Acórdão nº 717/21.6PFSXL.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 09-02-2022

Data de Julgamento09 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão717/21.6PFSXL.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes que compõem a 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I–Relatório:


Inconformado com a decisão que ditou a sua condenação como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, nº 1 e 2, do DL nº 2/98, de 03/01, na pena de 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, apresenta-se a recorrer perante este Tribunal da Relação o arguido JCMV______, com os sinais nos autos, formulando, após motivação, as seguintes conclusões:

I–O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença condenatória proferida nos presentes autos que condenou a Recorrente pela prática do crime de desobediência.
II–Sucede que a aplicação da pena se revelou injusta e extremamente rigorosa contra o Recorrente, isso porque o mesmo foi condenado numa pena de 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano, nos termos do artigo 50.º do Código Penal.
III–Ocorre que o Recorrente prestou a sua confissão integral e sem reservas, bem como revelou sentimento de arrependimento demonstrado pelo Recorrente, mas que acabaram por ser mitigados pelo Juízo.
IV–A confissão do Recorrente deveria ter sido devidamente valorada, pelo que o presente Recurso não admite a mitigação feita pela r. Sentença.
V–Ao ser ouvido em Audiência, o Recorrente revelou sinceridade, honestidade e arrependimento, questões que não foram bem observadas quando da prolação da r. Sentença.
VI–A pena de prisão aplicada pela Sentença deverá ser reformada, pois revela-se impertinente e extremamente injusta contra o Recorrente, atenta a todas as peculiaridades do caso e a confissão integral e sem reservas prestada pelo arguido, que se demostrou verdadeiramente arrependido.
VII–Portanto, o presente recurso deverá ser admitido nos autos por despacho e os autos de recurso enviados ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, concretamente para que seja revista tal condenação e modificada a pena que lhe foi imposta.
VIII–Deverá ser ponderado ainda a inserção social do arguido, ora Recorrente, que vive pacificamente em sociedade, tem uma família constituída e responsabilidades, bem como tem uma profissão.
IX–Em sede de Audiência, o Recorrente demonstrou o seu sincero arrependimento, o que tudo somado permite concluir que assumiu a responsabilidade pelos seus actos, num verdadeiro arrependimento, bem como numa manifestação de humildade, pois assumiu que falhou, desculpando-se pelos seus erros, e bem assim, assumindo-o perante a sociedade, representada aqui pelo Tribunal.
X–Assim, ao ponderar a matéria de facto dada como provada, entendemos que a pena aplicada não levou em consideração, suficientemente, as circunstâncias que depõem a favor do arguido, ora Recorrente, o facto de este estar adequadamente inserido na sociedade.
XI–Sendo de concluir que o ora recorrente denota grande consciência, embaraço e arrependimento em relação ao crime que cometeu, o que resulta inequívoco da vontade manifestada em sede de audiência de julgamento a maneira humilde como se portou.
XII–Ainda sobre a medida da pena concreta aplicada ao Recorrente, argumentamos que a pena que lhe foi cominada é excessiva, desajustada e injusta, pois não foram devidamente ponderadas as circunstâncias que devem presidir à determinação da fixação da pena concreta a que alude o nº 2 do Artigo 71º do Código Penal, designadamente, porque não foi dado o justo relevo atenuativo às circunstâncias que depõem a seu favor e às suas condições pessoais e de integração social.
XIII–Os ideais que devem presidir à determinação da medida concreta da pena são de que as finalidades da aplicação de uma pena residem, primordialmente, na tutela dos bens jurídicos, na inserção do arguido na comunidade e a de que a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.
XIV–Deverá o Tribunal ter também em conta o invocado arrependimento do arguido, bem como a sua confissão integral e sem reservas quanto aos factos e a intenção de se retratar, bem como devem ser consideradas as suas condições pessoais, já que o arguido está inserido na sociedade.
XV–Não restou provado, de forma robusta e contundente, que o Recorrente tenha sido interveniente em qualquer acidente de viação, tampouco provou-se que qualquer pessoa tenha sofrido lesão física ou qualquer outra espécie de dano capaz de ser atribuído à pessoa do arguido.
XVI–O Recorrente reconheceu que agiu mal, mas revelou estar profundamente arrependido, demonstrando capacidade e vontade de vivência de acordo com os valores ético, sociais, juridicamente protegidos.
XVII–Ao condenar o Recorrente na pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, constatamos que a referida Sentença foi excessiva e injusta, sendo imprescindível a sua reforma, especificamente para, no máximo, aplicar uma pena de multa ou mesmo para que lhe seja possibilitada a realização de trabalho a favor da comunidade, espécies de sanções que, certamente, serão cumpridas pelo Recorrente e se revelaram eficazes.
XVIII–Portanto, acresce que a medida da pena a que o Recorrente foi condenado é excessiva, quer em função da culpa deste, quer face às necessidades de prevenção e reprovação criminal, do caso concreto.
XIX–Pelo exposto, a Sentença não interpretou, nem aplicou, correctamente o disposto nos artigos 203.º e 210.º, do Código Penal, sendo imperiosa a imediata reforma da decisão condenatória proferida, sobretudo para afastar a pena de prisão e determinar a incidência, no máximo, de uma pena de multa ou mesmo para que seja possibilitado ao Recorrente a realização de trabalho a favor da comunidade.
Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, a pena de prisão deverá ser reformada, pois se revelou excessiva e injusta, diante das peculiaridades do caso, da realização de confissão integral e sem reservas, bem como pela demonstração de arrependimento e cooperação, pelo facto de o recorrente não ter sido interveniente em qualquer acidente de viação, tampouco ter causado danos à terceiros, fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça.”

Ao assim recorrido veio responder o Ministério Público pugnado pela manutenção do decidido.

Os autos subiram a este Tribunal e neles o Ministério Público teve vista e lavrou douto parecer onde fez constar “Sublinhe-se a manifesta indiferença do arguido perante a proibição legal, sendo certo que já fora condenado pela prática de factos de idêntica natureza, por sentenças transitadas.

A circunstância de ter cometido, de novo, o mesmo crime, sugere ser acentuada a necessidade de prevenção especial.

Assim, não se descortinando que o procedimento adoptado para a aferição da medida da pena se mostre incorrecto ou que se tenham eleito factores que não se deviam ter em conta para a quantificar, deve a pena escolhida deve manter-se intocada, Consequentemente, se pugna pela improcedência do recurso”.

Os autos foram a vistos e à conferência.
***

II–Do âmbito do recurso e da decisão recorrida

O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do Código do Processo Penal).

No caso concreto, analisadas as conclusões recursais, as questões a decidir são:
a)-A alteração da matéria de facto;
b)-A medida da pena.

Vejamos, contudo, o que ficou provado e não
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