Acórdão nº 6170/16.9T9PRT-C.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 09-11-2022

Data de Julgamento09 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão6170/16.9T9PRT-C.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 6170/16.9T9PRT-C.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 1

Relator Paulo Costa
Adjuntos Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha


Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do processo de instrução n.º 6170/16.9T9PRT, a correr termos no Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 1, na sequência de notificação que lhe foi remetida, veio o Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados, invocar sigilo profissional relativamente a documentos que o assistente AA requereu na parte final do seu requerimento de instrução.
Oficiou-se novamente àquela ordem profissional (despacho com a ref.ª 431803767, de 05.JAN.22), no sentido de o Presidente do Conselho Distrital da O. Advogados decidir o levantamento do sigilo profissional relativamente ao referido processo disciplinar.
Por despacho de 01.FEV.22, foi comunicado aos autos não ser possível o levantamento do sigilo profissional relativo àquele processo disciplinar, por não ter sido requerido pelo Advogado titular desse segredo e não ter sido acionado o mecanismo previsto no art.º 135.º, nºs 2 e 3 do C. Pr. Penal (ref.ª 31241707, de 02.FEV.22).

Em face desta posição, o Sr. Juiz de instrução, por despacho de 11-10-2022, ao abrigo do disposto nos arts. 135.º e 182.º do CPPenal, suscitou perante o Tribunal da Relação do Porto o incidente de quebra de sigilo profissional.
Alega para tanto que:
“Para que seja proferida oportunamente a decisão instrutória - e de modo a que a mesma assente no conhecimento, pelo Tribunal, dos factos relevantes – a requerida certidão é absolutamente necessária e imprescindível para que tal decisão seja conscienciosa e bem fundamentada.
Admitindo-se, de boa mente, que a recusa da O. Advogados seja legítima, face ao disposto no art.º 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, permanece, todavia, a imprescindibilidade do conhecimento do conteúdo dos documentos em questão - constantes do processo disciplinar que correu termos relativamente ao aqui arguido - para a descoberta da verdade.”

Tem-se ainda em conta despacho de arquivamento de fls.2 a 3.
Requerimento de abertura de instrução de fls. 4 a 8 e respetiva documentação.

O Sr. PGA emitiu parecer no sentido do deferimento da quebra do sigilo profissional.

Apreciando e decidindo
O presente incidente de quebra de sigilo foi suscitado pelo Senhor Juiz de Instrução, que previamente havia solicitado à O.A a junção das certidões requeridas pelo assistente, sendo, por isso, necessária a intervenção do Tribunal Superior para fazer cessar o dever de segredo, considerando ainda que os elementos solicitados eram imprescindíveis para a investigação em curso.
Nesta segunda fase, já nos tribunais superiores, deverá ser apreciada se se justifica, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, a decisão de quebra de sigilo profissional, atendendo, designadamente, à imprescindibilidade dos elementos pedidos para a descoberta da verdade, à gravidade do crime e à necessidade de proteção de bens jurídicos.
Esta análise tem «como pano de fundo o valor relativo dos interesses imediatamente em confronto: os interesses protegidos pelo segredo numa dupla faceta, o interesse do público da confiança numa certa atividade profissional ou empresarial e no seu regular funcionamento e por outro a reserva da vida privada dos particulares que recorreram a esses profissionais, com graduações consoante se esteja perante um círculo mais íntimo (v.g. sigilo médico), ou mais periférico (v.g. esfera patrimonial); em contraponto o interesse público na realização da justiça e exercício do ius puniendi. Só o propósito de preservação da confiança, de resto, é que pode justificar a autonomia do sigilo profissional em face da privacidade da própria informação sujeita a sigilo. Protege-se a informação sujeita a sigilo não, ou não apenas, pela natureza privada dessa informação, natureza privada que, aliás, pode nem existir, mas pelo simples facto de interceder um sigilo profissional»[1].
A este Tribunal da Relação do Porto, por ser o Tribunal Superior àquele onde o incidente foi suscitado, cabe apenas decidir se deve ser determinada a quebra do sigilo profissional, nos termos do disposto no art. 135.º, n.º 3, do CPPenal.
O organismo representativo dos advogados negou o acesso à documentação invocando falta de autorização do próprio advogado titular do segredo ou sem que houvesse decisão de levantamento do sigilo profissional.

Investigam-se nos autos factos suscetíveis de, em abstrato, integrar, a previsão do crime de violação de segredo e de devassa da vida privada, previstos e punidos respetivamente, pelos artigos 195º e 192º ambos do Código Penal.
A prossecução das investigações postula a obtenção de um conjunto de informação relacionada com os depoimentos existentes no processo disciplinar nº ......, com anexos, incluindo os requerimentos feitos pelo arguido BB com a junção de documentos pessoais, que poderão ter exposto factos da vida privada do assistente sem que para tal tivesse havido a competente autorização, sendo que os elementos/informações cuja obtenção e junção se pretende - e que são essenciais para o apuramento dos factos em investigação - encontram-se abrangidos pelo dever de segredo que impende sobre a Ordem dos advogados, revelando-se imprescindível que esta colabore com a Justiça, fazendo-se cessar, para tanto, aquele dever de sigilo.

Escudando-se no segredo profissional previsto no 92º, do Estatuto da Ordem dos advogados, a Ordem dos Advogados não remeteu a informação pretendida, afigurando-se-nos, atento o conteúdo da informação que se pretende e o âmbito das referidas
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