Acórdão n.º 625/2022

Data de publicação28 Outubro 2022
Data25 Janeiro 2014
Gazette Issue209
SectionSerie II
ÓrgãoTribunal Constitucional
N.º 209 28 de outubro de 2022 Pág. 110
Diário da República, 2.ª série
PARTE D
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Acórdão n.º 625/2022
Sumário: Decide, com referência à campanha eleitoral para a eleição para o Parlamento Euro-
peu, realizada em 25 de maio de 2014: julgar improcedente o recurso interposto da
decisão de 7 de abril de 2021, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e,
consequentemente, condenar o recorrente Partido Socialista no pagamento de uma
coima no valor de 14 (catorze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de € 5964,00 (cinco
mil novecentos e sessenta e quatro euros), pela prática da contraordenação prevista e
punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das
Campanhas Eleitorais.
Processo n.º 1094/21
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1 — Por decisão de 26 de fevereiro de 2020, a Entidade das Contas e Financiamentos Polí-
ticos (doravante, “ECFP”) julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo
Partido Socialista (PS), relativas à campanha eleitoral para a eleição para o Parlamento Europeu,
realizada em 25 de maio de 2014 [cf. artigos 27.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho (Lei do
Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, “LFP”) e 43.º, n.º 1,
da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade
das Contas e Financiamentos Políticos, doravante, “LEC”)].
As irregularidades apuradas foram as seguintes:
a) Existência de despesas valorizadas abaixo do valor de mercado e com deficiências no
suporte documental, em violação do artigo 12.º, n.os 1 e 2, da LFP, aplicável ex vi artigo 15.º da
mesma Lei;
b) Existência de despesas inelegíveis, em violação do disposto no artigo 19.º, n.º 1, da LFP.
2 — Na sequência da referida decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um
auto de notícia e instaurou um processo de contraordenação contra o PS, pela prática de irregula-
ridades verificadas naquela decisão (cf. PC n.º 4/2020).
O arguido foi notificado do processo de contraordenação, nos termos e para os efeitos do
disposto nos artigos 44.º, n.
os
1 e 2, da LEC e 50.º do Regime Geral das Contraordenações (Decreto-
-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro — doravante “RGCO”), tendo apresentado a sua defesa.
No âmbito do referido procedimento contraordenacional, a ECFP, por decisão de 7 de abril
de 2021, aplicou ao PS uma coima no valor de 14 (catorze) SMN de 2008, perfazendo a quantia
de € 5.964,00 (cinco mil novecentos e sessenta e quatro euros), pela prática da contraordenação
prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.
3 — Inconformado, o arguido impugnou esta decisão junto do Tribunal Constitucional, nos
termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC, tendo concluído as
suas alegações nos seguintes termos:
«A. A ECFP aplica ao Partido Socialista a sanção de coima no valor de 14 (catorze) SMN de
2008, o que perfaz a quantia de € 5.964,00 (cinco mil novecentos e sessenta e quatro euros).
B. Alega no ponto 4. que o PS registou nas contas apresentadas várias despesas de campa-
nha (melhor identificadas na decisão condenatória), cujos preços se encontram abaixo do valor
de mercado e não foram apresentados elementos complementares de comparação de preços não
permitissem concluir sobre a razoabilidade da despesa face aos valores de mercado.
C. A ECFP considera como violados os preceitos previstos no artigo 12.º ex vi artigo 15.º n.º 1
da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (cf. normativos transcritos em sede de alegações supra).
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PARTE D
D. O Partido Socialista aqui arguido não praticou qualquer infração ou irregularidade, o que
vai ficar aqui provado junto do Tribunal Constitucional.
E. Alega ao longo dos pontos 5 a 12 do libelo acusatório, que o PS registou nas contas apre-
sentadas várias despesas de campanha (melhor identificadas no auto), cujo descritivo é incompleto
e a ausência de elementos complementares de comparação de preços não permite aferir sobre
a razoabilidade das despesas face aos valores de mercado de referência indicados na Listagem
n.º 38/2013.
F. E o PS terá, alegadamente, violado os preceitos previstos no artigo 12 n.º 1 e 2, ex vi
artigo 15.º, n.º 1 da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, além do mais, invoca que os argumentos
apresentados pelo arguido em sede de defesa são extemporâneos.
G. Mais uma vez, deve ficar claro que o PS não cometeu a infração ou irregularidade invocada,
o que vai ficar aqui provado junto do Tribunal Constitucional.
H. Considera a ECFP conforme ponto 13 do libelo acusatório, que o PS registou nas contas
apresentadas várias despesas de deslocação “quilómetros” (melhor identificadas no auto), com
ausência de demonstração da origem, do motivo e destino das referidas despesas.
I. Ora e conforme largamente explicitado na defesa apresentada em 04/06/2020, da norma
incriminatória, não resulta qual o fundamento da tal razoabilidade, não se extraindo da norma dos
artigos 12.º e 15° supratranscritos, que razoabilidade está em causa.
J. É que a entidade administrativa fiscalizadora não esclarece que tipo de razoabilidade está
em causa — razoabilidade dos montantes? razoabilidade no tipo de despesa? Será? Ficamos sem
saber…
K. Apenas refere que a infração é exclusivamente sustentada nos seguintes factos:
Preços abaixo do valor de mercado;
Ausência de elementos complementares de comparação de preços;
Falta de demonstração da respetiva razoabilidade.
L. Conforme se comprova do texto acusatório, uma coi[s]a que ali não existe é a determinabi-
lidade do tipo legal, uma vez que é pura e simplesmente ininteligível qual ou quais os normativos
violados, afetando, na sua totalidade o princípio da legalidade invocado supra (cf. aprofundado na
terceira nota prévia supra — ponto  das alegações);
M. Ademais, não é possível determinar o que verdadeiramente pretende a entidade adminis-
trativa ECFP quando faz apelo ao princípio da razoabilidade (cf. descrito na segunda nota prévia
supra — ponto  das alegações).
N. Nem na decisão da ECFP de fevereiro de 2020 que deu origem aas presentes autos de
contraordenação, nem agora através da acusação aqui sob recurso, é feita prova da alegada infra-
ção, bem sabendo que o ónus da prova cabe — “in casu” — ao Estado, através dos seus agentes/
órgãos.
O. Pelo que a acusação agora notificada ao arguido Partido Socialista é NULA, não podendo
subsistir, nulidade que se invoca para os devidos e legais efeitos.
P. Por outro lado, a ECFP adensa a dificuldade em compreender as linhas pelas quais se
rege, quando refere: …«que os esclarecimentos prestados em sede de defesa pelo arguido a tanto
não bastam e, ainda que bastassem, tal seria agora extemporâneo, visto que ocorreria em sede
de processo de contraordenação e, apesar de dever ser valorado na apreciação de uma eventual
sanção a aplicar, não seria idóneo a afastar a violação legal verificada em sede de procedimento
de prestação de contas»
Q. O ora arguido não percebe o que isto significa, pois será que a fase de defesa — artigo 50.º
do RGCO — de nada serve para apresentar provas, carrear elementos para o processo que com-
provem que o libelo acusatório contem erros, que o arguido não praticou a infração, ou se existe
não nos termos vertidos no auto lavrado pela entidade competente pela fiscalização?
R. Já não bastava o princípio em branco, o tal princípio a razoabilidade, como agora a ECFP
refere, taxativamente, que os elementos juntos pelo arguido em sede de defesa não extemporâneos
porque foram apresentados em sede de defesa.
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PARTE D
S. Se é isto, estamos perante uma decisão que viola frontalmente o direito de defesa do
arguido, direito sacrossanto previsto no artigo 32.º, n.º 10 da CRP, no sentido de que nos proces-
sos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao
arguido os direitos de audiência e de defesa.
T. Ora, tendo a ECFP considerado extemporâneos os meios de prova juntos pelo arguido, é
nula a decisão administrativa proferida nos autos, por ofender o direito de defesa do arguido ao
considerar extemporâneo o rol de provas apresentadas e que contrariam a violação do princípio da
razoabilidade — artigo 41.º n.º 1 do D.L. 433/82, de 27/10 e artigo 120.º n.º 2 alínea d) do Código
de Processo Penal.
U. Nulidade e inconstitucionalidade que ficam invocadas.
V. Por outro lado, e não menos importante, os factos que sustentam a presente condenação
em relação à infração são insuficientes para concluir pela existência de qualquer infração contra-
ordenacional.
W. Nem o auto de notícia, nem agora em sede de acusação, são mencionados — claramen-
te — “os factos que constituem a infração, e as circunstâncias em que foi cometida”, sendo que no
caso em concreto tais “circunstâncias”, porque factuais, se apresentavam de extrema importância
para indicar e sinalizar que, ou que tipo de infração está em causa.
X. Com efeito, tal como já acontecia na fase da defesa, em que invocámos que o auto de
notícia (e agora a acusação) se apresenta amputado de factos, conclusivo, vago e genérico, viciado
pela ausência de uma concreta factualidade sinalizadora do (alegado) comportamento infrator do
arguido, com todas as suas consequências e reflexos em termos acusatórios, quer como delimi-
tador do próprio libelo acusatório e sustentáculo -básico de uma posterior decisão condenatória,
quer ainda, e não menos importante, no quadro e em parâmetros do cabal exercício de um direito
de defesa por parte do arguido.
Y. A verdade é que a totalidade dos vícios imputados ao auto de notícia estão vertidos na
acusação aqui sob recurso.
Z. E muito embora estejamos no domínio do direito contraordenacional prevenido no RGCO,
não se pode ignorar nem minimizar, tal como já foi enquadrado mais acima, o apelo que nos arti-
gos 32.º e 41.º se faz ao direito penal e processual criminal, como direito subsidiário, com todas
as suas consequências.
AA. Assim, e consequentemente, há que considerar nula a acusação ao arguido, nos termos
e para os efeitos do disposto no artigo 41.º n.º 1, do DL 433/82 e alínea b) n.º 3 artigo 283.º do
CPP.
BB. A ECFP lavra em erro na interpretação de tal inciso legal, na medida em que a razoabi-
lidade, ou a falta dela, não tem qualquer arrimo ao dispositivo legal invocado pela entidade admi-
nistrativa.
CC. E não se diga que da leitura do disposto na Lei n.º 19/2003 (na redação atual) se retira
tal efeito da razoabilidade, na medida em cabe à entidade fiscalizadora (e também sancionadora)
indicar qual ou quais os normativos violados, e não ao arguido fazer um juízo de prognose no sen-
tido de tentar perceber qual a norma violada e em que medida concreta o seja.
DD. Logo, e recorrendo à transcrição da norma dos artigos 12.º e 15.º (ex vi supra as alega-
ções), não se retira qual a razoabilidade das contas, ou falta dela, que a ECFP viu, ao ponto de
acoimar o Partido Socialista ora arguido.
EE. Ora, a lei, in casu o artigo 12.º, ex vi o 15.º transcrito, não refere, nem remete para outras
normas, que sustentem a tesis da razoabilidade invocada pela ECFP.
FF. Nem o legislador ao longo de todo o diploma legal faz qualquer referência à matéria da
razoabilidade dos gastos, nem se extraindo da Lei o que tal significa, muito menos a título de infra-
ção contraordenacional.
GG. Tudo para invocar aqui a inexistência de infração, devendo a presente acusação ser
liminarmente arquivada, atenta a nulidade já invocada.
HH. É que, e invocando o que vem dito em relação ao princípio da legalidade, consagrado
nos artigos 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 2.º do RGCO, que
tem, como decorrências deste princípio a determinabilidade do tipo legal — que a lei seja certa e
determinada — ou seja, «importa que a descrição da matéria proibida e de todos os outros requi-

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