Acórdão nº 69/15.3 BECTB de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-01-12

Data de Julgamento12 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão69/15.3 BECTB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório
L… instaurou ação Administrativa comum, contra a S…- Autoestradas …, S.A., com vista a obter a condenação da ré a título de responsabilidade civil extracontratual, por acidente causado por animal. Foi interveniente A… – Sucursal em Portugal. O TAF de Castelo Branco, por sentença de 28.4.2019, julgou a ação parcialmente procedente, condenou a ré e a interveniente a pagar ao autor a quantia que se vier a apurar em sede de incidente de liquidação de sentença, a título de indemnização dos danos resultantes do sinistro ocorrido na A23, com o veículo com matrícula …-…-O…, e absolveu a ré e a interveniente do pagamento do montante peticionado a título de danos resultantes da privação do uso do veículo.
As demandadas, inconformadas com a decisão, interpuseram, cada uma, recurso de apelação.
A ré S... alegou e formulou as seguintes conclusões:
A. O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida no dia 28 de abril de 2019, que julgou parcialmente procedente a ação, tendo condenado a R. e a Interveniente no pagamento ao A. da quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, e versa sobre a matéria de facto e de direito.
B. Não pode a R., ora Recorrente, conformar-se com a decisão do Tribunal a quo, por entender que a mesma padece de erro na apreciação da prova e na aplicação do Direito.
C. Quanto à matéria de facto, realça-se o ponto 9 dos factos provados. Este ponto teve por base o depoimento da testemunha P…, quando no seu depoimento refere que “O separador nessa zona é um separador rígido é em betão tem ali cerca de 80, 85 cm de altura e dos registos que fui ver do processo interno, a ocorrência deu-se entre os 2 ramais do nó” [1:35:08.3].
D. Não obstante o depoimento se ter cingido ao supra transcrito, o Tribunal a quo retirou a seguinte conclusão: “Importa considerar que, tal como como foi referido pela testemunha da Ré P…, as duas vias estão divididas por um separador central de betão com cerca de 80/85cm, o que torna viável a passagem, de um lado para o outro, de um cão de porte médio”.
E. Atento o depoimento da testemunha – no qual apenas é referida a altura do separador –, não se concebe de que forma o Tribunal a quo logrou concluir que o alegado canídeo conseguiu transpor o separador central.
F. Com efeito, as testemunhas arroladas pelo A. (F… e T…, conforme depoimentos supra transcritos) apenas descreveram o animal como sendo um cão de “porte médio” e de cor castanha, sem evidenciarem qualquer outra característica do mesmo, nomeadamente quanto à sua agilidade, idade ou estado de saúde.
G. A isto acresce que nenhuma das testemunhas arroladas pelo A. referiu ter visto o alegado animal a transpor o separador central, pelo que, salvo melhor entendimento, inexistiam elementos de facto que possibilitassem ao Tribunal a quo alcançar tal conclusão.
H. Ao ter retirado as conclusões que resultam do teor da sentença – sem dispor de elementos de facto que fundamentassem tal consideração – o Tribunal a quo “conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento”, o que consubstancia uma causa de nulidade da sentença, nos termos da segunda parte da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.
I. Tal como resulta expressamente da Participação de Acidente de Viação lavrada pelo militar da Guarda Nacional Republicana, junta como documento 1 da Petição Inicial, o estado do tempo era bom – vide pp. 2 do documento.
J. Este facto em concreto é fruto de “perceções da entidade documentadora” (artigo 371.º, n.º 1 do Código Civil), havendo um conhecimento direto e imediato do facto através de um dos sentidos do ser humano – in casu a visão. Destarte, a ora Recorrente considera que dúvidas não poderão subsistir quanto à prova do ponto 3 dos factos não provados, que deverá, por isso, ser aditado aos factos provados.
K. O Tribunal a quo considerou ainda que não resultou provado (n.º 4) que “Nas ações de desmatação realizadas junto da vedação, verificou-se que a vedação se encontrava em bom estado de conservação, sem apresentar qualquer anomalia”.
L. Entende a Recorrente que, face à prova produzida em sede de audiência de julgamento (depoimento de R…), o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que a vedação se encontrava em bom estado de conservação, sem apresentar qualquer anomalia.
M. Do depoimento daquela testemunha, bem como da análise dos Documentos 3 a 10 da Contestação resulta claro que foram efetivamente realizadas ações de desmatação a que a ora Recorrente se encontrava obrigada por força do Contrato de Concessão celebrado com o Estado Português; e que não poderão subsistir dúvidas quanto a facto de as vedações se encontravam em perfeitas condições pois, caso contrário, as anomalias teriam sido reportadas e iriam constar dos aludidos documentos.
N. A ora Recorrente considera que o Tribunal a quo errou na aplicação do Direito ao considerar que o cumprimento da obrigação de patrulhamento e a realização de ações de vistoria de vedações ou de desmatação constituem uma prova insuficiente e genérica incapaz de por si só ilidir a presunção que impende sobre a Entidade Ré.
O. Na fundamentação de direito, entendeu o Tribunal a quo que “Assim, não tendo a Entidade Ré demonstrado de que modo é que o animal se introduziu na via e o que fez para evitar tal acontecimento, ou porque não o detetou atempadamente, é a favor do lesado que se resolve a análise da culpa, não considerando ilidida a presunção de culpa prevista no art.º 12º, nº 1, al. b) da Lei nº 24/2007. Perante o exposto, conclui-se que a Entidade Ré não usou de todos os expedientes que permitam afirmar o cumprimento dos deveres de vigilância, cuidado e segurança, violando desse modo, os deveres a que está adstrita, incorrendo na prática ilícita de um facto danoso”.
P. Porém, tal como resulta expressamente da matéria de facto provada:
i. “Ficou demonstrado nestes autos, que a Entidade Ré efetua, através dos seus funcionários, patrulhamentos constantes à via, dentro dos limites horários constantes das normas internas e do contrato de concessão firmado com o Estado Português. Foi ainda dado como provado que, os funcionários da Ré fizeram um patrulhamento ao local indicado cerca de 17minutos antes da eclosão do acidente e que não detetaram qualquer constrangimento na via”; e ii. “Ficou também demonstrado, que as últimas vistorias à vedação antes da eclosão do acidente ocorreram em 15, 16 e 18 de junho de 2010, tendo depois acontecido apenas em outubro e novembro de 2011”.
Q. É, por isso, indiscutível que a Recorrente satisfez o ónus que lhe competia, i.e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação.
R. Efetivamente, a definição destas obrigações de segurança passa essencial e obrigatoriamente (como é até intuitivo), num acidente com animais, pela prova de que as vedações se encontravam intactas e sem ruturas nas imediações do local do acidente – e a verdade é que essa prova foi claramente feita pela Recorrente.
S. Cumpre ainda assinalar que a Recorrente demonstrou também que desconhecia sem culpa a presença do animal na via, apesar do cumprimento integral da sua missão de vigilância e patrulhamento.
T. Não podendo a Recorrente – nem tal lhe sendo exigível – ser omnipresente, não se descortina como podia (ou pode) ser responsabilizada pelo acidente, tanto mais que nos parece pacífico e totalmente indiscutível que as obrigações a seu cargo são claramente obrigações de meios. E não são, portanto, obrigações de resultado, como acaba por concluir – sem o dizer, no entanto - a douta sentença recorrida.
U. Não sendo possível à Recorrente evitar em absoluto que os animais ingressem na via, face à imprevisibilidade própria daqueles, e, face ao que ficou provado, nada mais lhe devendo ser exigível em termos de conduta e de prova, parece claro que se impunha (e isso ainda sucede) a sua absolvição, já que esta demonstrou que cumpriu em concreto (e não apenas genericamente, portanto) com todas as suas obrigações e em especial com aquelas de segurança.
V. Face ao que antecede, a ora Recorrente entende que a sentença proferida pelo Tribunal a quo violou, salvo o devido respeito, o n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho, os artigos 342.º, 483.º e 487.º do Código Civil e a Base XLIII do Decreto-Lei n.º 335-A/99, de 20 de agosto, devendo, por isso, ser revogada em conformidade com o supra expendido.
Nestes termos … requer-se que seja concedido provimento ao recurso, …, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por Acórdão que absolva totalmente a Recorrente do pedido.

Também a seguradora A… interpôs recurso, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões:
I- Com o devido respeito, o tribunal a quo não apreciou corretamente as questões objeto de decisão.
II- Da prova produzida não poderia o tribunal a quo chegar a uma decisão de parcial provimento do pedido.
III- Foi incorretamente julgado pelo tribunal a quo o seguinte ponto dos factos provados:
1 – No dia 25.04.2011, pelas 18h45m, o veículo de matrícula …-…-O..., conduzido por T…, e pertença do Autor, circulava na A23 no sentido Guarda/Covilhã. (cfr. doc. nº 1 junto com a Petição inicial (PI); docs. nºs 19 e 20 juntos com a contestação; depoimento da testemunha T…)
IV- Foi também incorretamente julgado pelo tribunal a quo o seguinte ponto dos factos não provados: 4. Nas ações de desmatação realizadas junto da vedação, verificou-se que a vedação se encontrava em bom estado de conservação, sem apresentar qualquer anomalia.
V- No entendimento da Recorrente, não havia nos autos matéria que justificasse a inclusão no elenco dos factos provados a alegação de que o veículo de matrícula …-…-O… é propriedade do Autor.
VI- Tanto o documento da GNR como o...

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