Acórdão nº 65/21.1BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-02-24

Ano2022
Número Acordão65/21.1BCLSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acórdão
I- Relatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira deduz a impugnação contra a decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 285/2017-T, intentado pela sociedade V............, SGPS, S.A., junto do Centro de Arbitragem Administrativa e Tributária, por meio da qual se determinou: “a) Julgar improcedente a excepção de incompetência material do tribunal arbitral. b) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa, de 23 de Janeiro de 2017, na parte respeitante ao indeferimento. c) Anular parcialmente o referido despacho, na parte respeitante ao indeferimento. d) Anular a liquidação de IRC respeitante ao exercício de 2014, na parte em que não foram deduzidos os encargos financeiros suportados, nos exercícios de 2003 a 2013, com a aquisição de partes de capital, ainda detidas em 31 de Dezembro de 2013, pelas sociedades M..... SGPS e M….., SGPS, do grupo de sociedades da Requerente, acrescidos ao lucro tributável destes sujeitos passivos, ao abrigo do artigo 32º, 2 do EBF, em consequência da revogação deste regime especial pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro. e) Anular a tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas ligeiras de passageiros da Requerente, durante o exercício de 2014. f) Condenar a Requerida a pagar à Requerente juros indemnizatórios relativos aos impostos indevidamente pagos, contados a partir da data em que se completou o prazo de decisão da reclamação graciosa, à taxa legal supletiva, até integral reembolso.”
A impugnante termina as suas alegações fls. 4 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), formulando as conclusões seguintes:
«a) Constitui objeto da presente impugnação a decisão final proferida em 31-05-2021, por Tribunal Arbitral Coletivo em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, (doravante, apenas RJAT) e que correu termos sob o n.º 285/2017-T.
b) A impugnante foi notificada da douta decisão arbitral por comunicação eletrónica datada de 01-06-2021, pelo que, atendendo a que o prazo de interposição de impugnação é de 15 dias, ao abrigo do artigo 27.º, n.º 1, do RJAT, o seu termo ocorre em 21-06-2021, sendo a presente impugnação tempestiva.
c) A presente impugnação tem como fundamento a pronúncia indevida e a omissão de pronúncia com ofensa do caso julgado, na medida em que após a declaração de constitucionalidade sufragada no douto acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 638/2020 (Proc. 676/2018), o qual decidiu não julgar inconstitucional «o artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, quando interpretado no sentido de não admitir, em consequência da revogação do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a dedução dos encargos financeiros suportados pelas SGPS com a aquisição de partes de capital ao abrigo desse regime, de que ainda fossem titulares em 31 de dezembro de 2013» e, consequentemente, ordenou a reforma da decisão da decisão arbitral «em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade», o Tribunal Arbitral veio a ignorar totalmente o comando que lhe dirigiu o Tribunal Constitucional, procedendo, como se refere no ponto 32. da decisão recorrida, bem como no voto de vencido na mesma lavrado, «à mera reedição do acórdão arbitral (original) de 24 de Maio de 2018, expurgando-o da fundamentação atinente à inconstitucionalidade que o Tribunal Constitucional rejeitou».
d) Pelo que, com o devido respeito e salvo melhor opinião, está patenteada uma violação do caso julgado e do disposto nos artigos 613.º, n.º1, do CPC e 80.º, n.ºs 1 e 2, da LOFPTC que recai no âmbito da pronúncia indevida, nos termos do artigo 28.º n.º 1 alínea c) do Regime Jurídico da Arbitragem, o que consubstancia a violação dos princípios constitucionais do direito de acesso à justiça (artigos 20.º, 221.º e 223.º da CRP e artigo 25.º, n.º 1 do RJAT) e do princípio da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º e do artigo 266.º, n.º 2, da CRP), no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.
e) No dia 24 de maio de 2018, foi proferido acórdão, no âmbito da ação arbitral nº 285/2017-T, o qual julgou totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral (PPA) deduzido por V............, SGPS, S.A, que tem como objeto os atos de liquidação de IRC n.º 20152010439689 e n.º 20178010028300, respeitantes ao período de tributação de 2014, e, bem assim, a decisão da reclamação graciosa que os manteve, na parte relativa à dedução de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, ainda detidas em 31.12.2013, nos exercícios de 2003 a 2013, alegadamente no valor global de € 21.747.814,00, e que foram acrescidos ao lucro tributável nesses exercícios, por força do disposto no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, peticionando a Requerente arbitral a sua dedutibilidade in totum ao lucro tributável de 2014, em consequência da revogação daquele regime especial pela Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, bem como na parte relativa à tributação autónoma de encargos com veículos ligeiros de passageiros.
f) A entidade demandada e o Ministério Público recorreram da decisão arbitral para o Tribunal Constitucional, tendo este douto Tribunal, em 16-11-2020, proferido o acórdão n.º 638/2020, no qual decide: «a) Não conhecer os recursos interpostos, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, pela Autoridade Tributária e Aduaneira; b) Não julgar inconstitucional o artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, quando interpretado no sentido de não admitir, em consequência da revogação do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a dedução dos encargos financeiros suportados pelas SGPS com a aquisição de partes de capital ao abrigo desse regime, de que ainda fossem titulares em 31 de dezembro de 2013; e, consequentemente, c) Conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e determinar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade.».
g) Constando do douto acórdão do TC o seguinte:
«Considerando que, ao revogar sem mais o n.º 2 do artigo 32.º do EBF, o artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013 viera impedir que os grupos de sociedades pudessem beneficiar da isenção sobre as mais-valias advindas da alienação das participações sociais a que tivessem correspondido encargos financeiros desconsiderados em exercícios anteriores, o tribunal a quo entendeu que tal revogação era inconstitucional por violação do «princípio da proteção da confiança num Estado de Direito democrático» e, solucionando o caso sub judice como se tal revogação não tivesse ocorrido - ou não tivesse ocorrido nos termos em que efetivamente ocorreu-, aplicou o regime constante do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, interpretando-o no sentido de os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais detidas em 2013 concorrerem para a formação do lucro tributável a apurar no primeiro exercício subsequente à data da entrada em vigor da disposição revogatória, criando dessa forma urna solução de direito transitório orientada para o estabelecimento de um «período de transição concomitante da revogação do artigo 32.º do EBF» (v. o n.º 13.3. da Parte III.C.2.3.).
Esta tomada de posição - que é idêntica à defendida pela recorrida quando, ao reclamar do ato de autoliquidação de IRC relativo ao ano de 2014, pugnou por que fosse reconhecida «a dedutibilidade de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, ainda detidas em 31 de dezembro de 2013,, por várias sociedades dominadas «acrescidos ao lucro tributável destes sujeitos passivos, ao abrigo do artigo 32.º, 2 do EBF, em consequência da revogação deste regime especial pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, no valor total de € 21.747.813,74, correspondente ao valor de€ 5.950.636,00 de imposto indevidamente pago, apurando-se € 416.429,00 de prejuízos fiscais.» (v. o n.º 21 do ponto II.A da decisão arbitral) - não pode deixar de pressupor a desaplicação, implícita, mas efetiva, do artigo 210.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014, com base numa censura dirigida ao legislador, no caso por ter feito «tábua-rasa(...) de quaisquer investimentos "de confiança" que a expectativa de duração do regime vigente tivesse incentivado junto dos sujeitos passivos» (v. o n.º 14 da Parte III.C.2.3).
(…) Considerada a sequência argumentativa percorrida no acórdão recorrido, tudo aponta, em suma, para a seguinte conclusão: a razão pela qual o tribunal recorrido concluiu pela dedutibilidade dos encargos financeiros suportados nos exercícios de 2003 a 2013 com a aquisição pela recorrida das participações sociais detidas em 31 de dezembro de 2013 encontra-se na supressão da isenção fiscal a que a respetiva desconsideração se encontrava sujeita e a relação de causa-efeito estabelecida entre aquela dedutibilidade e esta supressão na correspetividade que se entendeu existir entre a desconsideração dos custos e a isenção dos ganhos de acordo com o regime consagrado no n.º 2 do artigo 32.º do EBF. Daí que, ao revogar pura e simplesmente o n.º 2 do artigo 32.º do EBF, o artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013 tivesse vindo inviabilizar a produção desta sequência de efeitos, eliminando dessa forma o fundamento jurídico com base no qual era estabelecida, na vigência daquela norma, a dedutibilidade ao lucro tributável dos encargos financeiros que não tivessem sido considerados como custo em exercícios anteriores sempre que, no momento da alienação das participações sociais, a isenção não viesse a ocorrer.
A...

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