Acórdão nº 688/21.9GBVFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-09-27

Ano2023
Número Acordão688/21.9GBVFR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 688/21.9GBVFR.P1
Relator: William Themudo Gilman
1º Adjunto: Moreira Ramos
2º Adjunto: Liliana Páris Dias
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:
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1-RELATÓRIO
No Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 688/21.9GBVFR do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 2, foi julgado o arguido AA, tendo sido proferida sentença em 20-03-2023, depositada nesse mesmo dia, que o condenou pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 6, o que perfaz o montante total de € 660,00, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 1 ano.
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Não se conformando com esta sentença, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição):
«A. À vista ou perante a prova dada como assente, verifica-se que o M. Juiz “a quo” tinha prova suficiente para absolver o arguido, que se requer, ou tomar uma decisão mais branda e justa para o arguido, relevando concomitantemente os factos e a condição pessoal, social e mesmo profissional do mesmo.
B. Entende o recorrente que o juiz “a quo” violou o artº 410º, nº 2, al.s a) e c) do CPP.
C. A pena aplicada ao arguido é injusta, por inexistência de fundamento grave, uma vez que encontrava-se estacionado, parado e sem qualquer circulação rodoviária.
D. Pelo que, face às circunstâncias dadas como provadas na douta sentença e evidenciadas nas presentes das motivações, o arguido deverá ver a sua sentença alterada para a absolvição, ou se os factos tiverem outra interpretação jurídica quanto ao direito aplicável, sempre o arguido não poderá ser condenado por disposição superior a 60 dias de multa, à razão diária de 6 € (seis euros) e por proibição de conduzir veículos motorizados pelo período superior a 04 meses.
O que se requer.
E. A sentença recorrida violou, por conseguinte, as disposições dos art.s 410º, nº 2, al. a) do CPP e os artºs 70º e 71º do CP.
NESTES TERMOS, por estas razões e outras do douto suprimento de direito, deverá ser concedido provimento ao recurso, com revogação da sentença recorrida, absolvendo-se o recorrente ou, se tal entendimento não proceder, com substituição por outra que determine uma pena máxima de 60 dias de multa à taxa diária de 6,00€, e uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por período não superior a 04 meses.
Deste modo far-se-á JUSTIÇA.»
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O Ministério Público, nas suas alegações de resposta, pronunciou-se pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
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Nesta instância o Exmo. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso obter provimento.
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Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2 do CPP.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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2-FUNDAMENTAÇÃO
2.1-QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
As questões a apreciar e decidir são:
- Vícios da decisão - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova - artigo 410º, n.º 2, als. a) e c) do CPP.
- Absolvição do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
- Medida das penas, principal e acessória – redução das penas aplicadas.
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2.2- A DECISÃO RECORRIDA:
Tendo em conta as questões objeto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação de facto (transcrição):
«FUNDAMENTAÇÃO
Matéria de facto provada
Da discussão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto:
a). No dia 10 de Outubro de 2021, pelas 21:30 horas, na Rua ..., ..., Santa Maria da Feira, o arguido conduziu o ciclomotor com matrícula ..-EF-.., com uma taxa de álcool no sangue, de pelo menos 2,18 gramas/litro, correspondente à TAS de 2,50 g/l, deduzido o valor de erro máximo admissível.
b). O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente.
c). Sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a referida condução do veículo e que lhe iria provocar uma taxa de alcoolemia superior a 1,2 gramas/litro, com a consequente falta de reflexos necessários para o exercício da condução rodoviária e quis conduzir nas referidas circunstâncias.
d). Mais sabia que a sua conduta era prevista e punida por lei penal.
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Mais se provou e com relevância para a determinação da sanção aplicável:
e). À data dos factos o arguido não tinha antecedentes criminais.
f). Mas já havia beneficiado da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo no âmbito do inquérito n.º 35/19.0GCVFR, do DIAP de Santa Maria da Feira, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, ficando vinculado às injunções de entregar ao Estado a quantia de € 500 e de proibição de conduzir por três meses, perdurando a suspensão, por seis meses, entre 25 de Fevereiro e 25 de Agosto de 2019, findando os autos pelo cumprimento.
g). O arguido revelou reduzida autocrítica para com os factos praticados, repudiando inverosimilhantemente ter-se despistado na data em questão, aduzindo que se encontrava parado e que foi pontapeado por um indivíduo que não conseguiu reconhecer, atirando-o para o chão, juntamente com o seu veículo, subtraindo-lhe também o sujeito as chaves do ciclomotor, versão que se teve por patentemente inverdadeira.
h). Mais afirmou o arguido que, tendo conduzido até ao referido local, sabendo que tinha ingerido previamente bebidas alcoólicas, não teve consciência do estado etilizado em que se encontrava, sustentando estar capaz para exercer o acto de condução, alegação que, em conjugação com o anterior comprometimento com a prática de crime idêntico, pelo qual beneficiou da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, transmitiu a manifesta desconsideração da gravidade da adopção de condutas similares e, sobretudo, a total ineficácia da reacção não penal de que anteriormente beneficiou.
i). O arguido tem o 3.º ano de escolaridade e encontra-se reformado desde os sessenta e seis anos de idade, beneficiando de uma pensão de, aproximadamente, € 350.
j). Vive com a sua mulher, a qual se encontra também reformada, auferindo uma pensão de cerca de € 340 mensais.
k). O casal tem três filhos, já autonomizados.
l). O agregado familiar reside em casa própria, actualmente propriedade das filhas, por via da partilha em vida que o arguido já realizou.
m). O arguido é dono do referido veículo ciclomotor, o qual utiliza nas suas deslocações, sendo ainda proprietário de um tractor, que utiliza nos trabalhos nos seus campos.
n). O arguido é respeitado na localidade onde vive.
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Não existem factos não provados.
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Motivação da matéria de facto:
A decisão teve por base a prova produzida em audiência, nomeadamente:
As declarações do arguido, o qual, reconhecendo que conduziu até ao local, após a ingestão de bebidas alcoólicas, ou seja, confirmando os factos objectivos pertinentes, narrou uma sequência dos eventos manifestamente estapafúrdia e patentemente apócrifa.
Com efeito, o arguido relatou como, tendo conduzido até ao local em causa, parou por se sentir indisposto e para urinar e, após recuperar, quando tentou reiniciar a marcha, o seu veículo não funcionou, pelo que encostou-se ao mesmo a descansar, momento em que passou por ele um indivíduo, que não conseguiu identificar, sujeito que, com uma patada, o atirou para o chão, juntamente com o seu ciclomotor, sendo que, acto contínuo, o mesmo, dele se acercou, enquanto ainda no chão, e retirou-lhe a chave do veículo, abandonando o local.
Ora, a reprodução da versão do arguido tem o fito de colocar em evidência a sua manifesta inveracidade intrínseca. Na verdade, para além do modo como foram prestadas tais declarações, com sucessivas hesitações e alterações da versão (a título de exemplo, a primeira versão foi que a paragem havia sido motivada por indisposição, alterando-se para uma avaria não concretamente descrita no veículo – paragem súbita?!), a mesma suscitou recorrentes perplexidades, tais como, a título de exemplo, o motivo pelo qual teria ficado parado, em plena via pública, à noite (com o inerente perigo de embaraço do trânsito e até de ser causa de acidente), encostado ao ciclomotor, ficando por perceber se aguardava o restabelecimento da suposta indisposição ou que o veículo, subitamente e sem que nada para tanto fizesse, começasse a funcionar novamente, percebendo-se por esta manifesta inverosimilhança da versão, a sua inelutável inveracidade, sendo ainda mais inacreditável não só a pretensa investida que sofrera, sem que o arguido conseguisse indicar um qualquer motivo – fora atingido por um pontapé (quase golpe de karaté), que o atiraria para o chão, juntamente com o veículo e, apesar da proximidade que chegou a estar do putativo autor destes factos, inclusivamente, quando ele se abeirara para lhe retirar a chave da viatura, o arguido, supostamente, não tinha sido capaz de o reconhecer, o que, uma vez mais, não pode deixar de significar que tais factos simplesmente não aconteceram, sendo apenas uma canhestra tentativa de o arguido sustentar a sua versão de que não teria sido interveniente em qualquer despiste, justificando os danos que o ciclomotor viria a patentear, assim como as lesões físicas que o próprio sofreu (ainda que, também aqui, se tenha revelado patentemente inconsistente a explicação, já que a dinâmica descrita pelo arguido se teve por claramente irreal e contrária às leis da física, afirmando o arguido que, estando encostado ao veículo e precipitando-se para o chão, de costas, desamparado, bateu com
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