Acórdão nº 6640/19.7T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-06-05

Data de Julgamento05 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão6640/19.7T8VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Procº nº 6640/19.7T8VNG.P1

Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1331)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

AA intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo especial de acidente de trabalho, contra A..., S.A., pedindo a condenação desta no pagamento do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia, bem como no pagamento de indemnização por I.T.A. e das despesas de transporte.
Alegou, para tanto e em síntese, que no dia 20 de maio de 2019, no percurso do seu trabalho para casa, efetuou um desvio para entregar a chave do local de trabalho a um seu colega, altura em que o veículo motorizado em que seguia foi abalroado, na sua faixa de rodagem, por um outro, na sequência do que ficou a padecer de uma I.P.P. de 13,23%.

O Instituto da Segurança Social, i.p. deduziu pedido de reembolso de subsídio de doença, ao abrigo do disposto no art.º 1 º do D.L. n.º 59/89, de 22/02, e no art.º 7.º do D.L. n.º 28/2004, de 4 de Fevereiro, contra A... SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 6.078,16, acrescida de juros de mora à taxa legal.

A R. contestou a ação, considerando, em síntese e para aquilo que aqui diretamente interessa, que o evento em questão, pelas razões que invoca, não deve ser qualificado como acidente de trabalho, concluindo pela improcedência da ação .
Contestou, também, o pedido de reembolso formulado pelo ISS,IP, no essencial nos termos e pelos fundamentos constantes da contestação à ação, referindo ainda que, a ser julgado procedente o pedido de reembolso do ISS assim como as pretensões do A., sempre terá de se descontar às prestações e pensões que venham a ser arbitradas a este último, tudo aquilo em que se julgue ter o ISS ficado sub-rogado e em que, consequentemente, se condene a R. Seguradora ao seu reembolso.

Elaborado despacho saneador, com seleção da matéria de facto assente, com indicação do objeto do litígio e temas da prova, determinada a abertura de apenso para fixação da incapacidade e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“I. Declaro que o sinistrado AA, por força do acidente sofrido, ficou afetado de I.P.P. de 5,96% (cinco vírgula noventa e seis por cento) a partir de 21 de novembro de 2019;
II. Condeno a R., A..., S.A., a pagar ao sinistrado o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de €942,64 (novecentos e quarenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos) a partir de 21 de novembro de 2019;
III. Mais condeno a R. a pagar ao sinistrado a quantia global de €7.016 (sete mil e dezasseis euros) a título de diferença de indemnização por incapacidades temporárias;
IV. Ainda condeno a R. a pagar ao Instituto da Segurança Social, I.P. o montante pago por este ao sinistrado, a título de subsídio de doença e no período compreendido entre 17 de julho de 2019 e 20 de novembro de 2019, a determinar em sede de liquidação de sentença;
V. Finalmente, condeno a R. nas custas do processo.
Fixo o valor da ação em €6.011,36, acrescido do capital de remição (art.º 120.º do C. P. Trabalho).”

O A., aos 23.06.2022, apresentou requerimento solicitando a retificação do valor da ação, considerando dever o mesmo ser fixado em 19.451,31€, acrescido da “quantia devida pela Ré Seguradora ao Instituto da Segurança Social IP, a determinar em sede de liquidação de sentença.”

Inconformada com a sentença, a Ré recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. Ocorreu um erro na decisão da matéria de facto, ao dar como provado na resposta ao ponto 11) que Tal desvio foi efetuado a fim de proceder à entrega das chaves da Estação ao seu colega BB, que delas ia necessitar no dia seguinte, para abrir a estação, em cumprimento de solicitação do seu superior hierárquico
2. Este ponto deve transitar para os factos NÃO PROVADOS
3. Em sentido contrário, deve dar-se como PROVADO que O encontro no dia 20 de maio de 2019 entre o A. e o referido colega BB no snackbar “B...”, sito na Rua ..., em ..., tenha ocorrido apenas para o A. se encontrar e conviver com tal colega.
4. Os meios de prova que sustentam tais pretensões são as declarações escritas da testemunha falecida BB, a fls 136 e 136 v dos autos, assim como as declarações escritas do próprio Apelado juntas fls., na audiência de julgamento, nas quais até explica o percurso que fez para não pagar portagens e diz que foi ter com o seu amigo e falecido BB para conviver, como usualmente.
5. Impõem ainda tais alterações os excertos dos depoimentos do Apelado, das testemunhas CC, DD assinalados no corpo destas alegações.
6. Assim sendo, ocorrendo o acidente apenas no âmbito de uma deslocação após um encontro meramente pessoal, não estamos seguramente perante um acidente de trabalho – ocorreu fora do tempo e local de trabalho e não tem com o mesmo qualquer relação.
7. Conclusão que se impõe de todo o modo, mesmo que não se altere a decisão sobre a matéria de facto pretendida.
8. É que, ao contrário do referido, aquilo que foi pedido ao Apelado nunca pode considerar-se como um serviço mas apenas e tão só um mero favor pessoal, absolutamente estranho à entidade patronal e seu processo produtivo.
9. E para cuja execução o Apelado foi totalmente livre, não estando sob a sua autoridade e direção.
10. Ao decidir diferentemente o Mmo. Juiz a quo interpretou erradamente e com isso violou o Art. 9º nº 1 al h) da lei 98/2009.
Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui Douto suprimento de V. Exas., deve a Douta Sentença proferida ser revogada e substituída por outra que, julgando procedente o presente recurso, declare não ser possível qualificar a matéria de facto apurada como um acidente de trabalho e, consequentemente, absolvendo a Apelante de todos os pedidos contra si formulados, (…)”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Por despacho da 1ª instância de 01.09.2022 foi à ação fixado o valor de “€19.451,31 (art.º 120.º n.º 1 do C. P. do Trabalho)”

Na sequência dos despachos da ora relatora de 22.10.2022 e da informação/requerimento da Ré de 25.10.2 e 02.11.2022, foi, por despacho daquela, determinada a baixa dos autos à 1ª instância, para fixação do efeito do recurso, na sequência do que, por despacho desta de 25.01.2023, foi ao recurso fixado efeito suspensivo.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido, em síntese:
- de não ter existido erro na apreciação da prova e, por consequência, da improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto, referindo, para além do mais, que:
“(…).
Mas, antes de mais, diga-se que a prova tem de ser feita em audiência, perante o juiz, e sobretudo as testemunhas ou peritos têm de depor perante o juiz com as demais formalidades que a lei processual exige.
Para além disso, não disseram as testemunhas que o Autor não tenha ido entregar as chaves da Estação ao colega, o que dizem é que tal facto não foi referido.
E o mesmo se repete em julgamento.
- Da improcedência do recurso, referindo o seguinte:
“3. Entende a Recorrente, porém, que mesmo não se alterando a matéria de facto, não é possível qualificar a matéria de facto apurada como um acidente de trabalho.
Entendendo-se de modo diferente, diga-se que “o artigo 9º da LAT estende o conceito de acidente de trabalho, definido no art.º 8º, e o regime de reparação a outras situações considerando-as também acidente de trabalho como (i)o chamado acidente de trajecto, ou acidente in itinere, e ainda (ii)a outras situações.
O acidente in itinere vem previsto no art.º 9º, n.º 1, al. a, 2, 3 e 4 da LAT.
As outras situações vêm previstas no art.º 9º, n.º 1, als. b), c), d), e), f), g) e h), da LAT,
E, considera-se acidente de trabalho, o ocorrido “Fora do local ou tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo empregador ou por ele consentidos” – al. h) do n.º 1 do art.º 9º, da LAT – sendo com base neste precito que o acidente foi considerado acidente de trabalho, pela douta sentença.
Neste caso ressaltam as relações de subordinação e dependência para com a entidade empregadora como base da existência de acidente de trabalho e da teoria do risco de autoridade, pois ocorrem em locais considerados de trabalho ou em cumprimento de ordens da entidade empregadora ou execução de serviços por ela consentidos.
Neste caso, o Recorrido levou as chaves da Estação ao colega de trabalho que delas ia precisar no dia seguinte para não haver transtornos na abertura da Estação, cumprindo ordens do Superior hierárquico ou por solicitação deste, como se deu como provado no ponto 11: “Tal desvio foi efetuado a fim de proceder à entrega das chaves da Estação ao seu colega BB, que delas ia necessitar no dia seguinte, para abrir a estação, em cumprimento de solicitação do seu superior hierárquico, DD;”
O acidente sofrido nestas circunstâncias tem de ser considerado acidente de trabalho.
Mas mesmo que fosse apenas, como refere a Recorrente, que “aquilo que foi pedido ao Apelado nunca pode considerar-se como um serviço mas apenas e tão só um mero favor pessoal”, … “e não tem com o mesmo qualquer relação”, se pedido pelo Superior hierárquico põe o Apelado na “obrigação” de satisfazer tal pedido, sem que seja censurável quer o pedido do superior hierárquico, quer a execução desse pedido pelo Recorrido.
É que, o colega que se esqueceu das chaves ia precisar delas para abrir a Estação como se disse, não o podendo fazer se as não tivesse.
Há neste caso, ou pode haver um beneficio/proveito económico, para a Entidade Empregadora, que pode ver aberta a Estação, sem transtornos ou atrasos, que podiam acontecer não tendo o trabalhador as chaves á mão.
Por fim, diferentemente do que refere a Recorrente, entende-se que o acidente não tem que ter uma relação com o “processo produtivo”, muito menos directa e imediata.
Ao
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