Acórdão nº 69/21.4T8MBR-B.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-11-21

Ano2023
Número Acordão69/21.4T8MBR-B.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MOIMENTA DA BEIRA)
Apelação 69/21.4T8MBR-B.C1
Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Moreira do Carmo
Carlos Moreira

(…)

*


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Na ação declarativa comum movida por AA contra BB, CC, DD e EE, em 13.02.2023 foi proferido o seguinte despacho:

«(...) Foi requerida, pelos autores, a intervenção principal provocada de FF e GG, nos termos do artigo 33º, do Código de Processo Civil.

Notificados, os réus opuseram-se.

Apreciando e decidindo.

No nosso ordenamento jurídico-processual civil vigora o princípio da estabilidade da instância.

Tal princípio determina que, proposta a ação e uma vez citado o réu, deve a instância manter-se a mesma, ou seja, imutável quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir (cf. artigos 267º e 268º, ambos do Código de Processo Civil).

Contudo, este princípio comporta exceções, pelo que, a instância pode modificar-se quanto às pessoas, em virtude dos denominados incidentes de intervenção de terceiros, como decorre do disposto nos artigos 269º, n.º 1 e 270º, al. b), do Código de Processo Civil.

No que respeita ao incidente de intervenção principal provocada, que aqui nos interessa, dispõe, desde logo, o artigo 311º, do Código de Processo Civil: “Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32º, 33º e 34º.”

E, complementa o artigo 316º, n.º 1, do mesmo diploma legal: “Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. (…)”.

Sendo que a figura do litisconsórcio necessário se traduz, nos termos do artigo 35º, do Código de Processo Civil, em casos em que há uma única ação com pluralidade de sujeitos, ou seja, de acordo com as hipóteses previstas nos artigos 33º e 34º, do referido diploma legal.

Assim, o interesse do chamamento de alguém, ao abrigo da intervenção principal provocada (litisconsorcial), será o de sanar eventual situação de ilegitimidade ad causam (v. a propósito Salvador da Costa, in “Os Incidentes da Instância”, 8.ª Edição, Almedina, 2016, págs. 88.89)

Em respeito ao momento para realização tal chamamento, estabelece o artigo 318º, n.º 1, do Código de Processo Civil: “O chamamento para intervenção só pode ser requerido: a) No caso de ocorrer preterição do litisconsórcio necessário, até ao termo da fase dos articulados, sem prejuízo do disposto no artigo 261º (...).”

Volvendo ao caso concreto, a dúvida que subsiste é a de saber se é ou não necessária a participação dos Chamados nos autos principais, para além daqueles que aqui se apresentam como réus, tendo em conta a configuração da presente ação.

Compulsado o teor do articulado apresentado pelos autores, estamos perante uma ação declarativa que visa a declaração judicial de reconhecimento de que um determinado terreno não é propriedade dos réus, mas que sobre o mesmo seja reconhecida a existência de um contrato promessa de compra e venda, e ainda, a condenação dos réus no reconhecimento de um direito de servidão, sobre aquele terreno, em favor da autora, na destruição e restituição da circulação do terreno, na abstenção da prática de quaisquer atos que impeçam ou dificultem a passagem pelos autores e no pagamento da quantia de € 2 500, a título de danos patrimoniais, e respetivos lucros cessantes; subsidiariamente, mantém todos os pedidos, com exceção do reconhecimento da existência, a favor da autora, de um direito de servidão legal.

Para tanto, a autora elabora um conjunto de alegações dirigidas a (procurar) sustentar que o terreno em disputa, ou seja, a parcela de terreno alegadamente onerada com uma servidão de passagem, a seu favor, terá sido, há muito tempo atrás, objeto de um negócio jurídico de compra e venda, celebrado entre um Sr. HH, mandatado pela mãe da autora (entretanto falecida), e um Sr. FF.

Ademais, sobressai o entendimento, por parte da autora, de que tal negócio jurídico, embora concretizado e produzido os efeitos pretendidos, resultou insuficiente quanto à forma adotada, isto é, não foi sujeito a escritura pública ou documento particular autenticado, pelo que deve ser tido como nulo, de nenhum efeito (pretensão implícita, pois nenhum pedido é realizado nesse sentido).

Porém, mais revela a autora que tal vício reclama uma conversão do negócio originário para a forma de um contrato promessa, devidamente traduzido no pedido A.

Contudo, nenhum dos contraentes do negócio, com exceção da autora, encontram-se na ação, concretamente os Chamados.

E, em rigor, atento o elenco dos pedidos formulados e respetiva causa de pedir, tal presença afigura-se necessária.

Com efeito, tendo presente o disposto no artigo 34º, n.ºs 1 e 3, do CPC, que dispõe que “1 - Devem ser propostas por ambos os cônjuges, ou por um deles com consentimento do outro, as ações de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as ações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família. (…) 3 - Devem ser propostas contra ambos os cônjuges as ações emergentes de facto praticado por ambos os cônjuges, as ações emergentes de facto praticado por um deles, mas em que pretenda obter-se decisão suscetível de ser executada sobre bens próprios do outro, e ainda as ações compreendidas no n.º 1.”, bem como o estabelecido no artigo 1682º - A, n.º 1, al. a), do CC: “Carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens: a) A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns”, resulta, salvo melhor entendimento, manifesto interesse e necessidade de aqueles Chamados participarem na lide e, nessa medida, querendo, contradizer os factos alegados.

Posto isto, então, resulta compreender que, na presente ação, nos termos em que a mesma se encontra configurada, ocorre a imposição de um litisconsórcio necessário, pelo lado passivo, que importa colmatar.

Termos em que se decide julgar verificados os pressupostos para a admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada, admitindo-se, consequentemente, o chamamento requerido, com a finalidade de determinar a respetiva intervenção na presente ação, pelo lado dos réus.

Cite os Chamados, FF e GG, nos termos e para os efeitos do artigo 319º, do Código de Processo Civil. (...)»

Inconformada, a Ré CC apelou[1] formulando as seguintes conclusões:

1ª - Dá-se por reproduzida a tramitação processual nos autos, sendo já quatro os convites de aperfeiçoamento do tribunal a quo à A., quer da p. i. quer de incidentes de intervenção provocada, orientados e admitidos pelo tribunal a quo após terminada a fase dos articulados.

2ª - O Tribunal a quo vem desde 2021 dilatando no tempo os autos, sendo manifesta a ineptidão da p. i., que o tribunal vai tentando sucessiva e continuamente que A. venha corrigir, para que não declare a verificação da ineptidão da p. i., que efetivamente se verifica e o demonstram os constantes convites ao aperfeiçoamento!

3ª - Tal gestão processual nada tem de célere, de normal, de simplificação e não garante a justa composição do litígio em prazo razoável.

4ª - Há nos autos tratamento desigual das partes, no exercício de faculdades, no

uso defesa e na cominações e sanções aplicáveis, sendo que o tribunal permite à A. até fazer contraditório ao contraditório da Ré, pelo que da parte da A. há duplicação de articulados, extravasando os que a lei lhe permite (p. i., réplica).

5ª - Nos termos dos art.ºs 584, 590, 591 do Código de Processo Civil (CPC), a fase dos articulados termina com a réplica, foi nos autos proferido despacho pré-saneador e foi realizada audiência prévia.

6ª - Dita o artigo 318 do CPC, que o chamamento para intervenção SÓ PODE SER REQUERIDO, no limite, até ao termo da fase dos articulados.

7ª - A ré/apelante, opõe-se e opôs-se ao chamamento, por o incidente não ser admissível, por ser intempestivo, violando-se o disposto no art.º 318 do CPC, que é imperativo, pois que não ocorreu até ao termo da fase dos articulados (réplica), mas sim após a realização da audiência prévia (ata de 22.11.2021) – ex vi art.ºs 584 e 591 do CPC.

8ª - Na tramitação processual e fase em que se encontram os autos não pode conceber-se que o chamado, venha sequer intervir com articulado próprio, o que mais atrasará os autos, voltando-se outra vez ao início e fazendo com isso tábua rasa da ineptidão da p. i., ademais quando há muito a A. em face da sua causa de pedir e pedido, sabia da existência de tal pessoa, até porque o havia indicado como testemunha na p. i..

9ª - Acresce que, a A. não alega sequer no incidente (intempestivo) de chamamento que pretende dirigir pedido contra o chamado, como alegado contitular de direitos invocados por alguma das partes, nem tal pode o tribunal a quo suprir.

10ª - A A. desde a providência cautelar vem dando várias versões, naquela que era ela a dona, na ação que podem ser outros ou até ela, mas não sabe…!

11ª - Com a dedução intempestiva de tal incidente, a A. confessa que não é dona nem possuidora do terreno em discussão nos autos, dizendo sê-lo FF, daí o chamar (a convite do tribunal a quo) e na providência cautelar (apensa) a versão era diferente, litigando manifestamente de má fé.

12ª - No incidente de chamamento intempestivamente deduzido, diz a A. que o tal FF é casado e como tal devia a A. chamar também a mulher, sob pena de nenhum efeito útil obter de tal incidente, pois que em face do regime patrimonial do casamento, o património será comum ou vivem em economia comum, e a mulher tem iguais direitos e deveres que o marido.

...

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