Acórdão nº 701/10.5BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-02-02

Data de Julgamento02 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão701/10.5BELRA
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por M ……………. (doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico que versou sobre o indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o ato de liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), referente ao ano de 2003.

Apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:

A. Os factos apurados no RIT e expressamente apropriados e sancionados pela sentença sindicada, deveriam conformar e fundamentar a conclusão de que foi corretamente fixada pela AT a matéria coletável em sede de IRS do Impugnante, relativa ao ano de 2003.

B. Decidir em sentido diverso vai contra a matéria que se considerou provada e relevante para a apreciação da causa, ao arrepio da Lei no que respeita à repartição do ónus da prova, contida nos artigos 74.º e 75.º da LGT.

C. A Autoridade Tributária e Aduaneira cumpriu esse ónus da prova, visto que alegou e comprovou que o Impugnante obteve aqueles rendimentos no ano de 2003, e que os mesmos revestiram a natureza de adiantamentos por conta de lucros auferidos da sociedade comercial CONSTRUÇÕES ………….. & ……………….. LDA

D. As correções à matéria coletável do Impugnante resultaram da ação inspetiva efetuada à sociedade comercial CONSTRUÇÕES …………. & ………… LDA., para os exercícios dos anos de 2003, 2004 e 2005, da qual aquele era gerente de direito e de facto.

E. Por sua vez, as correções à matéria tributável da sociedade comercial da qual era gerente o impugnante foram igualmente discutidas em sede de impugnação judicial, em concreto nos procs. 1643/10.0BELRA, 1644/10.8BELRA e 1645/10.6BELRA, relativo aos anos de 2003, 2004 e 2005, respetivamente, e que correram termos no mesmo Tribunal.

F. Impugnações que foram todas julgadas improcedentes, tendo há muito transitado em julgado as respetivas sentenças, daí resultando a validade da atuação da AT e consequente manutenção das liquidações adicionais de IRC.

G. Facto que deveria ter sido considerado pelo Tribunal a quo, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.

H. A Autoridade Tributária e Aduaneira recolheu factos suficientes de que os valores recebidos pelo impugnante se trataram de disponibilidades financeiras geradas em resultado do exercício em causa.

I. Não tendo ficado demonstrado que esses valores recebidos pelo Impugnante retornaram ao erário da sociedade comercial, ou que resultaram de qualquer suprimento ou empréstimo feito previamente pelo Impugnante à sociedade, forçosamente teriam de ser considerados adiantamentos por conta de lucros, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do Código de IRS.

J. Tudo razões que se reputam determinantes para a prolação dum juízo que determine a revogação da decisão aqui recorrida e, do mesmo passo, venha confirmar a valia do ato tributário impugnado, indevidamente anulado pelo Tribunal a quo.

Nestes termos e nos restantes de Direito que o distinto Tribunal entender por bem suprir, advoga a Representação da Fazenda Pública a procedência do presente recurso jurisdicional, determinando-se a revogação da sentença do Tribunal a quo e, desse modo, julgar totalmente improcedente a impugnação judicial interposta pelo recorrido M ……………., com o que V. Exas. farão a almejada Justiça !


*

As contra-alegações apresentadas terminam com as seguintes conclusões:

I - No presente recurso invoca a Recorrente que os factos apurados pelo RIT e expressamente apropriados e sancionados pela sentença sindicada, deveriam conformar e fundamentar a conclusão de que foi corretamente fixada pela AT a matéria coletável em sede de IRS do Impugnante, relativa ao ano de 2003.

II - Que a AT cumpriu o ónus da prova de que o Impugnante obteve rendimentos e que os mesmos revestiram a natureza de adiantamentos por conta de lucros auferidos pela sociedade Construções …………. & ……………, Lda., nos termos do artigo 5.º. n.º 2, alínea h), do CIRS.

III - Discorda totalmente o Recorrido da posição assumida pelo RFP.

IV - Com efeito, a tributação em IRS na esfera do Impugnante assentou, pelo menos, em três presunções, ilegais, não previstas na lei:

1) Que os emitentes dos cheques e transferências bancárias tinham adquirido a título oneroso frações prediais à predita sociedade;

2) Que as diferenças de valores contantes desses documento foram recebidos pelo Impugnante e resultam da atividade empresarial da sociedade;

3) Que esses valores constituem rendimentos sujeitos a IRS, categoria E, como adiantamentos por conta de lucros.

V - Embora recaísse sobre ela o ónus de tais provas, não o fez.

VI – Não provou que os emitentes tivessem comprado alguma fração; não provou que as diferenças de valores foram todas recebidas pelo Impugnante e que resultam da atividade da sociedade; não logrou provar que tais valores constituem rendimentos sujeitos a IRS, adiantamentos por conta de lucros rendimentos de capitais, na esfera do Impugnante.

VII - Não consta do processo qualquer documento comprovativo da aquisição das frações.

VIII - Dois cheques não têm qualquer averbamento de terem sido descontados e um documento relativo a uma transferência bancária encontra-se ilegível.

IX - O cheque é um meio de pagamento e não uma prova de pagamento.

X - O RIT refere-se unicamente à emissão de cheques e não ao recebimento dos valores neles inscritos.

XI - Não pode haver adiantamentos por conta de lucros sem a sociedade obter lucros e nunca foi referido se teve ou não lucros e o seu montante.

XII - A distribuição de lucros carece de consentimento da gerência e têm de ser observadas regras previstas no Código das Sociedade Comerciais.

XIII - As únicas situações em que são consentidas presunções quanto a tais rendimentos, são as tipificadas no artigo 6.º do CIRS, concretamente no número 4, ou seja, os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros.

XIV - Fora destas situações qualquer presunção em matéria tributária não tem acolhimento legal.

XV - Se a AT pretendesse aplicar presunções deveria ter determinado a matéria coletável do Impugnante por meio da aplicação de métodos indiretos.

XVI - As importâncias em causa não foram lançadas em conta corrente nem foi provado se resultam ou não de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.

XVII - Nos termos do artigo 74.º, número 1, da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dois contribuintes recai sobre quem os invoque.

XVIII - A AT não fez prova dos factos constitutivos do tributo impugnado.

XIX - Não está provado nem demonstrado ter ocorrido qualquer transferência de fundos próprios gerados em resultados da sociedade para o sócio.

XX - Estatui o artigo 75.º da LGT que se presumem verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes e a AT não conseguiu abalar essa presunção.

XXI - Determina o artigo 100.º, número 1, do CPPT, que o ato impugnado deve ser anulado sempre que da prova produzida resulte fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.

XXII - Bem andou, pois, a decisão do TAF de Leiria.

Termos em que, e nos mais de direito, deve o recurso interposto pelo Representante da Fazenda Pública, ser julgado improcedente com todas as consequências legais e mantida a decisão judicial.


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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos, vêm os autos à conferência para decisão.

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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões da alegação de recurso, temos que a questão a apreciar e decidir é a seguinte: verifica-se erro de julgamento, na medida em que se reuniram os pressupostos para se enquadrarem os valores identificados como rendimentos da categoria E, colocados à disposição do Impugnante, nos termos previstos no art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h), do Código do IRS (CIRS)?

II - FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

A) Os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Santarém, dirigiram ao Impugnante documento denominado “Carta Aviso”, datado de 12.11.2007, do qual consta conforme segue:

«Imagem no original»

(…)» - conforme documento a folhas 24 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

B) Os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Santarém, emitiram, em nome do Impugnante, documento denominado “Procedimento de Inspecção Externa – Ordem de Serviço (Art.º 46º do RCPIT)”, com o N.º ……………..017, do qual consta conforme segue:

«(…)

« Imagem no original»

(…)» - conforme documento a folhas 23 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

C) Em 11.04.2008 foi...

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