Acórdão nº 641/20.0T8MAI.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-09-27

Data de Julgamento27 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão641/20.0T8MAI.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de apelação n.º 641/20.0T8MAI.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho da Maia – J2

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
Depois de frustrada a tentativa de conciliação, AA (Autor/Sinistrado) apresentou petição inicial para impulso da fase contenciosa deste processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho (conforme art.º 117º, nº 1, al. a) do Código de Processo do Trabalho), contra “A... – Companhia de Seguros, S.A.” (1ª Ré/Seguradora) e “B..., SAD” (2ª Ré/Empregadora), pedindo a condenação dos Réus a pagarem-lhe:
A) uma pensão anual e vitalícia, no valor que resultar da consideração do salário transferido para a Ré/Seguradora (€ 57.954,15), e do grau de desvalorização que lhe vier a ser reconhecido na sequência da junta médica a que for submetido;
B) a quantia de € 21.339,83 de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta;
C) a quantia de € 30,00 a título de transportes para comparência a atos judiciais;
D) juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa anual de 4%, desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento.
Fundou o seu pedido alegando, em síntese, ser praticante desportivo profissional (na modalidade de futebol), tendo em 06/06/2017 celebrado com a 2ª Ré contrato individual de trabalho, estando o valor do salário transferido na totalidade para a 1ª Ré/Seguradora, tendo em 07/10/2017, quando em jogo pela seleção do Gabão (seu país natal), sofreu acidente de trabalho de que resultou incapacidade para o trabalho.

Citadas as Réu, cada uma apresentou contestação, alegando, em resumo:
− a 1ª Ré/Seguradora que, desconhecendo todo o circunstancialismo do acidente, não aceita a ocorrência do sinistro da forma descrita nos autos, nem o nexo de causalidade entre este e as lesões, nem a incapacidade atribuída; na eventualidade do Autor ter gozado indiretamente das verbas a que se destina o Programa de Proteção dos Clubes da FIFA, designadamente, recebido o salário correspondente ao período de ITA quando este seja superior a 28 dias, o mesmo terá de ser deduzido à indemnização devida; concluiu dever improceder a ação, mas, em caso de procedência da ação, dever-se-á ter em conta a limitação da responsabilidade infortunística laboral transferida para si ao salário anual de € 57.954,15, e a sujeição à franquia contratual de 60 dias no que respeita ao período de incapacidade temporária.
− a 2ª Ré/Empregadora que admite a possibilidade de a Federação Gabonesa de Futebol ter celebrado contrato de seguro de acidentes de trabalho referente ao período em que o Autor atuou ao serviço da sua seleção, sendo, nesse caso, possível que o Autor tenha sido já indemnizado; tinha a sua responsabilidade totalmente transferida para a Ré/Seguradora; não teve qualquer proveito económico com a participação do Autor em julgo da sua seleção nacional; concluiu dizendo dever ser julgada parte ilegítima e absolvida da instância, ou, subsidiariamente, o pedido ser julgado totalmente improcedente contra si.

Citado o Centro Distrital da Segurança Social (...), nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1º, nº 2 do Decreto-lei nº 59/89, de 22 de fevereiro, nada foi alegado.

Depois de notificados o Autor e a 1ª Ré/Seguradora para se poderem pronunciar sobre matéria de exceção, os mesmos apresentaram respostas.

Foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a exceção da ilegitimidade da 2ª Ré/Empregadora, afirmando a regularidade e validade da instância, consignando-se os factos assentes, o objeto do litígio e os temas de prova.

Foi ordenado o desdobramento do processo, com abertura de apenso para fixação de incapacidade, no qual foi proferida decisão a declarar que o Sinistrado esteve afetado de ITA desde 08/10/2017 até 17/04/2018, encontra-se afetado de IPP de 8,74%, a partir de 18/04/2018, de acordo com a TNI, sem prejuízo da aplicação da tabela de comutação específica para a atividade de praticante desportivo profissional, anexa à Lei 27/2011, de 16/06, a ponderar em sede de sentença a proferir nos autos principais.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença decidindo julgar a ação parcialmente procedente, e em consequência:
a) condenar a 1ª Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.”, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), no pagamento ao Autor AA das seguintes quantias:
1). € 30,00 (trinta euros) a título de reembolso de despesas de transporte;
2) o capital de remição da pensão anual e vitalícia, devida desde 18/04/2018, no montante de € 3.545,63 (três mil quinhentos e quarenta e cinco euros e sessenta e três cêntimos) tudo acrescido dos respetivos juros de mora.
b) absolver a 2ª Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.”, dos restantes pedidos.
c) absolver a 2ª Ré “Belenenses – Sociedade Desportiva de Futebol S.A.D.”, de todos os pedidos contra si formulados.

Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a 1ª Ré/Seguradora interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]:
1) O recurso tem por objeto duas questões: (i) a, na perspetiva da Recorrente, indevida, consideração de que o contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado entre as Rés cobre o acidente sofrido pelo autor ao serviço da sua seleção nacional, e (ii) o facto de a sentença, também indevidamente, ter determinado a remição da pensão fixada ao sinistrado.
2) Começando pelo primeiro tema – saber se o contrato de seguro celebrado com o clube que constitui a entidade patronal, é aplicável quando o jogador é cedido à seleção –, inexiste um debate suficiente na jurisprudência sobre este assunto. Aliás, na sentença não vem invocada qualquer decisão judicial que se debruce diretamente sobre esta questão.
3) Cita, longamente, a douta decisão recorrida, o acórdão da Relação de Lisboa de 14/10/2008, proferido no processo n.º 7929/2008-7, em que é relator Abrantes Geraldes, proferido a propósito dos empresários de futebol, para justificar a aplicabilidade, no ordenamento jurídico interno, dos regulamentos da FIFA, organismo internacional que regula as competições de futebol a nível mundial, e que se trata de uma associação de direito privado regida pelo direito suíço.
4) Diz-se na sentença que esta decisão “versou sobre a aplicabilidade dos regulamentos FIFA ao ordenamento jurídico interno e sobre a legitimidade da Federação Portuguesa de Futebol enquanto fonte de direito. Esta decisão tem muita relevância para o caso concreto, do ponto de vista analógico porque, muito embora não esteja em causa o mesmo regulamento FIFA (no caso do acórdão tratava-se do Regulamento relativo a empresários), a fundamentação jurídica utilizada aplica-se totalmente ao caso concreto”.
5) Discorda-se da aplicação analógica deste acórdão ao caso sub judice. Uma coisa é a regulação direta de questões entre agentes desportivos, como os clubes de futebol, os jogadores de futebol e os agentes ou empresários de jogadores, como faz o dito acórdão, e outra é querer extrair eficácia externa desses regulamentos relativamente a terceiros não agentes desportivos, como as seguradoras.
6) O conceito de acidente de trabalho e o respetivo âmbito é matéria altamente regulada pelo ordenamento jurídico interno, tal como o regime jurídico do contrato de seguro, que não faz sentido aplicar, a essas matérias, a regulação da FIFA.
7) Não se vê, assim, que o que possa advir dos regulamentos da FIFA possa servir para impor um determinado conteúdo ao contrato de seguro ou determinar alguma interferência para além daquilo que decorre da legislação nacional e do contrato de seguro.
8) O próprio acórdão citado na sentença salienta que “O associativismo em geral e, mais ainda, na área do Desporto comporta, por si, uma vasta possibilidade de auto regulação dos respetivos associados”. As seguradoras, e a 1ª Ré em particular, não se incluem no conjunto de associados relativamente aos quais se coloca a questão da necessidade de “auto regulação”.
9) A 1ª Ré não é associada da Federação Portuguesa de Futebol e não está sujeita à autoridade, regulação e fiscalização da FIFA ou da UEFA.
10) Refere-se ainda no acórdão que “(…) a aplicação e a sujeição ao referido Regulamento divulgado pela FPF decorre dos poderes de autoridade que lhe foram atribuídos por lei, através do qual a FPF pode fazer o controlo da atividade de representante desportivo “semelhante ao do exercício de uma Ordem profissional”.[13]
Por tais motivos, é vinculativo para os agentes desportivos da área do futebol, aqui se incluindo a Autor”.
Não sendo, a 1ª Ré agente desportivo, infere-se que as razões de vinculação aos regulamentos divulgados pela Federação Portuguesa de Futebol, designadamente, os emanados da FIFA, ao contrário da situação objeto do referido acórdão, não se verificam in casu.
11) Em suma, não se pode extrapolar do acórdão em causa que qualquer norma regulamentar da FIFA é aplicável à 1ª Ré.
12) Mas um dos principais fundamentos da sentença tem a ver precisamente com um Regulamento da FIFA. Esse regulamento é o Regulamento do Estatuto e Transferência de Jogadores, conforme comunicado oficial ..., de 19/05/2005, da Federação Portuguesa de Futebol, que é citado pela sentença mas que não figura dos autos.
13) No entanto, efetuando uma busca na internet, verifica-se que nessa comunicação vem dito o seguinte: “para conhecimento dos Sócios Ordinários, Clubes e demais interessados, publica-se a tradução do novo Regulamento Relativo ao Estatuto e Transferências de Jogadores, da FIFA, aprovado na reunião realizada em Zurique nos dias 18 e 19 de dezembro de 2004 e divulgado pela Circular daquela entidade nº 959 de 16/03/2005, o qual integra todas as Circulares com alterações à edição de 2001.
Este Regulamento entra em vigor em 01 de julho de 2005.”
14) O Mmº. Juiz a quo invoca o mencionado regulamento da FIFA e diz
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