Acórdão nº 658/19.7T8ILH.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-11-24

Ano2022
Número Acordão658/19.7T8ILH.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 658/19.7T8ILH.P1


Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
………………………………..
………………………………..
………………………………..


ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


AA e BB intentaram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra E..., Lda, peticionando:
- A declaração de resolução do contrato de compra e venda celebrado com a ré;
- A condenação da ré a restituir aos autores tudo aquilo que foi pago a título de prestações de crédito automóvel e ainda o valor das prestações futuras que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença:
- A condenação da ré a restituir aos autores os montantes que despenderam com a reparação dos defeitos da viatura;
- A condenação da ré a pagar aos autores uma indemnização de montante não inferior a 2.500,00€, pelos transtornos causados;
- A condenação da ré no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 50,00€ diários.
Para tanto, referem que manifestaram intenção, junto da ré, de comprar uma viatura Nissan ..., com quilometragem reduzida, alguns extras e com preço até 17.000€, que por sua vez importou a viatura, por alegadamente ser mais barata.
A viatura importada apresentava 50.071 km; e diversos danos visíveis.

O autor marido foi informado de que o estado do chassis não parecia corresponder aos quilómetros indicados no quadrante, pois que o chassis estava bastante danificado e com marcas visíveis de um estado avançado de ferrugem.
Posteriormente, o autor marido descobriu na viatura o livro de revisões, que referia que a 27/11/2014, o veículo tinha 65.583 kms, o que evidencia, no seu entender, uma adulteração de quilometragem.
Face ao que antecede, os autores remeteram à ré uma missiva, a 30 de Abril de 2019, manifestando a intenção de anular extrajudicialmente o negócio celebrado.
Exceção dilatória de ilegitimidade passiva, aduzindo que não foi interveniente no negócio de compra e venda da viatura e que os autores a adquiriram na Alemanha a 28/09/2018, diretamente ao seu anterior proprietário, pelo que deveriam demandar diretamente o vendedor ou o fabricante.
Invocaram ainda a exceção de preterição de litisconsórcio necessário passivo, com os mesmos fundamentos.
Que apenas prestou consultoria na legalização do veículo que os autores importaram e prestou serviços de intermediação financeira entre estes e a entidade financeira 321 C... - ..., S.A.
Deduziu pedido reconvencional contra os autores, peticionando que estes sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 500,00€, alusiva aos serviços de consultadoria e intermediação de crédito prestados e não pagos.
Mais peticiona a condenação dos autores como litigantes de má-fé, por considerar que adotaram uma conduta censurável, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não poderiam ignorar.

A SENTENÇA DECIDIU
1. Julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência,
1.1. Declarar resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre os autores AA e BB e a ré E..., Lda, que teve por objeto o veículo da marca Nissan, modelo ..., com o número de quadro ..., atualmente com a matrícula portuguesa ..-XG-..;
1.2. Condenar os autores AA e BB a entregar à ré E..., Lda o veículo automóvel descrito em 1.1., após trânsito em julgado da presente decisão;
1.3. Condenar a ré E..., Lda a restituir aos autores AA e BB o valor das prestações mensais por si suportadas a título de crédito automóvel subjacente ao veículo mencionado em a), até à data do trânsito em julgado da presente decisão, e o valor decorrente da amortização antecipada do mesmo, deduzido da desvalorização entretanto sofrida pelo veículo, cuja quantificação remeto para ulterior incidente de liquidação da presente sentença, nos termos do disposto no artigo 358.º e seguintes, do Código de Processo Civil;
1.4. Condenar a ré E..., Lda a pagar a cada um dos autores, AA e BB, a quantia de 500,00€ (quinhentos euros), totalizando a quantia de 1.000€ (mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos;
1.5. Condenar a ré E..., Lda a pagar aos autores AA e BB a quantia de 455,49€ (quatrocentos e cinquenta e cinco euros e quarenta e nove cêntimos) a título de danos patrimoniais sofridos;
1.6. Julgar a atuação processual da ré E..., Lda como litigante de má-fé e, consequentemente:
1.6.1.Condenar a ré E..., Lda no pagamento de uma multa processual no valor correspondente a 2 (duas) unidades de conta;
1.6.2.Condenar a ré E..., Lda a pagar aos autores AA e BB a quantia de 500,00€ (quinhentos euros) a título de indemnização;
1.7. Absolver os autores AA e BB do pedido de condenação como litigantes de má-fé, peticionada pela ré E..., Lda;
1.8. Absolver a ré E..., Lda do demais contra si peticionado pelos autores AA e BB;
2. Julgar a demanda reconvencional totalmente improcedente e, em consequência, decido absolver os reconvindos AA e BB de tudo o peticionado contra si pela reconvinte E..., Lda;

É A SEGUINTE A FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DA SENTENÇA:
2.1. Factos provados:
1) A ré E..., Lda é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio, importação, exportação, reparação e manutenção de veículos automóveis e motociclos, novos e usados, suas peças e acessórios, ao aluguer de veículos automóveis, de máquinas e equipamentos agrícolas com e sem operador e à prestação de serviços auxiliares de intermediação de crédito.
2) Em data não concretamente apurada, mas situada entre Setembro e Outubro de 2018, os autores comunicaram ao sócio da ré, CC, que pretendiam adquirir uma viatura Nissan ..., modelo ....
3) Mais referiram que o veículo deveria ter quilometragem reduzida, estar em bom estado de conservação e com valor máximo até 20.000€.
4) Solicitaram ainda que a viatura viesse equipada com GPS e fosse de cor cinza.
5) No âmbito da pesquisa por veículos com as referidas características, a ré, através de CC, foi apresentando ao autor marido imagens de veículos.
6) Apesar de não ser habitual comercializar no seu estabelecimento este tipo de veículos, a ré obrigou-se perante os autores a entregar-lhes uma viatura com as características elencadas em 2) a 4).
7) A 9 de Outubro de 2018, a ré, através de CC, solicitou ao autor marido o envio da seguinte documentação para instruir o pedido de crédito automóvel, relativa ao casal: cartão de cidadão; três últimos recibos de vencimento; IBAN; comprovativo de morada; IRS; contactos mais diretos.
8) A 30 de Outubro de 2018, a viatura indicada em 9) entrou em território nacional.
9) A 15 de Novembro de 2018, a viatura com a matrícula ..., número de quadro ..., e quilometragem indicada de 50.071 km, foi sujeita a uma inspeção técnica periódica na empresa M..., Lda., em Ílhavo, tendo obtido o resultado aprovado.
10) CC e DD estiveram presentes no momento da inspeção e apresentaram ao inspetor documento em língua alemã, referente a contrato de compra e venda, datado de 26/10/2018, onde figura no campo vendedor EE; no campo comprador AA; valor de 17.000€ e sem indicação de quilometragem.
11) CC entregou o veículo automóvel referido em 9) aos autores em data não concretamente apurada, mas situada entre finais de Novembro e meados de Dezembro de 2018.
12) A pedido dos autores, e por intermédio da ré, a empresa 321 C..., S.A. declarou conceder aos autores um crédito, sob o n.º 417724, para aquisição do veículo descrito em 9), no montante global de 31.790,88€, a reembolsar mediante a entrega de 108 prestações mensais, iguais e sucessivas, no montante de 294,36€, vencendo-se a primeira em Abril de 2019.
13) No seguimento do contratado, os autores autorizaram que o montante disponibilizado a título de capital, que remontou a 20.500€, fosse entregue, como foi, à ré, a 27 de Março de 2019.
14) A 4 de Fevereiro de 2019, os autores adquiriram produtos para a mudança de óleo no valor de 97,37€.
15) A 8 de Fevereiro de 2019, os autores adquiram produtos para a mudança de óleo no valor de 30,65€.
16) Na compra de tapetes de borracha para a viatura, os autores desembolsaram a quantia de 45,01€ a 20 de Fevereiro de 2019.
17) A 27 de Março de 2019, foi preenchida a Declaração Aduaneira do Veículo, a que corresponde o n.º 2019/....
18) Para o efeito, foi entregue ao despachante oficial o documento indicado em 10).
19) A 27 de Março de 2019, a ré emitiu a fatura n.º 1/76, que foi comunicada via SAFT a 10/04/2019, no valor de 500,00€, nela figurando como cliente o autor marido, e com o seguinte descritivo: intermediação financeira; comissão de angariação de negócios; tratamento, acessória de legalização de viatura automóvel, não há qualquer tipo de garantias, apenas intermediamos diante alfândega; termo da acessoria 27/03/2019.
20) A 4 de Abril de 2019, os autores despenderam 14,71€ com a compra de uma cabeça de direção para a viatura.
21) Por indicação de CC, o autor marido depositou a viatura na empresa P... Lda., para tratamento do chassis.
22) No decurso de uma limpeza ao chassis da viatura, em Abril de 2019, FF, proprietário da empresa, informou o autor marido de que o chassis se encontrava muito danificado e com marcas visíveis de ferrugem, num estado avançado, cujo nível de desgaste era incompatível com a quilometragem apresentada.
23) A 26 de Abril de 2019, foi aplicada cera de proteção e anti-gravilho de proteção na viatura, trabalhos pelos quais os autores desembolsaram a quantia de 267,75€.
24) Após esta data, o autor marido descobriu, no porta-luvas da viatura, o livrete, certificado de garantia e livro de revisões da marca, do país de origem Luxemburgo.
25) Do livro de revisões consta que, a 27 de Novembro de 2014, a viatura tinha 65.583 km.
26) Os autores remeteram à ré, por carta datada de 30 de Abril de 2019, a seguinte comunicação:
(…) O meu cliente adquiriu uma viatura na sua empresa, marca Nissan modelo ... matrícula ..-XG-.., no início do corrente ano de 2019. Sucede que o meu cliente sente-se lesado e defraudado com o negócio que celebrou com a sua empresa.
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT