Acórdão nº 726/20.2T8PVZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-06-21

Data de Julgamento21 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão726/20.2T8PVZ.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
PROCESSO N.º 726/20.2T8PVZ.P1
[Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 3]

Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjunta: Maria Eiró
Adjunto: João Proença


SUMÁRIO:
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I.
RELATÓRIO
1.
B..., Unipessoal, Lda. intentou a presente ação declarativa de condenação em processo comum contra AA; BB e mulher, CC; e DD e marido, EE.
Alegou, em síntese, que em fevereiro de 2006 adquiriu à primeira R. e ao seu entretanto falecido marido, FF, a quem sucedeu, além daquela, a sua mãe GG, que veio igualmente a falecer sucedendo-lhe o 2.º R. e a 3.ª R., uma parcela de terreno destinada a construção, descrita na CRPredial de Santo Tirso sob o n.º ..., e um prédio rústico, descrito na CRPredial da Santo Tirso sob o n.º ..., ambos sitos no Lugar ..., da freguesia ..., onde, pelo valor do pedido, construiu seis moradias; no processo n.º 2279/09.3TBSTS, instaurado contra si e HH pelos vendedores dos ditos prédios, foi proferida sentença transitada em julgado que declarou o correspondente contrato de compra e venda carecido de qualquer efeito, ordenou o cancelamento do registo feito a favor da aqui A. com base na respetiva escritura e condenou o então interveniente HH a transmitir para os AA., herdeiros do A. FF, o direito de propriedade sobre as duas moradias centrais, com os n.ºs 3 e 4, da banda de seis, por permuta com os mencionados prédios.
Pediu a condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de 785.000,00€, correspondente às benfeitorias que realizou nos prédios que identifica, ou, subsidiariamente, a mesma quantia por enriquecimento pela valorização de tais prédios, num caso ou noutro com juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, e bem assim que lhe seja reconhecido o direito de retenção sobre os ditos prédios, com as construções neles edificadas até integral pagamento do crédito que peticiona.
2.
Cumprido o devido contraditório, foi proferido saneador-sentença, com o seguinte DISPOSITIVO:
[Pelo exposto, ao abrigo dos arts. 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. i), 595.º, n.º 1, al. a) e 278.º, n.º 1, al. e) do CPC, julgo procedente a excepção da autoridade do caso julgado e absolvo as RR. da instância.
Valor da acção: 785.000,00€.
Custas pela A.]
3.
Inconformada, a Autor interpôs o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, assente nas seguintes CONCLUSÕES:
1.ª – O fundamento do despacho recorrido fundamentou-se na prolação da sentença proferida nos autos que correm seus termos no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso - Procº 2279/09.3TBSTS que, alegadamente, constitui questão prejudicial nos presentes autos e poderia dar origem a decisões contraditórias.
2.ª – Conforme tem sido defendido pela doutrina e jurisprudência, e como bem é referido no despacho saneador recorrido, a autoridade do caso julgado não se confunde com a excepção do caso julgado a que aludem os artºs 580º e 581º do Código de Processo Civil.
3.ª – A excepção do caso julgado e autoridade do caso julgado são duas faces da mesma moeda e para que se verifique a sua violação não se torna exigível a verificação da tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido a que aludem os referidos artºs 580º e 581º.
4.ª – Ora, se dúvidas não existem que não estamos perante um caso de excepção do caso julgado, pois não se verifica a tríplice identidade acima referida, dúvidas também não existem que não estamos igualmente perante um caso de autoridade do caso julgado.
5.ª – Na verdade, para que tal se verifique, torna-se necessário, conforme tem sido entendimento unânime da jurisprudência, que haja identidade das partes em ambos os processos.
6.ª – Ora, a aqui A. não é parte na parte dispositiva constante das alíneas d) e e) da sentença proferida naqueles autos 2279/09 supra transcritas, sendo certo que apenas respeitam ao Interveniente HH.
7.ª – A ora A. apenas foi condenada a ver declarada ineficaz a escritura de compra e venda outorgada em 14 de Fevereiro de 2006 e é exactamente por força dessa condenação que veio intentar a presente acção.
8.ª – A sentença que venha a ser proferida nos presentes autos – condenação dos RR. no pagamento da quantia peticionada a título de benfeitorias - em nada pode contrariar o que decidido ficou naquele outro processo nas referidas alíneas a), b) e c), aquelas a que à A. dizem respeito.
9.ª – Para que se verifique a autoridade do caso julgado terá que haver uma “relação de prejudicalidade” entre o objecto da primeira acção e a segunda.
10.ª – Dos presentes autos não pode resultar contradição entre a declaração de ineficácia de um determinado contrato de compra e venda que tenha por objecto determinados imóveis decidida na primeira acção e o agora peticionado direito a benfeitorias alegadamente contruídas nesses mesmos imóveis.
11.ª – As condenações de que foi objecto o interveniente HH não podem ser opostas à ora A., pois caso contrário violaria o alcance do caso julgado referido no artº 621º do Código de Processo Civil.
12.ª – Carece de fundamento o douto despacho recorrido ao referir que “É que prejudicial desta acção não é apenas o segmento daquela acção que apreciou o contrato de compra e venda celebrado entre a aqui A. mas também o segmento que conheceu do contrato promessa de permuta celebrado entre o aí R. interveniente”., pois este segmento em nada contende com a A., pois esta sempre foi alheia a tal contrato promessa e relativamente ao qual não tinha sequer que se pronunciar.
13.ª – Tal segmento da sentença é inoponível à aqui A., por imposição do princípio do contraditório que seria seriamente beliscado.
14.ª – Por outro lado, a A. foi absolvida dos pedidos referidos nas alíneas a) e e) dos autos 2279/09, isto é, foi abolvida dos pedidos a que se refere o “segmento que conheceu do contrato promessa de permuta celebrado com o aí R. interveniente”.
15.ª – Tal questão não é, no que à A. diz respeito, questão prejudicial, nem lhe pode ser oposta.
16.ª – Não há qualquer perigo de, nos presentes autos, surgirem as “decisões contraditórias”, a que o Mmo Juiz a quo faz referência no douto despacho recorrido, e que ofendam quer a excepção do caso julgado, quer a autoridade do caso julgado.
17.ª – O douto despacho saneador/sentença recorrido violou o preceituado nos artigos 3º, nº 3, 580º, 581º e 621º do Código de Processo Civil.
*
Terminou, pedindo a revogação da decisão recorrida.

4.
Contra-alegaram os Réus CC, BB, DD e EE, pugnando pela improcedência do recurso, assente nas seguintes CONCLUSÕES:
A. Ao contrário do expresso nas conclusões da apelante (vide conclusão 5), ocorre identidade das partes com o processo 2279/09.3TBSTS- 4º Juízo Cível de Santo Tirso.
B. Nem tal era necessário para que a exceção de autoridade do caso julgado tivesse aplicação.
C. A apelante apenas foi absolvia dos pedidos das alíneas a) e e) do processo identificado em 1) da motivação e pela razão simples de ter sido decretada a nulidade da compra e venda que havia celebrado – negócio não sério.
D. Mas a apelante nunca esteve impedida de na sua contestação ou até posteriormente reclamar benfeitorias.
E. Por outro lado, há total contradição entre o aqui peticionado e também peticionado nos autos a correrem seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 6 – Processo nº 1925/19.5T8PVZ.
F. Parece-nos, pois, ser seguro que ocorre exceção de autoridade do caso julgado.
G. Deve, pois manter-se a sentença em recurso.
H. Mas a apelante condenada como litigante de má fé em multa e indemnização.

5.
Também o Ministério Público, em representação da Ré AA contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

II.
OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, o que importa decidir no presente recurso é se ocorre ou não autoridade de caso julgado.

III.
FUNDAMENTAÇÃO
1.
OS FACTOS
1.1.
Com relevância para a decisão, o Tribunal de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos:
1.1.1.Na ação 2279/09.3TBSTS que opôs, como AA., a aqui R. AA e o marido FF, de que a própria, assim como o 3.º R. e a 2.ª R. são herdeiros, à aí R., e aqui A. B..., Unipessoal, Lda., e a HH, seu associado, resultaram provados os seguintes factos:
[1. No mês de junho de 2005, o A. marido e HH, único sócio e gerente da R., após negociações a isso conducentes, chegaram ao seguinte acordo: o A. obrigava-se a transmitir para o referido HH o direito de propriedade sobre os seguintes prédios, para este aí proceder à construção de seis moradias em banda:
- uma parcela de terreno destinado a construção urbana, sita no Lugar ... ou ..., freguesia ..., concelho de Santo Tirso, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o n.º ... e inscrita na matriz urbana sob o artigo n.º ...;
- Prédio rústico sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Santo Tirso, descrito na Conservatória sob o
...

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