Acórdão nº 664/11.0BELRS-S1 de Tribunal Central Administrativo Sul, 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
Ano2022
Número Acordão664/11.0BELRS-S1
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
I - RELATÓRIO


A Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial, veio interpor recurso do despacho exarado pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que decidiu que era necessário produzir prova nos autos, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«A) O presente recurso visa a revogação do douto Despacho Saneador de 20.02.2018, em que, designadamente, se decidiu pela necessidade de mais prova, nos seguintes termos “[...] Existindo a necessidade de produção de mais prova, uma vez que as partes arrolaram testemunhas [...] aguardem os autos até final de Setembro do presente ano, para designação de data para a diligência em apreço". (sublinhado nosso)

B) Acontece que a A. veio requerer prova testemunhal e pericial e, embora num primeiro momento a R. também o tenha feito, veio porém, no seguimento de douto despacho do Tribunal que inquiriu as Partes sobre os factos que incidiria a prova testemunhal, referir nos autos que prescindia dessa prova e que entendia mesmo que tal prova era despicienda neste processo, por inútil, atenta a natureza do ato aqui em causa, proferido ao abrigo de poderes discricionários, que o Tribunal não pode ultrapassar, por constituir reserva da administração.

C) Assim, omite o Tribunal no douto despacho saneador - por óbvio lapso - que a R., na verdade, não indica testemunhas nem peritos, por deles ter prescindido por entender não poder haver lugar a prova nestes autos, dada a natureza do ato aqui em causa.

D) Ora, salvo o devido respeito, que é muito, parece-nos que o Tribunal incorre em erro ao admitir a produção de prova, seja testemunhal ou pericial.

E) Pois, face à relação material controvertida, tal como configurada pelo A. e tendo em conta a matéria de facto invocada, a produção de prova testemunhal não é necessária, sendo mesmo impossível!.

F) Em primeiro lugar, porque os factos relevantes subjacentes ao objeto desta ação, já se encontram demonstrados nos documentos juntos e nos 2 processos instrutores que também se juntaram aos autos (referentes às candidaturas ao SIFIDE de 2007 e 2008).

G) E, por outro lado, porque os vícios assacados aos atos impugnados de (i) falta de fundamentação e (ii) violação de lei por a ora Recorrente não ter reconhecido os projetos apresentados como atividades de I&D, claramente não se verificam pela análise de tudo o que foi junto ao processo em termos documentais.

H) Mas principalmente, porque nem sequer pode haver prova testemunhal ou pericial neste caso.

I) O mérito das decisões desta Comissão Certificadora não pode ser sindicável pelo poder jurisdicional, por justamente serem tomadas com base em critérios exclusivamente técnicos para aferir da existência de atividades de I&D (salvo erro manifesto, que no caso, nem sequer foi alegado pela A.).

J) Apesar de não se ter alegado esta exceção dilatória na Contestação, por evidente lapso, ela é de conhecimento oficioso pelo Tribunal (art. 87°/1/a) do anterior CPTA, aplicável aos presentes autos, e artigo 578° do CPC), conforme referido pela ora Recorrente, através de requerimento de 23.03.2017.

K) A Recorrente, ao conceder o crédito fiscal ao abrigo da Lei n.° 4/2005, de 3 de Agosto, em especial à luz do disposto nos artigos 4º e 6º da referida Lei, às empresas que comprovem que tiveram despesas relacionadas com atividades de investigação e desenvolvimento (I&D), não está a atuar no âmbito do exercício de poderes vinculados, mas sim de poderes discricionários.

L) No caso dos autos, e refletindo sobre a natureza da decisão que a Comissão Certificadora, ora Recorrente, tem de tomar, ao abrigo deste regime legal da concessão de incentivos fiscais às empresas que invistam em atividades de I&D, concluímos que a referida Comissão atua no domínio da chamada “discricionariedade técnica”!

M) O fundamento da própria discricionariedade na atividade administrativa reside no facto de, na maioria das vezes, o legislador não poder prever todas as situações nas quais a Administração terá que atuar, deixando, nesse sentido, ao critério dos órgãos decisores. tendo em conta os diferentes contextos e sectores, a tomada das melhores decisões para o interesse público.

N) É também este o fundamento que se encontra por detrás do regime instituído pela Lei n.° 40/2005, que criou o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial, encontrando-nos, por isso, numa área maioritariamente técnica, em que o que se pretende é impulsionar a capacidade tecnológica das empresas, bem como fomentar a investigação científica no sector privado.

O) É verdade que a referida Lei menciona quais deverão ser as despesas consideradas elegíveis para efeitos de atribuição do benefício fiscal, que poderá ser deduzido à coleta em sede de IRC - cfr. artigo 3º, mas esse elenco esse, a nosso ver, não é taxativo, mas meramente enunciativo, pois estipula "desde que se refiram a atividades de investigação e desenvolvimento", fixando a lei “conceitos em branco” cujo conteúdo deve ser preenchido com interpretações de carácter técnico.

P) Ora, a determinação do conteúdo destes conceitos e bem assim o que se deve entender por atividades de I&D está a cargo da Comissão Certificadora, ora Recorrente um órgão administrativo “ad hoc" designado especificamente pela lei para este efeito da emissão das declarações comprovativas, previstas no artigo 6º, n.° 1, com poder decisório próprio, baseado em critérios específicos de avaliação técnico científica e análise das candidaturas.

Q) E, nesta medida, a atividade da Comissão desenrola-se no âmbito daquilo que se apelida de discricionariedade técnica, pelo que não deverá o douto Tribunal sindicar os juízos de valoração técnica feitos pela Administração, estando a intervenção do Tribunal limitada à fiscalização do chamado "erro manifesto”, sempre admitido como controle das garantias dos administrados.

R) Conforme resulta expressamente do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 04/10/2007 (processo n.° 00700/04.6BEBRG) que refere que:

“De igual modo, na linha da doutrina que se contém no Ac. STA de 16.NOV.OO, in Rec. n° 046148, somos do entendimento de que, perante tal situação [preenchimento de conceitos indeterminados], estamos em face de juízos de mérito que a Administração, de acordo com regras técnicas e científicas, envolvendo conhecimentos especializados, com referência a elementos de valoração subjectiva, pelo que o tribunal não pode exercer um controle jurisdicional pleno, para além da dimensão garantística, ou seja, para além de verificação de erro manifesto (...). [sublinhado nosso].

S) No caso dos autos, a decisão da Comissão foi no sentido de não se estar perante atividades de I&D e, em consequência, considerar como não elegível as despesas apresentadas pela A. na sua candidatura, pelas razões expostas nas suas deliberações de 07.01.2011 e fê-lo no âmbito da discricionariedade meramente técnica, o que prova à evidência que já não estamos no âmbito do “erro manifesto” apreciável pelo Tribunal!

T) Pelo que, não se tratando de erro manifesto - nem a A. o alegou - não deve o Tribunal substituir-se à vontade da Administração, não devendo sindicar os juízos de valoração técnica feitos pela Administração, por se tratar de uma questão de incompetência do Tribunal, tendo em conta o principio da separação e poderes, face à reserva de administração.

U) Pelo que, mais uma vez se reitera que o douto Tribunal não pode sindicar os juízos de valoração técnica feitos por esta Comissão, por carecer de conhecimentos especializados aplicáveis ao sector e ser matéria deixada pelo legislador ao âmbito da administração, não sendo, por isso, de admitir a produção de prova testemunhal (e pericial) nos presentes autos.

V) Neste mesmo sentido, veja-se a Sentença do TAF de Sintra, de 17.01.2017, proc. 1431/13.1BESNT (disponível em www.dgsi.pt). já transitada em julgado, que foi proferida pelo TAF Sintra noutro processo em que a ora Ré esteve também envolvida, visando questão idêntica, em que o TAF não apreciou a decisão da Comissão no âmbito do SIFIDE, por entender que “A ação do tribunal não tem por objeto o mérito da decisão administrativa fundada na inexistência, no ano de 2011, de atividade da autora de I&D.

Não cabe ao tribunal controlar a boa técnica empregue pela Comissão Certificadora, para reconhecer as atividades de I&D da autora num ano e no outro já não, por manifesta falta de competência nas matérias extrajurídicas para tanto necessária.” (sombreado e sublinhado nossos).

W) Pelo que, à luz do que se deixa dito, impõe-se a procedência do presente recurso e revogação do Despacho Saneador de 20.02.2018, substituindo-se por outro que não admita a produção de prova, seja testemunhal ou pericial.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Ex.as, se requer seja dado provimento ao presente recurso, revogando o Despacho recorrido e substituindo-se por outro que indefira a produção...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT