Acórdão nº 63/19.5T9BNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10-10-2023

Data de Julgamento10 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão63/19.5T9BNV.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o nº 63/19.5T9BNV, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Local Criminal de … – Juiz …, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi a arguida AA condenada, por sentença de 16/11/2022, pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360º, nºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de 170 dias de multa, à razão diária de 15,00 euros, no montante global de 2.550,00 euros.

2. A arguida não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

A. De sentença recorrida consta o seguinte: “condeno a arguida AA pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, n.º 1 e 3, do CP na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa à taxa diária de 15,00€ (quinze euros), o que perfaz o montante global de € 2.550,00 (dois mil, quinhentos e cinquenta euros).”

B. Ambos os depoimentos referem o mesmo dia em que ocorreu o facto testemunhado, dia 26 de Março de 2017.

C. Ambos os depoimentos referem as mesmas circunstâncias de lugar e de tempo.

D. Em ambos os depoimentos, a Recorrente afirma ter visto três indivíduos.

E. Ou seja, as circunstâncias de tempo, modo, lugar e a contabilização dos indivíduos são totalmente coincidentes.

F. À época (em 2017) os filhos do Sr. BB eram conhecidos na zona por levarem a cabo diversos crimes, o que era falado naquela zona do território.

G. Conforme afirmou a Recorrente, a mesma sentiu-se tentada a seguir a sugestão do militar da GNR quando questionou se eram os filhos do Sr. BB, conforme resulta da fundamentação.

H. Consta, ainda, da fundamentação que o militar da GNR que redigiu o auto não se lembrava daquele auto, mas que lê sempre o teor das declarações.

I. A versão do militar da GNR que não se lembra dos factos merece toda a credibilidade.

J. Aqui chegados, a única prova produzida e com conhecimento directo dos factos é a versão da Recorrente e não a do militar que não se lembra dos factos…

K. O que demonstra cabalmente que a Recorrente não praticou o crime em questão, conquanto que não contou versões antagónicas e contrárias entre si dos depoimentos.

L. Nenhuma das versões são contrárias uma à outra, nem contrária à verdade dos factos, motivo pelo qual, a Recorrente não praticou qualquer crime de falsidade de depoimento, em virtude de não se verificar o elemento objectivo do tipo de ilícito.

M. Ficamos sem saber se o dolo é eventual, directo ou necessário.

N. Não está provado nem se fundamenta se a Recorrente teve a intenção de prestar falso depoimento, logo não está provado o dolo directo.

O. Também não está provado nem fundamentado que a Recorrente previu o facto como consequência necessária da sua conduta, logo não está demonstrado nem fundamentado o dolo necessário.

P. Por fim, não está provado nem fundamentado que a Recorrente se conformou com a realização do facto como consequência possível da conduta, motivo pelo qual, não se verifica o dolo eventual.

Q. Logo, não resta outra solução, se não absolver a Recorrente da condenação que lhe foi determinada, conquanto que não se verificam os elementos objectivos e subjectivos.

Assim, nestes termos e nos demais de direito que V. Exa., doutamente suprirá, deve dar provimento ao presente recurso de apelação e, bem assim, absolver a Recorrente da condenação fixada pelo Tribunal a quo, fazendo-se assim a habitual Justiça!!!

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pelo seu não provimento.

5. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento.

Enquadramento jurídico-penal da conduta da arguida.

2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1. No dia 21 de Novembro de 2017, cerca das 11:30 horas, a arguida AA foi inquirida na qualidade de testemunha no âmbito do Inquérito n.º 136/17.9… por CC – Militar da Guarda Nacional Republicana no Destacamento Territorial de ….

2. Nessa ocasião, foi a arguida informada de que se encontrava obrigada a responder com verdade às perguntas que lhe fossem dirigidas.

3. Uma vez inquirida sobre os factos ali investigados, a arguida afirmou, entre o mais, que:

“No dia 26 de março de 2017, cerca das 10h30, deslocou-se com o seu marido (…) ao seu armazém localizado na Rua de … n.º … para alimentar os seus animais.

Ao abandonar o local, o seu marido viu que do armazém situado em frente ao seu, se encontrava uma porta arrombada. (…)

Seguidamente deslocou-se para as imediações do armazém e viu atrás do mesmo 3 indivíduos, dois do sexo masculino e um do sexo feminino.

De imediato (…) reconheceu os mesmos como sendo o Sr. DD, a namorada e o irmão desta. Reconheceu a namorada do DD e o outro indivíduo como sendo os filhos do BB.

Já na companhia do Sr. EE, viram os mesmos indivíduos escondidos num terreno adjacente.”

4. O depoimento em causa foi lido e revisto pela arguida, a qual o achou conforme, apondo a respectiva assinatura no auto de inquirição em causa.

5. No âmbito do supra identificado processo foi deduzida acusação contra FF, DD e GG, imputando-lhes, entre o mais, a prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º/1, 204.º/2 alínea e), 202.º alínea d), todos do Código Penal.

6. No dia 23 de Janeiro de 2019, a arguida AA foi inquirida, na qualidade de testemunha, na audiência de discussão e julgamento realizada no âmbito do apontado Processo n.º 136/17.9…, que correu termos no Juízo Local Criminal de … – Tribunal Judicial da Comarca de ….

7. Nessa ocasião, a arguida prestou juramento legal e foi advertida de que estava obrigada a falar com verdade, sob pena de incorrer na prática de um crime.

8. Sucede que, aquando da respectiva inquirição, e uma vez indagada sobre o que havia presenciado no dia 26/03/2017, a arguida afirmou, entre o mais:

AA:

“vi-mos 3 pessoas a saírem de um armazém em frente ao nosso (…) (…) vi-mos as pessoas mas atenção, eu não vi caras.

Eu não sei se são, se não são… eu não faço a mínima ideia..”

Magistrada do Ministério Público:

“Viu 3 pessoas, então se eu lhe perguntar para olhar para trás e me dizer se conhece as pessoas que estão sentadas na bancada por trás de si.. (…) Conhece?”

AA:

“Eu já disse há pouco que conheço de …..”

Magistrada do Ministério Público:

“(…) Não daquela situação?”

AA:

“Não daquela situação. Impossível.. (…)

(…) Eu vou retificar.. eu não vi estas pessoas, eu vi 3 pessoas.

Não foram “estas”, não disse “estas pessoas”, eu...

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