Acórdão nº 6609//22.4T8PRT-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-02-19

Ano2024
Número Acordão6609//22.4T8PRT-B.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 6609/22.4T8PRT-B.P1

Sumário do acórdão proferido elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:


*

Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

Relatório

A 6.4.2022, AA, residente na Rua ...., Maia, instaurou ação declarativa contra A..., SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, RL, com sede na Rua ..., ..., Porto, pretendendo a condenação desta a pagar-lhe € 9.750, 00, e juros moratórios, invocando o primeiro a sua qualidade de advogado e a obtenção prévia de dispensa de sigilo profissional[1] e originando-se o crédito na prestação de serviços ocasionais de assessoria jurídica, na área fiscal, do primeiro à segunda.

Contestou a Ré, opondo-se à procedência da ação.

Com o requerimento de 3.6.2022, o A. juntou aos autos o doc. 1, tratando-se de vários mails, através dos quais, entre o mais, o legal representante da Ré reencaminhou para o A. uma troca de emails com a assessora da administração da empresa cliente da Ré por força da qual contratou esta última os serviços de assessoria do A.[2]

A Ré opôs-se à junção de tal documento, a 15.6.2022, afirmando que a divulgação destes mails não foi autorizada ao Autor pelo Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados (OA).

A OA, solicitada pelo A. a pronunciar-se sobre tal junção, entendeu, a 15.1.2023, não existir qualquer utilidade na prolação de decisão, uma vez que os documentos em causa já foram juntos aos autos[3], razão por que a Ré requereu o seu desentranhamento, invocando o disposto nos arts. 92.º, n.º 5 e 113.º, n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados.

DE seguida, foi proferido despacho saneador, datado de 3.3.2023, tendo-se aí entendido dever o A. suscitar incidente de quebra de sigilo profissional relativamente aos mails cujo conteúdo respeita à relação entre a Ré e a sua cliente e já transcritos em nota 2.

Por requerimento de 17.3.2023, o A. formulou pedido de quebra de sigilo sobre os mesmos documentos, a remeter para este Tribunal da Relação (apenso A, remetido ao TRP, em final de novembro 2023), tendo nesse dia notificado a mandatária da contraparte, nos termos do art. 221.º CPC.

Foi proferido este despacho, datado de 27.3.2023: Por despacho proferido em sede de saneamento, de 3-3-2023, considerou-se, que os emails que foram reproduzidos e juntos aos presentes autos pelo A. (através da “resposta” de 3-6-2023 com a ref.ª citius 32465786), correspondentes a troca de correspondência havida entre o representante legal da R. e uma sua cliente, estão sujeitos a sigilo profissional, nos termos do art. 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

Concluiu-se, assim, nesse despacho, que a escusa da R. na sua junção aos autos era legítima ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 3 al. c) do CPC, tendo o A. sido convidado a suscitar, querendo, a quebra do sigilo junto do Tribunal Superior, cfr. art. 135.º do CPP “ex vi” do citado art. 417.º, n.º 4 do CPC.

Nessa sequência, através do requerimento em referência, o A. requereu ao Venerando Tribunal da Relação do Porto que decretasse a quebra do segredo profissional relativo ao doc. 1 junto pelo A. com o seu requerimento de 03-06-2022, admitindo-se, em consequência, a sua junção e manutenção nos autos.

Assim, deduzida escusa com base em violação do segredo profissional – como é o caso dos autos -, deverá ser aplicado o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado (cfr. art. 417º, nº 4, do CPC).

Nestes termos, nos moldes plasmados no art. 135º, nº 3, do CPP, a ponderação sobre a justificação (ou não) da quebra do segredo profissional em causa caberá ao Tribunal Superior, tal como suscitado pela R[4].

Não se determina a audição da Ordem dos Advogados nos termos do art.135.º, n.º 4 do CPP uma vez que esta Instituição já tomou posição sobre a questão em apreço, na decisão datada de 15-1-2023 junta aos autos com o requerimento do A. de 7-2-2023 (ref.ª citius 34684036).

Pelo exposto, extraia certidão integral do processado (incluindo este despacho) e remeta o apenso assim autuado ao Venerando Tribunal da Relação do Porto, para decisão do incidente ora suscitado.

Antes mesmo de notificada deste despacho, veio a Ré opor-se ao incidente de levantamento do sigilo (por requerimento de 30.3.2023), mediante a alegação de vários argumentos[5] e, uma vez notificada daquela decisão, apresentou novo requerimento (a 20.4.2023) tendo em vista a nulidade daquele despacho e do processado posterior a 17.3.2023, por ter o tribunal a quo decidido suscitar o incidente perante o Tribunal da Relação sem aguardar pelo exercício do contraditório por parte da Ré sobre a inadmissibilidade do mesmo.

O A. exerceu o contraditório, a 4.5.2023.

Veio a ser proferido o despacho de que agora recorre a Ré, datado de 17.5.2023 que passamos a reproduzir parcialmente:

(…)

(…) é certo que o incidente de quebra de sigilo profissional dispõe de uma estrutura processual própria, sendo atribuída a competência para a sua decisão ao tribunal superior àquele em que o mesmo é suscitado.

Tal como resulta do despacho reclamado, que determinou a instrução do incidente de quebra do segredo profissional relativo ao doc. 1 junto pelo A. com o seu requerimento de 03-06-3022, este incidente comporta dois momentos de tramitação distintos: num primeiro, que efectivamente corre em primeira instância, limita-se à determinação da legitimidade da escusa, o que sucedeu no presente caso, tendo o tribunal expressamente se pronunciado no sentido considerar que a escusa da R. na junção aos autos do dito documento era legítima ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 3, al. c) do CPC, e, nessa sequência, tendo endereçado convite ao A. para suscitar, querendo, a quebra do sigilo junto do Tribunal Superior, cfr. art. 135.º do CPP “ex vi” do citado art. 417.º, n.º 4 do CPC; num segundo momento, subsequente àquele e caso se entenda que a escusa é legítima (como se entendeu, repete-se), processa-se o incidente propriamente dito, sendo-o da competência do tribunal superior, nos termos dos indicados artigos (135.º do CPP “ex vi” do art. 417.º do CPC).

O que vale por concluir que, à luz do regime processual especialmente gizado para este incidente nenhuma irregularidade pode ser assacada à tramitação dos autos, incluindo ao despacho proferido em 27-3-2023 reclamado.

Por seu lado, igualmente certo é que o Tribunal não “ignorou” a posição contraditória da Ré a respeito da suscitada quebra do sigilo profissional pois que a R., por via dos requerimentos de 15-06-2022 e de 15-01-2023[6], sustentou a sua (o)posição a respeito da pretendida junção de documento, e tanto assim, que considerou a escusa que mesma representava e correspondia, não só em sede de despacho saneador (elaborado em 03-03-2023), como no despacho proferido em 27-3-2023, cuja nulidade veio agora a ser arguida pela Ré.

Do que se conclui não ter sido postergado qualquer direito ao contraditório, muito menos qualquer irregularidade e/ou falha susceptível de influir no exame da causa, como defende a R. Com efeito, nos termos do disposto no art. 195.º do CPC, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa, o que não se verifica no caso em apreço.

Pelo exposto, entendemos que o despacho proferido em 27-3-2023 não padece de qualquer nulidade e/ou irregularidade que cumpra conhecer e/ou reparar, e, em consequência, indefere-se a reclamação de nulidade suscitada pela Ré no requerimento de 20-4-2023, com a ref.ª citius 35435493.

A 16.6.2023, a Ré recorreu deste último despacho, visando a sua revogação, alinhando, em abono de tal pretensão, as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto do despacho de fls. , proferido em 17.05.2023, com a referência 448308277, que indeferiu a nulidade processual arguida pela Recorrente, nos termos dos artigos 195.º do CPC, 197.º, n.º 1 e 199.º do CPC, por violação do princípio do contraditório.

2. A violação do contraditório da Recorrente ocorreu no âmbito do incidente de levantamento do sigilo que impende sobre o documento n.º 1, junto ao requerimento apresentado aos autos pelo recorrido em 03.06.2022.

3. O Tribunal a quo proferiu o despacho de fls. , em 27.03.2023, onde admitiu o requerimento do incidente de levantamento do sigilo, sem observar o contraditório da Recorrente, tempestivamente apresentado em 30.03.2023.

4. No despacho de 27.03.2023 não se encontra qualquer laivo de fundamentação da (des)necessidade de observância do contraditório da Recorrente.

5. Apesar de ter sido proferido em 27.03.2023, o despacho que admitiu o requerimento do incidente de levantamento do sigilo apenas foi expedido para notificação da Recorrente em 03.04.2023, i.e., posteriormente à apresentação do contraditório da Recorrente.

6. A data de elaboração do despacho de admissibilidade do incidente de levantamento do sigilo (27.03.2023) e a data de entrega da pronúncia contraditória da Recorrente (30.03.2023) encontram-se certificadas nos próprios documentos, pelo que, é inequívoco que o Tribunal a quo não considerou o contraditório da Recorrente na tomada da decisão de admissibilidade do Incidente.

7. O juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, não podendo tomar uma decisão sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ela se pronunciarem, o que não aconteceu sub judice.

8. O tribunal a quo agiu em manifesta e grosseira violação dos artigos 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e 3.º, n.º 3 do CPC, i.e., em violação de um princípio elementar de Direito, elevado a princípio constitucional, o contraditório.

9. O tribunal a quo entende que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT