Acórdão nº 711/21.7YIPRT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2022-03-24

Ano2022
Número Acordão711/21.7YIPRT.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Proc. n.º 711/21.7YIPRT.E1
Elvas – Juízo Local Cível – Juiz 2
Comarca de Portalegre



ACORDAM NA 1.ª SECCÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, E.P.E. apresentou requerimento de injunção, sendo requeridos (…) – Empresa de Trabalho Temporário, Lda. e (…), peticionando-lhes o pagamento da quantia de € 10.500,04 (dez mil e quinhentos euros e quatro cêntimos), a título de capital, acrescida de juros de mora vincendos, contados desde a data da notificação dos Réus.
Alegou, para tanto e em síntese, que, no exercício da sua actividade prestou cuidados de saúde a (…), consistindo em 4 (quatro) dias de internamento (de 29.01.2016 a 02.02.1016), a que correspondeu o GDH 930-4 – “Traumatismos Múltiplos Significativos sem Procedimentos em BO”, que se ficaram a dever a lesões sofridas pela assistida, “por ter sido vítima de acidente de viação, quando se encontrava a prestar serviços à primeira requerida, (…) – Empresa de Trabalho Temporário, Lda., em execução de contrato de trabalho, ocorrido em 29 de Janeiro de 2016, ao quilómetro 10,600 da Estrada Nacional …, na freguesia de São João Batista, concelho de Campo Maior”, tendo a assistida falecido em 02.02.2016, em consequência das lesões sofridas no acidente.
Mais alegou que “para a ocorrência do referido acidente contribuíram causalmente dois animais de raça equídea, propriedade do segundo Requerido, (…), que vagueavam na via”.
Notificados os requeridos, ambos deduziram respectivas oposições.
Após remessa dos autos à distribuição, foi declarada a incompetência em razão do território do juízo local cível de Lisboa, vindo os autos a ser remetidos ao juízo local cível de Elvas.
Após prolação do despacho saneador, com conhecimento da suscitada ilegitimidade ad causam da Ré (…) – Empresa de Trabalho Temporário, Lda. e decisão de mérito sobre a excepção peremptória de prescrição deduzida pelo Réu (…), que foi julgada improcedente, foi designada data para a realização da audiência de julgamento.
Iniciada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal suscitou a eventual verificação da excepção de nulidade do processado com fundamento em erro na forma do processo, relativamente à qual deu contraditório às partes.
O Autor pronunciou-se, logo nessa sede, quanto à verificação da excepção suscitada, invocando, em suma, que a forma de processo é a correcta e adequada face ao disposto no artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho, que estabeleceu o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, o qual preceitua que, para efeitos do aludido diploma, a realização das prestações de saúde consideram-se feitas ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, sendo aplicável o regime jurídico das injunções, sustentando, em síntese, que a causa de pedir da presente acção assenta num contrato de prestação de serviços (por ficção legal).
Os Réus, por sua vez, requereram prazo para se pronunciarem quanto à excepção suscitada pelo Tribunal, tendo-lhes, para tanto, sido concedido o prazo de 5 dias, sendo que, findo o referido prazo, nada vieram dizer nos autos.
Foi, então, proferida decisão com o seguinte teor:
“(…)
II - Cumpre apreciar e decidir.
Com efeito, sob a epígrafe «Processo comum e processos especiais», preceitua o artigo 546.º do C.P.C. que «(…) 1. O processo pode ser comum ou especial. 2. O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei; o processo comum é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial. (…)», sendo que o regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, regula uma forma de processo especial destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 (quinze mil euros) – cfr. artigo 1.º do respectivo diploma preambular.
Suscitada a questão pelo Tribunal, importa, pois, aferir se a forma processual utilizada pelo Autor (procedimento de injunção posteriormente transmutado em acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos) se harmoniza com os pedidos por si deduzidos e com a causa de pedir que lhes subjaz.
Ora, cotejada a matéria alegada no requerimento de injunção apresentado pelo Autor, verifica-se que, com a presente acção, este reclama dos Réus (ainda que não seja clara a medida / natureza da sua responsabilidade) o pagamento dos serviços de assistência hospitalar prestados a (…), entretanto falecida, e por cujo pagamento pretende responsabilizar os Réus, a Ré (…) na qualidade de responsável civil (mediante transferência operada por contrato de seguro pela entidade empregadora da assistida) e o Réu (…) na qualidade de responsável (causador) pelo acidente de viação que determinou a lesões pelas quais a referida (…) veio a carecer de assistência hospitalar.
Ora, conforme já havia sido objecto de afloramento no despacho proferido em 06-04-2021 a propósito do factor de conexão relevante para determinar a competência territorial do Tribunal (cfr. Ref.ª Citius 404162539) e atendendo à causa de pedir que sustenta os pedidos concretamente deduzidos nos presentes autos, é forçoso concluir que, pese embora os serviços prestados pelo Autor se considerem feitos ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho, a causa de pedir da presente acção não assenta nos serviços concretamente prestados pelo Autor à falecida (…), mas antes numa causa de pedir complexa, com 3 (três) vertentes essenciais, a saber: (i) um facto ilícito (acidente de viação); (ii) a existência de um vínculo laboral entre a assistida e a 1.ª Ré; e (iii) a prestação de serviços de assistência médica à falecida, sendo, portanto, a prestação de serviços apenas uma dessas vertentes, sendo certo que tal contrato não foi celebrado com nenhum dos Réus, mas antes com a pessoa assistida, entretanto falecida.
Por ser assim e porque os únicos factores que conferem legitimidade aos Réus para serem demandados na presente acção radicam na celebração de um contrato de seguro e na ocorrência de um acidente de viação alegado pelo Autor, sendo as quantias reclamadas pelo Autor prejuízos por si sofridos como consequência do aludido acidente, dúvidas não podem restar de que estamos perante uma acção destinada a efectivar a responsabilidade civil de ambos os Réus, a da 1.ª Ré. de natureza contratual (por via de da celebração de contrato de seguro) e a do 2.º Réu de natureza aquiliana (exclusivamente baseada no seu contributo para a produção do facto ilícito e lesivo).
E, como acertadamente refere o Conselheiro Salvador da Costa[1] «(…) O regime processual em causa só é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio (…)».
Com efeito, esta forma de processo destina-se a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, sendo que, para este efeito, obrigação pecuniária corresponde à quantia pecuniária que é o próprio objecto da prestação[2].
Assim, e porque a indemnização emergente de responsabilidade contratual e extracontratual, nomeadamente quando, como sucede no caso dos autos, o direito a tal indemnização assenta num facto ilícito, não pode ser exigida através de procedimento de injunção, nem da acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos em que eventualmente se venha a transmutar, a forma de processo utilizada pelo Autor para reclamar as quantias peticionadas nos presentes autos não é a correcta ou adequada, afigurando-se-nos, atentos os concretos pedidos formulados pelo Autor, que, ao abrigo do disposto no artigo 546.º, n.º 2, do C.P.C., a presente acção deveria ter sido instaurada sob a forma de processo comum, regulada nos artigos 552.º e seguintes do Código de Processo Civil.
O erro na forma do processo configura uma nulidade de conhecimento oficioso, devendo ser apreciada, não havendo lugar a despacho saneador, até à sentença final (cfr. artigos 196.º e 200.º, n.º 2, ambos do C.P.C.) e importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, bem como a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida na lei, devendo, todavia, ser aproveitados os actos já praticados contanto que tal não implique uma diminuição das garantias do réu (cfr. artigo 193.º, n.os 1 e 2, do C.P.C.).
Ora, concluindo-se (como se concluiu) que os presentes autos deveriam ter sido instaurados sob a forma processo comum, cremos que nenhum dos actos praticados nestes autos pode ser aproveitado, desde logo porque, para além de o requerimento de injunção não poder ser aproveitado (sendo apresentado através de formulário simplificado e inadmissível em qualquer outra forma de processo), uma vez que não preenche os requisitos legalmente exigidos para a petição inicial, designadamente os previstos nos artigos 147.º, n.º 2 (exigência de forma articulada), e 552.º, n.º 2 (indicação dos meios de prova), ambos do C.P.C., sendo que, quanto a este último requisito, a apresentação do requerimento probatório com a petição inicial é obrigatória, também as garantias de defesa dos Réus não se mostram devidamente acauteladas, na medida em que dispuseram de prazo inferior para apresentar a sua defesa e ficou-lhes vedada a possibilidade de deduzir pedido reconvencional, razão pela qual importa determinar a nulidade de todo o processado.
Pelo exposto, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização e afectados que resultam o conhecimento e prosseguimento da acção especial
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