prática dos factos na sua totalidade e, relativamente aos que admite, não admite a culpa pessoal, apresentando uma postura de desculpabilização com a influência de terceiros e um discurso autocentrado nos custos da reclusão, sem reflexão sobre a gravidade dos crimes e as consequências nefastas dos crimes para a sociedade.”
- Salvo melhor opinião, a alínea em causa não contem tão somente uma mera exposição dos factos, mas contem já um juízo de valor que se traduz nomeadamente numa utilização de conceitos tais como “culpa pessoal”, “postura de desculpabilização”, “discurso autocentrado”, “sem reflexão sobre a gravidade dos crimes e as consequências nefastas dos crimes”
- A utilização de tais expressões revela pois a utilização de conceitos que, em muito, ultrapassam a mera exposição de factos, pelo que, como tal, deverão ser considerados por não escritas e assim retiradas do elenco da factualidade dada por assente.
- Por outro lado, e mesmo que assim se não entendesse, sempre se dirá que, de igual modo, tal matéria “fáctica” teria se ser considerada por assente numa errada apreensão por parte do julgador, das declarações prestadas pelo ora recorrente.
- De facto, o teor dos factos que foram integrados na mencionada alínea p), necessariamente teriam de decorrer das declarações prestadas pelo recorrente no âmbito do estipulado no artº 176º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
- Ora, salvo o devido e merecido respeito, de tais declarações não resulta qualquer conduta desculpabilizante por parte do recorrente, que afirmando ter-se arrependido, justificou a sua atuação, por influência de terceiros, algo que apenas traduz a realidade dos factos, já que, como comprovado, nos autos que conduziram à prolação do Acórdão condenatório, o crime em causa foi praticado em coautoria.
- Como tal, por inexistir nos autos qualquer elemento probatório que pudesse contribuir para o apuramento da factualidade vertida na alínea e referencia, sempre a mesma deveria ser eliminada.
Sem conceder,
- Contrariamente ao doutamente decidido, entende o recorrente que, dada a factualidade dada por assente, a decisão a proferir deveria ser outra, ou seja, deveria ter sido no sentido de conceder ao recorrente a liberdade condicional.
- Com efeito, e como é pacificamente entendido pela jurisprudência e doutrina maioritárias, o instituto a liberdade condicional justifica-se à luz da finalidade preventiva especial da reintegração do agente na sociedade e da finalidade preventiva - geral da tutela de bens jurídicos, sendo que, estas duas finalidades justificam que no decurso da execução da pena de prisão seja ponderada a necessidade de continuar a executar a sanção em meio prisional.
- Como tal, a ponderação de conceder ou não a liberdade condicional estará sempre dependente de se saber se as necessidades de prevenção geral e da prevenção especial se encontrem ou não acauteladas na situação fáctica prevista nas alíneas a) e b) do nº 2 do artº 61º do Código Penal.
- De acordo com este normativo, quando o recluso tiver já cumprido metade da pena, deverá o Tribunal conceder liberdade condicional, quando for fundadamente de esperar que o recluso uma vez em liberdade conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes, e, tal libertação se revele compatível com a defesa jurídica e da paz social.
- O normativo referido entronca nos princípios vazados no artº 42º do Código Penal, que, basicamente nos dizem da intenção do legislador em que a execução das penas se encontra subordinada à respetiva finalidade principal, qual seja, a de proteger os bens jurídicos e reintegrar o agente na sociedade.
- No caso sub judice, entende o recorrente que a sua entrada no regime de liberdade condicional em nada faz perigar as finalidades a pena de prisão, quer no que respeita às necessidades da prevenção geral, quer no que concerne às necessidades da prevenção especial.
- No que concerne à prevenção geral, entendeu o Douto Tribunal recorrido que dada a acentuada gravidade do crime fiscal cometido, e ao facto de tal crime ter sido cometido de forma reiterada, e com consequências tão nefastas, os objetivos da pena não se conseguiriam alcançar caso se determinasse a concessão da liberdade condicional, atenta a necessidade dissuasão e da prevenção da justiça social.
- Sucede que, no caso em apreço tal necessidade já não se vislumbra, não havendo fundamento algum para que se negasse a concessão do instituto em causa.
- Com efeito, desde logo a necessidade da reprovação e da reposição da paz social foi já alcançada aquando da determinação concreta da pena, pois que certamente que o Tribunal ao fixar uma pena de prisão mais próxima do limite máximo do que do limite mínimo, sopesou já a gravidade do crime em causa, e a necessidade de reposição dos valores que foram violados com a prática do crime.
- Acresce que, é notório que a prática do crime ocorreu já há mais de dezassete anos, encontrando-se já diluída no tempo a repercussão da prática do crime, em termos da sociedade não sendo crível que a libertação do recorrente tivesse na sociedade um qualquer efeito negativo quanto à impunibilidade da infração cometida ou do desvalor das normas punitivas.
- Pelo contrário, volvidas quase duas décadas, será adequado ter por certo que se tenham já esbatido na sociedade os efeitos negativos do crime e a necessidade da execução da pena.
- Assim, e mesmo tendo em conta a gravidade do crime cometido, (já devidamente considerado em termos de fixação de pena) nenhuma razão existe para que se entenda que a colocação do recluso em liberdade pudesse pôr em crise os princípios e a necessidade da prevenção geral.
- Por outro lado, se tal sucede a nível de prevenção geral o mesmo se dirá no quer concerne à prevenção especial.
- Com efeito, contrariamente ao decidido a Douta Decisão recorrida, entende-se que o cumprimento da pena pelo período de dois anos consciencializou já o recluso da gravidade da sua conduta, e da necessidade de preservação dos valores que as normas violadas pretendiam acautelar.
- Para além das suas declarações, em que objetivamente se afirmou arrependido, confessando a prática do crime em apreço, haverá que valorizar todas as circunstâncias que resultaram provadas e que devem ser ponderadas e termos adequadas.
- Nestas, ter-se-ão de evidenciar aquelas que resultam do registo criminal do aqui recorrente que, certifica que não praticou o recluso qualquer outro crime, e que o mesmo após a prática do ilícito de natureza criminal exerceu de forma continua e regular a sua profissão sem qualquer registo de infração.
- De igual modo, seriam de ponderar todas as circunstâncias referentes ao período de reclusão, em que não se registou qualquer incidente, sendo certo que resulta também dos autos que sempre cumpriu o recorrente com os seus deveres, mesmo quando em gozo das saídas precárias, devendo também dar-se realce ao facto de ter aproveitado para trabalhar no estabelecimento prisional enquanto cumpria a pena de prisão.
- Tal atuação do recluso não pode deixar de ser valorada, como tradutora de uma crescente consciencialização da necessidade de cumprimento dos seus deveres, e assim da sua ressocialização.
- Sendo que, deveria ter assumido especial relevo, e não assumiu, a circunstância de ser expectável que o recluso, no seguimento do contrato celebrado, venha a exercer atividade profissional remunerada, logo que posto em liberdade, podendo refazer a sua vida, pois que para tal tem habitação adequada, e um centro familiar estável, que se encontra perfeitamente inserido no respetivo meio social.
- Ora, salvo o devido e merecido respeito, todas estas circunstâncias não foram devidamente ponderadas pelo Tribunal, no sentido de as considerar como adequadas a um juízo favorável no que concerne à concessão da liberdade condicional, pelo que, incorreu o Tribunal recorrido em errada apreensão da factualidade dada por assente, e, por consequência, em errónea aplicação do direito.
- Consequentemente e por força da errada fixação da matéria de facto, (no que respeita à aliena p) que assim deverá ser eliminada) e por força ainda da aplicação errónea do direito e violação do disposto nos artºs 42º, nº 1, 62º, nº 2, a) e b), ambos do Código Penal, deverá a Douta Decisão recorrida ser revogada e substituída por outra, que determine a
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