Acórdão nº 617/20.7GBMTJ.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-02-08

Data de Julgamento08 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão617/20.7GBMTJ.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal:
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I – Relatório:
Em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido JMM, filho de … e de …, nascido em …1986, residente … em Montijo, foi sentenciado nos seguintes termos:
i- Absolvido da prática como autor material de três crimes de violência doméstica, previstos e punidos (p. e p.) pelo artigo 152º/1-d) e 2-a) do Código Penal (CP);
ii- Condenado pela prática, como autor material, de:
- um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º/1- a) e d) e n.º 2- a) do CP, na pena de 2 anos de prisão;
- um crime de abuso sexual de crianças, na forma agravada, p. e p. pelos artigos 171º/3-a), e 177º/1 - b) do CP, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão;
iii- Condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, mediante regime de prova, a acompanhar pelos Serviços da Direcção-Geral de Reinserção Social, vocacionado para a prevenção da reincidência, com obrigação de frequência do PAVD – Programa para Agressores de Violência Doméstica.
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II- Fundamentação de facto:
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes os factos:
1. O arguido, JMM, e a ofendida ART, iniciaram uma relação amorosa com coabitação no ano de 2012, tendo nascido de tal relação em 08.08.2016, a LM.
2. O arguido e ART residiram em diferentes locais, localizando-se a última residência de ambos na Estrada …., Montijo.
3. Juntamente com o arguido e com ART residiam os filhos da vítima, CTV, nascida a 01.05.2007, e MTV, nascido a 28.06.2008.
4. Numa ocasião em data não concretamente apurada o arguido dirigiu-se a ART, apelidando-a de “porca”.
5. Após o nascimento da filha de ambos, no âmbito de discussões entre o casal, o arguido desferiu uma chapada em ART, causando-lhe dores e hematomas.
6. Em data não concretamente apurada, o arguido instalou câmaras na residência comum que detectavam o movimento na sala e exterior da residência.
7. Desde o nascimento da filha de ambos e até Dezembro de 2020, no seguimento de discussões entre ambos, em 4 ou 5 ocasiões, o arguido dizia a ART para sair de casa, o que esta não acatava.
8. No dia 18.12.2020, pelas 9h45m, no interior da residência comum, o arguido envolveu-se numa discussão com ART, no decurso da qual lhe desferiu uma chapada.
9. Decorridos alguns momentos, quando ART se encontrava na casa de banho, o arguido entrou nesse local, empurrou a LM que se encontrava na sanita, tudo para alcançar ART à qual se dirigiu, apertou-lhe o pescoço, desferiu-lhe um pontapé e uma chapada na cara.
10. Seguidamente, agarrou ART e a filha desta CTV, pelos ombros e, em tom de voz grave e sério, dirigiu-lhe as expressões, “Suas putas, saiam da minha casa!”, ao mesmo tempo que as empurrou até ao exterior da residência.
11. CTV encontrava-se descalça.
12. Já no exterior da residência, o arguido torceu com violência os braços da ofendida ART, de forma a apoderar-se do telemóvel desta.
13. Nas mesmas circunstâncias, já na posse do telemóvel da ofendida ART, o arguido destruiu-o de forma não concretamente apurada.
14. Nessa data, ART, e os filhos LM e MTV e CTV, foram acolhidas numa casa abrigo.
15. Desde 24 de Maio de 2021, o arguido e ART voltaram a viver juntos, como marido e mulher, na companhia dos menores já mencionados, na Estrada …, Sarilhos Grandes.
16. Por decisão de 26.07.2021 no âmbito do processo de promoção e protecção n.º … BRR do Tribunal … foi aplicada a medida de acolhimento institucional aos menores CTV e MTV.
17. Ao agir do modo descrito o arguido quis maltratar física e psicologicamente ART, como efectivamente maltratou, molestando o seu corpo, provocando-lhe dores, ofendendo-a na sua honra e consideração e coartando-a na sua liberdade pessoal, controlando-a e humilhando-a, com as expressões que lhe dirigiu, bem sabendo que tais condutas eram aptas a fazê-la sentir-se humilhada e a limitar a sua liberdade pessoal.
18. Não se coibindo de assim actuar no interior da residência comum.
19. O arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida pela lei penal.
20. Entre o ano de 2019 e o final do ano de 2020, e no interior da residência da família, o arguido apalpou as nádegas da menor CTV.
21. Numa ocasião, em data não concretamente apurada, o arguido pediu a CTV que o deixasse apalpar-lhe as mamas e pediu-lhe fotografias, o que ela recusou.
22. Sabia o arguido que a menor CTV era filha da sua companheira, integrava o seu agregado familiar, estava na sua dependência económica, era menor de 14 anos, e que lhe devia cuidados e protecção.
23. Ao agir da forma descrita, o arguido não ignorava nem podia ignorar a idade da ofendida.
24. Não ignorava nem podia ignorar o arguido que, à data dos factos, vivia com a mãe da ofendida como se casados fossem, e que por essa via participava no quotidiano na educação e no provimento das necessidades da ofendida, sobre ela tendo o ascendente resultante de consigo coabitar e de integrar o seu agregado familiar numa posição de dominância, circunstâncias de que se prevaleceu para concretizar os seus intentos.
25. Bem sabia e não podia ignorar o arguido que ao atuar da forma descrita, constrangia a ofendida a contactos de natureza sexual, que perturbava o seu livre desenvolvimento da personalidade na esfera sexual, o que fez com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos.
26. O arguido agiu da forma supra descrita de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
27. O arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 16.09.2020 proferida no âmbito do processo comum singular n.º ….GBMTJ do … na pena de 30 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, pela prática em 03.03.2015 de um crime de resistência e coacção sobre funcionário.
28. O arguido tem actividade profissional de mecânico, auferindo cerca de €1.600,00 mensais.
29. O arguido tem o 4.º ano de escolaridade.
30. O arguido reside com a ofendida, ART e com a filha de ambos LM.
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Com relevo para o recurso há ainda que considerar que:
31. A 18/12/2020 foi atribuído o estatuto de vítima especialmente vulnerável à ofendida ART.
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Factos não provados:
Não se provou que:
a) O facto referido em 4. ocorreu na presença dos filhos da ofendida e na presença da filha de ambos.
b) O arguido também se dirigia a ART nos seguintes termos: “Porca vai buscar isto”, o que fazia na presença daqueles menores.
c) Desde o início do relacionamento entre ambos, que o arguido procurou limitar os contactos de ART com a sua família e amigos, por sentir ciúmes dos mesmos.
d) Em data não concretamente apurada, mas seguramente quando ART anunciou ao arguido que estava grávida da filha de ambos, por isso em momento anterior a 08.08.2016, o arguido dirigiu-se à mesma, em tom de voz grave e sério, dizendo-lhe: “puta, porca, não fazes nada em casa, ordinária!”.
e) Durante a gravidez, a avó de ART passou a residir com o agregado, sendo que numa altura em que ART se encontrava a cozinhar para a sua avó, o arguido perguntou pelo jantar, que não se encontrava confecionado, situação que o levou a desferir um pontapé na panela da sopa que aquela estava a cozinhar.
f) De seguida, desferiu uma pancada com a panela da sopa na cabeça de ART, e, em acto contínuo, desferiu-lhe chapadas na cara e pontapés no corpo.
g) ART refugiou-se no quarto, seguindo o arguido no seu encalce, local onde derrubou uma porta do roupeiro, atingindo-a com a mesma, e onde de seguida partiu o telemóvel daquela.
h) Nessas circunstâncias o arguido dirigiu à ofendida as expressões, “puta, porca, javarda!”.
i) O facto referido em 5. ocorreu, na maioria das vezes, na presença dos filhos menores.
j) As câmaras referidas em 6. remetiam uma notificação para o telemóvel do arguido de forma a controlar as horas de entrada e saída de ART, e de controlar se ali se dirigiam outros homens para se encontrarem com a ofendida.
k) Em data não concretamente apurada, mas seguramente durante a vida em comum, o arguido agrediu o menor MTV, filho de ART, com palmadas no braço.
l) O arguido, ao longo do mesmo período, em diversas ocasiões, castigou os filhos menores de ART, os ofendidos CTV e MTV, colocando-os encostados na parede, passando os menores longos períodos nessa posição, apenas abandonado tal posição para comer.
m) O arguido colocou ART fora da residência em 4 ou 5 vezes e nessas ocasiões, ART levava os seus filhos mais velhos consigo, mas o arguido não a deixava levar a filha de ambos.
n) Em todas as ocasiões, passado pouco tempo, o arguido começava a pressionar ART para regressar à residência, dizendo-lhe: “Ou voltas para casa ou nunca mais vês a tua filha!”.
o) Nas circunstâncias referidas em 8 o arguido empurrou ART contra a porta do quarto da filha CTV que acordou e que tentou defender a mãe.
p) Nas circunstâncias referidas em 9 o arguido fez com que a menor LM embatesse com as costas no móvel da casa de banho.
q) Em 18.12.2020 o arguido disse à mãe de ART, “A porrada que dei à A… foi pouca!”, ao mesmo tempo que dirigiu a ART a expressão: “Puta, vaca, andas a foder com todos!”.
r) Não se coibindo de assim actuar na presença dos filhos daquela e da filha de ambos.
s) Ao agir da forma descrita, na presença e sobre LM, CTV e MTV, o arguido quis maltratá-los física e psicologicamente, como efectivamente maltratou, quis humilha-los, o que logrou, destabiliza-los emocionalmente, fazendo-os recear pela integridade física de ART e, ainda, afectando o seu saudável desenvolvimento psíquico e formativo, bem sabendo que era responsável pela sua educação e por assegurar o seu bem-estar.
t) Em datas não concretamente apuradas, mas entre o ano de 2019 e o final do ano de 2020, e em número de vezes igualmente não apuradas, quer
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