Acórdão nº 6711/15.9T8VNF-L.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2022-07-13

Ano2022
Número Acordão6711/15.9T8VNF-L.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.
*
ACÓRDÃO
I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada

1.1.1. O Administrador da Insolvência de A. M. e da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de J. C., antes marido daquela, veio requerer que se considerasse perdida a favor da massa insolvente respectiva a quantia de € 49.000,00, a título de perda de caução prestada por proponente adquirente - depois desistente injustificado - de compra de imóvel pertence à mesma.
Alegou para o efeito, em síntese, ter sido acordada a venda do dito imóvel a J. P. (aqui Proponente Adquirente), pelo valor de € 489.351,50, tendo o mesmo prestado uma caução de € 49.000,00.
Mais alegou que, tendo a escritura pública de compra e venda sido agendada para o dia 03 de Março de 2021, o Proponente Adquirente (J. P.) faltou à mesma, sem qualquer justificação.

1.1.2. J. P., notificado para o efeito, respondeu, pedindo que se procedesse a um novo agendamento da escritura de compra e venda, por continuar a pretender adquirir o imóvel.
Alegou para o efeito, em síntese, ter sido previamente acordado com o Administrador da Insolvência que, estando em causa um prédio misto, sendo o mesmo casa de morada de família da Insolvente (A. M.), a escritura de compra e venda só seria celebrada quando o imóvel estivesse em condições de lhe ser entregue devoluto de pessoas e bens, o que a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março (publicada no contexto da pandemia de Covid-19) impedia temporariamente.
Mais alegou que a realização da escritura de 03 de Março de 2021 foi agendada ao arrepio desta condição, tendo por isso comunicado na véspera ao Administrador da Insolvência que não iria comparecer à mesma, estando porém na disponibilidade de pagar as despesas em que o mesmo tivesse incorrido.

1.1.3. O Administrador da Insolvência, ouvido para o efeito, veio reiterar o seu pedido inicial, de perda de caução a favor da massa insolvente.
Alegou para o efeito, sempre em síntese, que não obstante o acordo referido pelo Proponente Adquirente (J. P.), foi este quem depois expressamente solicitou que a escritura de compra e venda se realizasse mesmo sem a simultânea entrega do imóvel livre de pessoas e bens, por isso a tendo ele próprio agendado para o dia 3 de Março de 2021, o que lhe comunicou e ele aceitou.
Mais alegou que, tendo sido efectivamente contactado por ele no dia 02 de Março de 2021, insistindo pela entrega imediato do imóvel - ou, pelo menos, da sua parte rústica - livre de pessoas e bens, lhe repetiu não o poder fazer, mercê da disposição legal que impedia, temporariamente, a entrega forçada da casa de morada de família da Insolvente (A. M.), e da consideração necessariamente una do prédio em causa.
Por fim, esclareceu ter já aceite nova proposta de compra do dito imóvel, pelo mesmo preço antes oferecido pelo Proponente Adquirente (J. P.), acrescido de € 0,50.

1.1.4. Foi proferido despacho, declarando a perda da quantia de € 49.000,00 a favor da massa insolvente, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Dispõe assim o art. 825.º do Código de Processo Civil (Falta de depósito)
1 - Findo o prazo referido no n.º 2 do artigo anterior, se o proponente ou preferente não tiver depositado o preço, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode:
a) Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
b) Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
c) Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos.
2 - O arresto é levantado logo que o pagamento seja efetuado, com os acréscimos calculados.

Revendo o quadro factual em causa:

1. O credor Sr. J. P. apresentou proposta para adquirir o imóvel apreendido para a massa insolvente sob a verba nº 1 do Auto de arrolamento, pelo preço de Euros 489.351,50, tendo para esse efeito apresentado caução no valor de Euros 49.000,00.
2. No passado mês de Fevereiro, o signatário foi abordado pela ilustre mandatária do credor/proponente, informando que este pretendia outorgar a escritura de compra venda, mesmo com o imóvel sendo ocupado pela insolvente.
3. A outorga da escritura de compra e venda foi agendada para o dia 3 de Março de 2021, pelas 11h30m, no Cartório da notária A. D..
4. Da data e do local da outorga da escritura foi dado conhecimento à ilustre mandatária do credor/proponente, tendo esta feito a respectiva confirmação, conforme cópia de email que se junta no Anexo A do requerimento apresentado pelo Sr AI, em 16-3-21.
5. Na data e local designados para a outorga da escritura de compra e venda, o credor/proponente não compareceu nem deu qualquer justificação para essa falta de comparência.
6. O Sr. AI remeteu carta ao credor/proponente dando conta de que a sua falta de comparência foi tratada como desistência da proposta de aquisição com a consequente perda da caução que apresentou, no valor de Euros 49.000,00, a favor da massa insolvente (no Anexo C junto com o seu requerimento de 16-3-21).
7. Em 22-10-20 foi proferido o seguinte despacho, notificado aos credores:
«(…)
Veio a insolvente herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J. C., representada por A. M., requerer que se ordene a não realização da escritura de venda agendada para o dia 29 de Outubro de 2020, porquanto a mesma incide sobre a casa de morada e de família da insolvente (e de pelo menos um dos seus filhos, que é menor de idade), facto confirmado pelo Sr. AI.
Entende o Sr. AI que que nada obsta a que se realize a outorga da escritura de compra e venda do imóvel, uma vez que tal acto não consubstancia nenhuma das situações previstas no artigo 6º-A da Lei 1-A/2020 de 19 de Março. Porém, defende que deve a diligência de tomada de posse efectiva do imóvel seja suspensa ao abrigo da alínea b) do nº 6 do artigo 6º-A da Lei 1-A/2020 de 19 de Março.
Dispõe o art.º 6-A,1 da Lei 1-A/2020, de 19 de Março que “No decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo.” A alínea b) do nº 6 deste preceito estabelece a suspensão dos actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família. Ora, como bem refere o Sr. AI, a realização da escritura não pode considerar-se como fazendo parte do elenco legal, se não houver a entrega efectiva do objecto da mesma. Assim, e por falta de fundamento legal, indefere-se o requerido, devendo os autos prosseguir com a realização da escritura agendada, sem que haja concretização da entrega do bem.
(…)»

O credor apresentou proposta de aquisição, conhecendo o teor do despacho e da situação do bem imóvel que se propôs adquirir – proposta essa aceite pelo AI.
No entanto, não compareceu na data designada para realização da escritura.
Perante esta desistência, e aplicando o art. 825.º do CPC, com as adaptações ditadas pela natureza da venda aqui em apreço, temos que a AI considera perdido o valor pago como caução.
Tem direito a tal valor?
Certamente que sim. Como vamos ver.
*
Nos termos do artigo 798.º do CC, O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
Como disposto no artigo 562.º do CC – que consagra o princípio geral em matéria de obrigação de indemnização, Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
O artigo 563.º CC – consagra o conceito de Nexo de causalidade – estabelece que A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
O n.º 1 do artigo 564.º CC regula assim o cálculo da indemnização: 1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

Finalmente, o art. 566.º CC dispõe assim:
Artigo 566.º
(Indemnização em dinheiro)
1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Visto o quadro factual acima e as normas legais ora citadas, é certo e seguro que a A. sofreu danos, em...

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