Acórdão nº 65/18.9GBACB.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-11-09

Ano2022
Número Acordão65/18.9GBACB.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (LEIRIA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA - J4))

ACÓRDÃO


Acordam os juízes da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. No Juízo Central Criminal ... (J...), do Tribunal Judicial da Comarca ..., foi a 27/04/2022 proferido acórdão em cujos termos, sendo absolvidos outros três seus coarguidos, por seu lado os arguidos

a) AA, solteiro, natural da ..., nascido a .../.../1976, filho de BB e de CC, residente na Rua ...,

b) DD, solteiro, natural de ..., ..., nascido a .../.../1954, filho de DD e de EE, residente na Rua ..., ..., ...,

e

c) “S..., Lda.”, com sede na Rua ..., ..., ..., e registada sob o n.º de pessoa colectiva ..., na Conservatória do Registo Comercial ...,

foram condenados:

i. Os dois primeiros, como autores de um crime de infracção de regras de construção, p. e p. pelos art. 277.º, n.º 1, als a) e b), e 285.º, do Código Penal (CP), com referência aos art. 44.º e 45.º do Regulamento de Segurança no Trabalho e Construção Civil (RSTCC), aprovado pelo DL 41821, de 11/08/1958, às Normas Técnicas EN 795:2012, EN 355:2002 e EN 354, e aos art. 15.º, n.º 2, als. c) e d), e 3, e 73.º-B, n.º 1, als. a), b), e) e o), da Lei 102/2009, de 10/09, nas penas, cada um, de três anos de prisão, todavia quanto a ambos suspensa na respectiva execução por igual período de três anos, com sujeição a regime de prova.

e

ii. A última, como responsável pelo mesmo crime e nos termos do art. 11.º, n.º 2, al. b), e n.º 4, do CP, na pena de quatrocentos dias de multa, à razão diária de 100,00 €.

2. A assistente/demandante FF, acompanhada pelos demandantes GG e HH, deduzira contra os arguidos AA, DD, “S..., Lda.” e ainda a arguida II, pedido de indemnização civil, no qual é reclamada a condenação deles a pagarem aos demandantes determinadas quantias a título de danos não patrimoniais, designadamente pela perda do direito à vida da vítima e na qualidade de sua mulher e filhos, os valores de 50.000,00 € à assistente a de 25.000,00 € a cada um dos outros dois demandantes, e pelos danos próprios respectivos os mesmos montantes a cada um dos três (totalizando assim o pedido os 200.000,00 €). Tendo sido liminarmente admitido este pedido de indemnização cível no despacho de recebimento da acusação em 12/11/2021, com ulteriores contestações dos arguidos/demandados, no início da audiência de discussão e julgamento, em 30/03/2022, o Sr. juiz presidente do tribunal colectivo, após audição das partes, decidiu por despacho absolver os demandados da instância cível, assim não tendo o tribunal conhecido da substância daquele pedido, com fundamento na verificação de litispendência, relativamente a processo que enquanto autores os demandantes haviam antes instaurado contra os mesmos arguidos enquanto réus, no Juízo Central Cível ... (J...), processo que tomou o n.º 885/21...., e em que pediram a condenação daqueles réus na compensação dos mesmos danos (não patrimoniais e decorrentes da morte da vítima).

3. Inconformada, a assistente/demandante FF (e ela apenas), interpôs recurso interlocutório deste despacho de absolvição da instância dos demandados na matéria do pedido cível, pugnando porque seja determinado o conhecimento da substância desse pedido em conjunto com a causa criminal, embora sob condição de ser convidada a desistir da referida acção cível, e a mais disso e a final, na matéria criminal que veio a ser conhecida, declarando manutenção do interesse no interlocutório, interpôs recurso também contra o acórdão condenatório, aqui pugnando por que quanto aos arguidos AA e DD não seja suspensa a execução das penas de prisão aplicadas, antes se determinando a efectividade do respectivo cumprimento. Desses recursos extrai as seguintes conclusões:

3.1. Do recurso interlocutório

«I Como os autos evidenciam, o presente pedido cível foi admitido atempadamente.

II – Muito embora já houvesse o conhecimento – por banda do Tribunal Criminal ..., Juiz ... – de que a assistente e demandantes já haviam interposto, em momento anterior, pedido de indemnização no competente tribunal cível.

III – Ao que o douto e recorrido despacho alude (…).

IV – Ora, “a admissão liminar do pedido” (o que ocorreu nos presentes autos) “tem a consequência de o tribunal dever proferir decisão sobre o mérito do pedido” – in anotação 7 ao art.º 71.º do CPP.

V – Pelo que se não se pode – ou não deve – considerar a aplicação “tout court” e de modo automático da verificação da excepção da litispendência sempre que o tribunal se antolhe perante um caso de pedidos semelhantes em processos de natureza cível e penal.

VI – Decorrendo da lei penal adjectiva que por princípio será o tribunal competente para a dedução do pedido cível – e decorrendo da consulta dos autos com meridiana evidência que os recorrentes já haviam anteriormente (e à cautela, por força do prazo prescricional) deduzido pedido cível no tribunal cível ... comarca, deveria o douto despacho ter proferido decisão no sentido de convidar os recorrentes a desistir da acção cível interposta, prosseguindo o processo crime, na sua normalidade, e conhecendo-se a final, do pedido cível no seu devido tempo enxertado na acção penal.

VII – Notificando-se a assistente – como “conditio sine qua non” – de que deverá desistir da acção cível entretanto interposta no juízo central cível (J...) desta comarca, afim de obstar a eventual duplicidade de julgados.

VIII – Ao assim não ter decidido, o douto despacho recorrido violou, por erro de interpretação o disposto no art. 71.º do Código do Processo Penal (CPP).

Pelo que o douto despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que, por mais douto e acertado, aceite o prosseguimento dos autos com a dedução oportuna do pedido cível e conhecendo, a final desse mesmo pedido, embora notificando a assistente que tal deverá ser decidido tendo como “conditio sine qua non” a desistência do pedido cível no processo de natureza cível que corre seus termos no juízo central cível (J...) sob o número 885/21.....»

3.2. Do recurso do acórdão

«I A assistente mantém o interesse no recurso interlocutório retido – e já interposto e minutado anteriormente, como os autos dão conta –, o que faz no estrito cumprimento da exigência contida no art. 412.º, n.º 5, do CPP.

II – O presente recurso é restrito à sindicação da matéria de direito e nesta vertente especificadamente quanto à natureza da pena imposta, que não deveria ter sido suspensa na sua execução atenta a gravidade das consequências (morte do ofendido) provocada pela conduta desviante e anticívica dos arguidos JJ e DD, que não respeitaram minimamente o cumprimento das regras de segurança que a descrita obra exigia.

III – Os “efeitos criminógenos associados ao cumprimento da pena” invocados no douto acórdão para a não condenação dos arguidos singulares em pena de prisão efectiva deve ceder perante as exigências da comunidade e o efeito que determinadas penas suspensas têm nessa mesma comunidade quando aplicados a crimes muito graves, como aqueles de que resulta a morte de alguém.

IV – Surgindo por vezes o cumprimento de uma pena suspensa como se se tratasse de uma absolvição.

V –Last but not least”: A não confissão dos arguidos e o seu não arrependimento não são por tal razão compatíveis com a brandura de uma pena suspensa.

VI – Quem não confessa nem se arrepende com o mal aos outros praticado (de que ainda por cima resultou a morte de um ser humano) não está em condições de que o tribunal possa quanto a ele formular um juízo de prognose favorável.

VII – Porque a possibilidade de repetição do crime é muito alta (atendendo à profissão dos arguidos JJ e DD).

VIII – O doutro acórdão violou, assim, por erro meramente interpretativo, o disposto no art. 50.º do CP,

IX – O qual não deveria ter sido aplicado no caso “sub juditio” por ausência dos respectivos requisitos.»

4. Os arguidos “S..., Lda.”, DD e AA, responderam conjuntamente, na mesma peça, todos ao recurso interlocutório e os dois últimos ao recurso contra o acórdão final, pugnando pela manutenção do decidido em ambos os casos, e nessas respostas alinhando as seguintes razões:

4.1. Da resposta dos três arguidos ao recurso interlocutório

«I Os recorrentes reconhecem que intentaram uma acção cível contra os réus visando a reparação dos danos não compreendidos pela decisão proferida pelo Tribunal de Trabalho que, com o nº 885/21...., correu seus termos pelo juízo central cível (J...).

II – Uma tal acção com processo comum terminou por sentença de 12/10/2021, que absolveu os réus da instância com base em incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, já que a competência nesta situação pertence ao tribunal de trabalho.

III – Verdadeiramente não se compreende muito bem a posição e o sentido das alegações dos recorrentes, na medida em que:

- Estando pendente a acção cível 885/21...., deduziram pedido cível nestes autos em 29/09/2021, verificando-se pois e até uma situação de litispendência;

- Os recorrentes perdem-se em considerações sobre se o seu pedido cível feito no processo crime, devia ou não prosseguir por força do art. 71º, do CPP, indo ao ponto de reclamar que o tribunal é que devia ter convidado os recorrentes a desistir da acção cível, mandando prosseguir o pedido cível no processo crime.

IV – É que, na verdade, não estamos propriamente num caso de litispendência, como argumentam os recorrentes, mas o juiz na acção cível 885/21...., decidiu absolver os réus da instância pura e simplesmente porque considerou o tribunal absolutamente incompetente em razão da matéria, por a questão ser de competência do tribunal de trabalho.

V – Não compete ao juiz num processo crime, verificando a pendência de uma ação cível anterior ao pedido cível deduzido, notificar o demandante para desistir da ação cível.

VI – E muito menos, quando há uma decisão transitada em julgado em que o tribunal reconhece a sua incompetência absoluta, por a questão ser da competência do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT