Acórdão nº 689/11.5TABJA.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-07-13

Ano2022
Número Acordão689/11.5TABJA.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo comum nº 689/11.5TABJA.P1

Acordam na primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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No processo comum nº 689/11.5TABJA, do 2º Juiz da Instância Central Criminal-Aveiro, comarca de Aveiro, foi o arguido AA condenado (cf. acórdão de 1ª instância de 26/11/2015 e acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/09/2016, transitado em julgado em 16/03/2017), pela prática de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, p. e p. pelo artigo 372º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo artigo 256º, nºs 1, al. a), e 4, do Código Penal, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante a condição de, durante o prazo de suspensão, pagar ao Estado Português a quantia de €128.758,20 e à lesada “REFER, EPE”, atualmente designada “Infraestruturas de Portugal, SA”, metade da quantia em que foi condenado a título de indemnização civil (ou seja, €38.833,96).

O tribunal a quo decorrido aquele prazo de suspensão decidiu “Estamos, pois, perante uma situação de incumprimento reiterado, prolongado, culposo e grosseiro por parte do condenado que, desde logo, não aceitou a decisão que lhe impôs o dever de pagamento e, por isso, de forma consciente e voluntária nada fez para a cumprir, ainda que parcialmente, desprezando por completo a reação punitiva do Estado.
Perante tal postura do condenado resta concluir que este não foi sensível à suspensão da execução da pena de prisão, interpretando-a como uma forma de clemência ou, até, de impunidade do seu comportamento delituoso, sem quaisquer repercussões práticas na sua vivência, reservando-se o direito de não cumprir o dever de pagamento que lhe foi imposto por dele discordar.
Afigura-se, pois, indubitável que se frustrou o juízo de prognose que fundamentou a suspensão da execução da pena e as finalidades da punição.
Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do preceituado no art. 56º, n.º 1, al. a), do Código Penal, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão em que AA foi condenado nos presentes autos, determinando o seu cumprimento.
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Desta decisão recorre o arguido, formulando as seguintes conclusões (sic), que balizam e limitam o âmbito do recurso (Ac. do STJ, de 15.04.2010, in http://www.dgsi.pt: “Como decorre do Art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”):
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1. O aqui Recorrente foi condenado, por Acórdão proferido por V. Exas. a 29/09/2016, transitado em julgado em 16/03/2017, numa pena de prisão de três (3) anos e seis (6) meses suspensa na sua execução, por igual período, com o dever de, naquele tempo efetuar o pagamento de Euros. 128.758,20 ao Estado Português e Euros. 38.833,96 à lesada REFER, EPE.

2. O Recorrente não efetuou aquele pagamento, foi ouvido em sede de audiência que precedeu a promoção do Ilustre Procurador da República junto do Tribunal de Aveiro, juntou aos autos comprovativo do seu valor de rendimento anual bruto e líquido, resultante da pensão de reforma, e comprovativo da incapacidade permanente da sua esposa.

3. Nenhuma outra prova foi recolhida neste incidente, tendo sido proferido despacho, que aqui se impugna, que decretou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão ao abrigo do disposto no art. 56.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal, e determinou o cumprimento efetivo da pena de prisão.

4. Perfilha, contudo, o Recorrente que, a decisão sub judice assenta em factos julgados provados que são insuficientes para a prolação da mesma, tendo o tribunal a quo extrapolado a realidade factual que julgou demonstrada neste incidente, resultando esta insuficiência do próprio despacho, como seguidamente se demonstrará e impondo-se a revogação do mesmo, ante o vicio que o inquina, nos termos do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP.

5. Ademais, entende o Recorrente que o douto tribunal a quo, violou o que se dispõe no art. 495.º n.º 2 do CPP, o qual vincula o órgão jurisdicional à recolha de prova necessária para apuramento dos factos, porquanto nada foi providenciado a respeito.

6. Por outro lado, mal aplicou, s.m.o e respeitosamente, o douto tribunal a quo, os pressupostos e requisitos que melhor se consignam na al. a) do n.º 1 do art. 56.º do Cód. Penal, porquanto entendeu que o não pagamento, sequer parcial, do arguido das quantias nos quais tinha sido condenado foi revelador da sua não aceitação da pena que lhe foi aplicada, concluindo que, não revogar a suspensão da execução da pena de prisão, resvalaria numa violação do principio da igualdade previsto constitucionalmente e fragilizaria a perspetiva da comunidade sobre a atuação do órgão jurisdicional. Olvidou, contudo, nesta sua apreciação quais os fins da pena que contextualizaram a determinação da suspensão da execução da pena prisão, desconsiderou, o disposto no art. 50.º, n.º 1 do Cód. Penal e erigiu a conduta grosseira e repetida - exigida pela norma em apreço – o mero incumprimento de pagamento do arguido.

Vejamos,

7. O tribunal a quo considerou como demonstrados nos presentes autos que o arguido,desde a data da prolação do acórdão condenatório até janeiro de 2019, esteve desempregado, tendo, entretanto, obtido a reforma antecipada, recebendo uma pensão no valor de 1.066,67,vive com a esposa, que recebe uma pensão de invalidez no valor mensal de 325,00, em casa dos filhos, não pagando renda de casa”; “suporta despesas fixas mensais, nomeadamente de subsistência, de valor mensal não concretamente apurado.

8. Sem prejuízo, fundamenta a sua decisão de revogação, da suspensão da execução da pena de prisão, no facto dese e “quando os arguidos tem efetivamente motivos que os levam a incumprir nomeadamente dificuldades económicas ou razões de saúde estando de boa fé, apressam-se a transmitir tal circunstancialismo para que seja tido em consideração e lhe seja relevado tal incumprimento, sem que sequer tivesse o arguido sido interrogado se as dificuldades económicas lhe advinham apenas da insuficiência dos respetivos rendimentos mensais ou se teria tido outra causa de dispêndio, ao longo dos anos de suspensão.

9. Mais, tendo sido junto documento comprovativo da incapacidade permanente e absoluta da esposa do arguido de 66%, não foi inquirido que despesas extra representa este infortúnio de saúde, para o agregado familiar e se, a pensão que a mesma aufere, dos alegados Euros. 325,00 (ilíquidos, sublinha-se), será suficiente para a sustentar, ouse, grande parte do rendimento do arguido, é destinado à melhor qualidade de vida da sua esposa e aos necessários cuidados médicos de que esta carece.

10. Também nada foi questionado ao arguido a razão para nunca, ao longo do processo – dado que o tribunal elenca tal circunstância como essencial para o seu raciocínio – ter exposto as suas dificuldades económicas ou ainda, porque não terá efetuado pagamentos parciais. De facto, se assim tivesse ocorrido certamente o arguido teria esclarecido que embora tendo refletido sobre essa possibilidade não foi para tal aconselhado, e que o teria efetuado, caso antecipadamente tivesse tido conhecimento de tal ónus e da não hostilização pelo tribunal de semelhante proposta, a qual ainda irá apresentar nos autos de primeira instância, sem prejuízo da interposição do presente recurso. (vide página 8).

11. Nem se obste com a elevada formação académica do arguido, porquanto a mesma não resulta de conhecimentos jurídicos ou legais, não se lhe podendo exigir mais do que o que seria imposto a um bonus pater familiae.

12. Mais, acreditou ainda o arguido, ao longo dos anos de suspensão da pena em que se via impossibilitado de cumprir o pagamento ordenado como dever de conduta, que se elaborasse requerimento ao processo a alegar as suas dificuldades económicas ou eventualmente a requerer pagamentos parciais, poderia tal ser interpretado reversamente ou como conduta hostil, ou seja, ser entendido que o arguido insistia em dificuldades que já haviam, outrora, sido conhecidas aquando da prolação do douto acórdão que determinou a suspensão da execução da pena e ordenou a retribuição ao lesado e ao Estado português.

13. O tribunal a quo assumiu ainda “ser incontroverso que a situação financeira do arguido melhorou no decurso do prazo de suspensão da execução da pena de prisão” sem que tivesse sequer julgado como demonstrado quais as despesas a que o arguido/condenado teve, e tem, que suportar para a sua própria subsistência e da sua esposa, porquanto, para se concluir tão veementemente que a capacidade económica incrementou, não poderia o douto tribunal deixar de apurar, para além das receitas, também as despesas do Recorrente, não tendo sido recolhida qualquer prova a este respeito.

14. Por fim, o douto tribunal parte do facto, não demonstrado, mas pressuposto no despacho que aqui se impugna, que o arguido “discorda da decisão que lhe impôs o dever de pagamento, alegando que data da condenação não tinha condições financeiras para a cumprir” invocando as declarações prestadas em audiência prévia, a esta despacho, e ao requerimento apresentado pelo Defensor Oficioso após promoção do Ilustre Procurador da República.

15. Contudo, aquela conclusão não se extrai das declarações prestadas pelo arguido – tanto que não foi julgado demonstrado qualquer facto a respeito – e o requerimento deduzido pelo Defensor Oficioso encontra-se eivado de questões jurídicas as quais são alheias ao Recorrente e às suas habilitações académicas, não podendo ao mesmo serem assacadas...

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