Acórdão nº 62/19.7TNLSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 22-02-2022

Data de Julgamento22 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão62/19.7TNLSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I– Relatório:


A veio propor, em 8.5.2019, contra Victória-Seguros, S.A., ação declarativa comum pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia global de € 15.250,97, com juros acrescidos desde a citação, para ressarcimento dos danos sofridos em sinistro ocorrido na embarcação de recreio de sua propriedade, denominada Jákátá, segura na Ré. Alega, para tanto e em síntese, que em 11.6.2018, encontrando-se a referida embarcação atracada na Doca do Bom Sucesso, em Lisboa, e sem ninguém a bordo, na mesma deflagrou um incêndio que lhe causou danos cujo custo, no valor peticionado, a Ré recusa suportar, não obstante o seguro contratado.

Contestou a Ré, defendendo, em súmula, que o sinistro, causado por avaria interna na própria embarcação (na origem da combustão esteve um componente elétrico que se encontrava em processo de desgaste), se encontra excluído do âmbito de cobertura do seguro contratado que pressupõe a ocorrência de um facto externo e alheio à própria embarcação. Diz, ainda, que o A. e segurado incumpriu os deveres a que estava obrigado, tendo deixado no local onde deflagrou o incêndio um depósito de combustível portátil. Pede a improcedência da causa.
Em audiência prévia foi proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância, sendo identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. Mais se atribuiu à causa o valor de € 15.250,97.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, em 27.6.2021roferida sentença nos seguintes termos: “(...) julga-se a presente acção improcedente e, consequentemente, decide-se absolver integralmente a Ré Victória - Seguros SA do pedido contra si formulado pelo Autor A
Custas a cargo da Autora (artigo 527.°, n.°s 1 e 2, do CPC).(…).”

Inconformado, recorreu o A., A, culminando as alegações por si apresentadas com as seguintes conclusões que se transcrevem:

I.Entende a Recorrente que a Sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto, devendo esta ser alterada, nos termos do artigo 662.° do Código de Processo Civil, e quanto à matéria de Direito.
Porquanto:
II.Entende o Recorrente que a Sentença recorrida julgou erradamente o seguinte facto, o qual não deveria ter sido dado como provado: "9. Na origem do incêndio esteve uma avaria interna na própria embarcação, tendo a combustão sido causada por um componente eléctrico que se encontrava em processo de desgaste.";
III.Visto que o facto 9. da matéria assente resultou não provado do Relatório de Peritagem, junto pela Recorrida, da Declaração emitida pela 13 Yacht Broker e pela declaração das Testemunhas João ..... e António ....., bem como pelas declarações de parte do Autor, motivo pelo qual deve ser levado à matéria não provada.
IV.Tanto o Relatório de Ocorrência do Subchefe do Regimento dos Sapadores Bombeiros de Lisboa, como a comunicação feita à Polícia Marítima juntos aos autos referem apenas que lhes foi transmitido que o incêndio na embarcação Jákátá se terá iniciado com um curto circuito.
V.Ou seja, nem os Bombeiros Sapadores de Lisboa, nem a Polícia Marítima, quando acorreram ao local do incêndio concluíram pela sua própria observação que o incêndio ocorrido na embarcação Jákátá se tinha iniciado por um curto circuito, pelo que entende o Recorrente que a Sentença recorrida fez uma incorreta valoração dos documentos referidos e do seu respetivo conteúdo, na medida em que tomou como opinião fundamentada daquelas entidades, Sapadores Bombeiros de Lisboa e Polícia Marítima, o facto do incêndio ter sido provocado por um curto circuito, o que não corresponde à verdade.
VI.Salvo melhor entendimento, mal andou a Sentença recorrida ao dar credibilidade a vozes públicas, desconhecidas e que não estiveram em juízo para justificar o seu entendimento sobre um dos factos mais relevantes para a boa decisão da causa.
VII.O Relatório Pericial junto aos autos pela Recorrida foi elaborado a seu pedido, por alguém por si contratado, em relação a quem, apesar de não ter um vínculo laboral, tem um ascendente de direção. Isto é, ainda que João ..... seja um mero prestador de serviços, não deixa de ter com a Recorrida uma relação de trabalho e parceria de longa data, pelo que não se mostra parcial, nem independente e não pode ter o mesmo valor que um Relatório elaborado no seguimento de uma perícia oficiada pelo tribunal.
VIII.O Relatório Pericial junto aos autos pela Recorrida, não oferece nenhuma indicação sobre as observações e análise feitas ao local (ou aos cabos onde presume ter iniciado o incêndio), nem sobre o método científico utilizado para fazer a sua análise, nem, tampouco, explica como foi possível chegar à conclusão avançada.
IX.Refletem a falta de imparcialidade (e até a desonestidade) do próprio Relatório de Peritagem encomendado pela Recorrida, o facto de se referir que o Recorrente afirmou que não via "motivo para tal ignição que não seja um convencional curto-circuito que possa ter ocorrido na cablagem" e que o incêndio se tinha extinguido por falta de oxigénio, quando o Recorrente sempre afirmou que desconhece qual o móbil do incêndio na embarcação e como ocorreu a sua extinção — o que resulta da Participação do Sinistro (Doc. 2 da petição inicial) e das várias comunicações enviadas posteriormente à Recorrida e também juntas aos autos (Docs. 5, 10, 11, 12 e 14 da petição inicial).
X.Das declarações do autor do Relatório, João ....., resultou que esta testemunha se comportou de forma extremamente parcial, defendendo sempre a sua tese inicial, com recurso a explicações complexas e pouco claras. Acresce que a testemunha João ..... prestou um depoimento titubeante, fugindo às questões que lhe foram colocadas e procurando sempre justificar o seu Relatório e, por isso, salvo melhor entendimento, não deveria ter merecido a credibilidade do douto Tribunal a quo.
XI.Tando da análise mais cuidada do Relatório junto aos autos pela Recorrida, como do depoimento do seu subscritor, resulta que: i)- não se conhece ao certo qual a causa de ignição do incêndio; ii)- não foram detetados nenhuns componentes danificados na embarcação que pudessem justificar a ignição do incêndio; iii)- existe, em abstrato, mais do que uma hipótese de causas do incêndio; iv) o eventual dano no cabo elétrico ficou a dever-se a um ato acidental de quem utiliza a embarcação.
XII.A Testemunha António ....., pessoa independente e desinteressada em relação ao desfecho da causa, que respondeu de forma tranquila e espontânea às questões que lhe foram colocadas e que foi capaz de identificar a sua razão de ciência e os factos sobre os ais tinha conhecimento direto, pelo que mereceu a credibilidade do Tribunal, atestou que a embarcação Jákátá fez uma manutenção anual em março de 2018 e que toda a embarcação ficou em perfeitas condições, sem problemas e sem necessidade de reparações em nenhum componente, nomeadamente nos cabos. Mais disse esta testemunha que, apear de não ter competências para aferir qual a causa do incêndio, podia atestar que não foi detetado nenhum dano nos cabos elétricos da embarcação, nem nenhum tipo de defeito, estrago ou avaria que pudesse ter justificado o incêndio.
XIII.A Testemunha António ....., confirmou ainda o teor da Declaração emitida pela empresa 13 Yacht Broker, junta aos autos como Doc. 9 da petição inicial, que declara:
"Durante a reparação da embarcação "Jákátá", após ter sofrido um incêndio no seu interior, fizemos uma análise para tentar descortinar a fonte do problema, como sempre fazemos, para que, após as reparações, não venham a repetir-se os problemas.
Não tendo sido detetado nada de anormal, quer na análise prévia, quer durante a execução dos trabalhos, que pudesse ter sido origem do incêndio (excluindo a parte ardida completamente impossível de ver o que quer que seja), as restantes partes da embarcação não têm sinais de desgaste nem de mau estado de conservação, até porque a embarcação é relativamente recente.
Após a reparação tudo ficou a funcionar corretamente."
XIV.Por sua vez, o Autor, apesar de ser parte, prestou declarações em juízo de forma espontânea e credível, tendo-se referido em concreto à forma como foi realizado o exame pericial na embarcação Jákátá por João ....., a propósito do que deixou claro que este não tocou, nem levou consigo nenhum dos componentes da embarcação e que fez a observação do local do incêndio através de fotografias, o que foi confirmado pelo próprio.
XV.Em suma, mal andou a Sentença proferida em dar como provado que o incêndio que ocorreu na embarcação Jákátá foi consequência de uma avaria interna da mesma, pois que a documentação que a tal faz referência se baseou em meras opiniões, ou em declarações de ouvir dizer, sem que, nem sequer o perito da Recorrida tivesse conseguido afirmar qual a causa concreta do incêndio, nem qual a avaria concreta da embarcação.
XVI.Atentos os factos provados, constando como não provado que "Na origem do incêndio esteve uma avaria interna na própria embarcação, tendo a combustão sido causada por um componente eléctrico que se encontrava em processo de desgaste" e não existindo na matéria de facto nenhum facto que nos diga qual a causa do incêndio, forçoso é concluir que não foi possível apurar as causas do incêndio.
XVII.Em termos jurídicos a causa do incêndio é uma exceção perentória, impeditiva dos direitos do autor, nos termos do artigo 571.°, n.° 2 do Código de Processo Civil. Como tal, é à seguradora que cabe o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos daquela exceção, conforme previsto nos artigos 5.°, n.° 1 do Código de Processo Civil e 342.°, n.° 2 do Código Civil, conforme, por exemplo, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no processo n.° 4283/04.9TBVFX.L1-2, com data de 2.04.2009.
XVIII.No caso dos autos, não tendo ficado provado qual a causa do incêndio
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