Acórdão nº 6188/21.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-04-11

Data de Julgamento11 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão6188/21.0T8BRG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA instaurou, em 08/02/2017, no Cartório Notarial do Dr. BB, sito em ..., processo especial de inventário para cessação de comunhão hereditária e partilha de bens por óbito de CC e de DD, falecidos, respetivamente, a ../../2013 e ../../2004.
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A cabeça de casal prestou declarações (fls. 50 a 53) e, ulteriormente, juntou a relação de bens (fls. 58 e ss.).
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A interessada EE apresentou reclamação à relação de bens (fls. 103 e ss.)
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A 06/10/2021, a interessada AA requereu a remessa do processo de inventário para o Juízo Local Cível de Braga do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, o que foi determinado por despacho da Sr.ª Notária, de 4/11/2021 (cfr. fls. 273, 278 e 279).
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Os autos foram remetidos ao Juízo Local Cível de Braga a 12/11/2021 (cfr. fls. 285).
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Após realização de algumas diligências probatórias, foi designada data para inquirição de testemunhas (cfr. fls. 312).
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Na data designada para a inquirição das testemunhas, a 22/11/2022, as partes manifestaram a possibilidade de celebrar um acordo, desde que a Banco 1... esclarecesse determinadas questões, pelo que ficaram de transmitir ao Tribunal a viabilidade do dito acordo após os ditos esclarecimentos (cfr. fls. 313).
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A 27/02/2023, as partes informaram que perspectivam a celebração de um acordo no âmbito do presente processo e requereram a suspensão da instância por 30 dias, o que foi deferido por despacho de 28/02/2023 (fls. 319 e 320).
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A ../../2023, a interessada EE comunicou o falecimento do seu marido (fls. 321 v.º e ss.).
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Por despacho de 24/04/2023, foi declarada suspensa a instância nos termos do disposto nos arts. 269.º, n.º 1, al. a), 270.º, n.º 1 e 276.º, n.º 1, al. a), todos do Código de Processo Civil, em virtude de ter sido comprovado o falecimento do interessado FF (fls. 324).
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Tal despacho foi notificado aos interessados, na pessoa dos seus mandatários, por comunicação eletrónica enviada em 24/04/2023 (ref.ªs ...98 e ...95).
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Datado de 13-11-2023, o Tribunal “a quo” proferiu o seguinte despacho (cfr. fls. 325):
«Os presentes autos encontram-se suspensos, a aguardar impulso processual das partes, desde 24/04/2023, após se ter comprovado o óbito de um dos interessados.
Desde essa data não existem quaisquer atos praticados no processo.
O art. 281º, n.º 1 do NCPC vem dispor que se “(…) considera deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar o impulso processual há mais de seis meses” (cfr. art. 281º, n.º 1 do NCPC).
A deserção, assim prevista, é causa da extinção da instância (art. 277º al. c) do NCPC).
No caso dos autos, o processo encontra-se a aguardar impulso processual das partes há mais de seis meses, sem que estas tenham impulsionado o seu regular andamento.
Assim, e nos termos do disposto no art. 281º do NCPC, declaro deserta a presente instância.
Custas pelos interessados, na proporção dos quinhões.
Valor da ação: € 455.125,04
Notifique.
(…)».
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Os interessados arguiram a nulidade do despacho que declarou deserta a instância, o que foi indeferido por despacho de 22/11/2023 (cfr. fls. 326 a 329).
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Inconformados com aquela decisão de 13-11-2023, dela interpuseram recurso a cabeça de casal e marido (cfr. fls. 330 a 333), formulando, no final das respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se reproduzem):

«1. O presente recurso tem como objecto o despacho que, sem audição das partes, ou qualquer apreciação sobre a negligência das mesmas, declarou deserta a instância.
2. Absolutamente omissa, na sua fundamentação, quanto aos factos que justificam a imputação de negligência a qualquer das partes, a decisão é uma autêntica decisão surpresa já que,
3. na ausência de elementos que justifiquem a qualificação da actuação das partes como negligente, deveria o Tribunal tê-las notificado para se pronunciar sobre a falta de impulso - e a sua justificação – com a expressa advertência das consequências do disposto no art. 281º do CPC,
4. o que não foi feito.
5. Não se encontram verificados os pressupostos previstos no art. 281º do CPC.
6. E essa falta dos pressupostos é evidente do próprio despacho que não dedica uma única frase a justificar a negligência das partes, sendo absolutamente omisso quanto à fundamentação da decisão.
7. Mais, as partes nunca foram ouvidas, nunca foram advertidas das consequências da omissão do impulso, sendo absolutamente surpreendidas com uma decisão surpresa, que não é prática comum na Comarca.
8. A prolação do despacho em crise sem audição das partes é absolutamente contrária aos princípios da cooperação processual, da celeridade processual, do contraditório e do aproveitamento dos actos.
9. O despacho que antecede padece, portanto, da nulidade prevista no art. 615º/1 al. b) do CPC, e, ainda, da nulidade prevista no art. 195º/1 do mesmo Diploma, o que expressamente se invoca.
10. Resulta, ainda, de um ostensivo erro de julgamento, já que assenta no pressuposto errado de que as partes actuaram com negligência o que, in casu, não se verifica.
11. O despacho sob censura violou, entre outras, as normais previstas nos arts. 281º, 2º, 6º, 7º e 607º do CPC.
TERMOS EM QUE:
Devem ser reconhecidas as nulidades invocadas e ser o despacho em crise revogado e substituído por acórdão que ordene a notificação das partes para os efeitos do disposto no art. 281º do CPC, com o que se fará a acostumada
JUSTIÇA!».
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (cfr. fls. 334).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Delimitação do objeto do recurso

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber se o despacho que declarou a extinção da instância por deserção deve ser anulado, por falta de advertência às partes quanto aos efeitos da suspensão da instância e por preterição do contraditório prévio, bem como se deve ser revogado por inverificação dos pressupostos da deserção da instância, nos termos do disposto nos arts. 277º, al. c) e 281º, n.º 1, do CPC.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

As incidências fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos).
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V. Fundamentação de direito

A deserção da instância é uma das causas de extinção da instância (art. 277º, al. c), do CPC), traduzindo-se numa forma extintiva da relação jurídico-processual sem qualquer pronunciamento sobre o mérito da causa[1].

Sob a epígrafe “Deserção da instância e dos recursos”, prescreve o art. 281º do CPC:
«1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
2 - O recurso considera-se deserto quando, por negligência do recorrente, esteja a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
3 - Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
4 - A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.
5 - No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses».
Na vigência do Código de Processo Civil, na redação anterior à introduzida pelo Dec. Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, o regime relativo à interrupção e deserção da instância era o seguinte:
- “A instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento” (art. 285º);
- “Cessa a interrupção, se o autor requerer algum acto do processo ou do incidente de que depende o andamento dele, sem prejuízo do disposto na lei civil quanto à caducidade dos direitos” (art. 286º);
- “Considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos” (art. 291º, n.º 1).
No âmbito desse pretérito regime, a inércia das partes sobre quem recaía o ónus processual de impulsionar o processo apenas produzia efeitos depois de ultrapassado um ano, ao que se seguia a prolação de decisão judicial a declarar a interrupção da instância por negligência das partes em promover os seus termos (cfr. art. 285º), iniciando-se, a partir de então, um novo prazo de dois anos, findo o qual operava, sem mais, a extinção da instância por deserção (cfr. art. 291, n.º 1).
Deste modo, se, por um lado, a deserção da instância pressupunha a prévia interrupção durante um período de dois anos, constituindo a interrupção da instância requisito antecedente da deserção, por outro lado, a deserção da instância operava ope legis, isto é, ocorria automaticamente verificada que fosse a inatividade das partes durante o referido lapso de tempo, dispensando qualquer decisão judicial[2] [3].
Diversamente, com o novo Código de Processo Civil, além de ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, que a parte dispunha para impulsionar os autos sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou também a figura da interrupção da instância, “passando-se, de imediato da mera situação de inércia, com ou sem suspensão da instância,...

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