Acórdão nº 614/22.8T8LRS.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 14-02-2023

Data de Julgamento14 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão614/22.8T8LRS.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


IRelatório:


A [Maria ……..] e marido, B [Alberto ……..], vieram, em 17.1.2022, propor contra C [Maria Fernanda ……..], ação declarativa pedindo seja declarada válida a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento respeitante à fração autónoma, de sua pertença, designada pela letra “D” do prédio urbano sito na Rua ..... ....., nº..., em M_____, de que a Ré é arrendatária, a caducidade do contrato com efeitos a partir de 1.7.2019, e a condenação da Ré a proceder à entrega do locado, bem como a pagar o valor da renda mensal, a título de indemnização pelo uso do locado, até à efetiva entrega.

Invocam, para tanto e em síntese, que tendo sido o contrato de arrendamento em questão celebrado em 1.9.1999, pelo prazo de 5 anos, e tendo-se o mesmo renovado sucessivamente, os AA. comunicaram à Ré, em 7.2.2019, a sua oposição à renovação a partir de 1.7.2019, não tendo a Ré entregue a fração.

Contestou a Ré, invocando a exceção dilatória de caso julgado e alegando que, em 11.7.2019, a A. intentou ação idêntica, que correu termos sob o nº 14451/19.3T8LSB, tendo sido proferida sentença, transitada em julgado, que absolveu a Ré do pedido. Mais invoca o abuso de direito dos AA. e impugna em parte a factualidade alegada. Pede a procedência das exceções e, em qualquer caso, a improcedência da ação.

Notificados para o efeito, os AA. responderam à matéria de exceção sustentando, designadamente, que não se verifica o caso julgado, por não haver identidade entre o pedido e a causas de pedir nos dois processos.

Em 22.6.2022, foi proferido despacho saneador que, apreciando a referida exceção do caso julgado, concluiu: “(…) julgo verificada a excepção dilatória do caso julgado e, consequentemente, abstenho-me de conhecer o mérito da causa e absolvo a ré da presente instância — cfr. artigos 577.º al. i), 576.º n.º 2 e 278.º n.º 1 al. e) do CPC.
Julgo ainda improcedentes os pedidos de condenação em litigância de má-fé e absolvo ambas as partes da condenação pedida a esse título.
(…).”
Inconformados, interpuseram recurso os AA., apresentando as respetivas alegações que culminam com as conclusões a seguir transcritas:

1.Vem o presente recurso de apelação interposto da sentença que julgou verificada a excepção dilatória de caso julgado e, consequentemente, absolveu a Ré da instância.
2.Correu termos, Junto do Juiz 2 do Juízo Local Cível de Loures, sob o número de processo 14451/19.3T8LSB, acção judicial que opunha os aqui Recorrentes à Recorrida, sendo peticionado o despejo do imóvel.
3.A sentença então proferida concluiu que o prazo para aposição à renovação do contrato de arrendamento “(...) é de 120 dias, uma vez que o contrato das partes tem duração inicial de 5 anos — art. 1097.°, n.° 1, al. b), do Código Civil.”
4.E que “(...) resulta do ponto 5. dos factos dados como provados que o aviso datava de 11-03-2019, cuja data se reportava ao dia 01-07-2019, distando entre essas datas 109 dias de diferença. Dúvidas não existem, assim, que os AA. não deram cumprimento ao prazo de pré-aviso estipulado pela norma já referida.”
5.Desse modo concluindo que “(...) a inobservância do prazo de pré-aviso pelo senhorio tem como consequência a ineficácia jurídica do ato praticado, como se nunca tivesse ocorrido (VALENTE, Edgar — Arrendamento Urbano Coimbra: Almedina, 2019, p. 37).
Pelo exposto, não se verificando qualquer causa para a cessação do contrato analisado, o mesmo mantém-se em vigor.”
6.A primeira acção judicial interposta pelos aqui Recorrentes foi improcedente porque ficou provado que os Autores não tinham comunicado a intenção de não renovação do contrato dentro do período de pré-aviso de 120 dias.
7.No decurso daquela acção, os Recorrentes requereram a junção aos autos de carta de comunicação da oposição à renovação, datada de 07-02-2019 — o que garantia o cumprimento do prazo de pré-aviso.
8.O tribunal não admitiu essa junção precisamente porque tal facto nunca havia sido alegado na petição inicial.
9.A petição inicial, no processo n.° 14451/19.3T8LSB, alega que a comunicação foi efectuada a 11-03-2019.

10.O acórdão proferido pela Relação de Lisboa, na sequência do recurso interposto pelos aqui Recorrentes, reiterou este entendimento do tribunal de primeira instância:
"No caso concreto, os AA. vieram juntar um documento correspondente a uma comunicação realizada no dia 11-02-2019 à aqui R, que tinha em vista fazer cessar o contrato de arrendamento celebrado com esta com efeitos a partir de 01-07-2019.
Considerando que a admissão da junção de tal documento deve pautar-se pela bitola da prova dos factos alegados pelas partes nos autos — art.° 411.° do Código de Processo Civil —, constata-se que o documento ora junto não tem correspondência com os factos que se pretendem apurar nos autos.
Com efeito, tal como se exige pelos artigos 5.°, n.° 1, e 552.°, n.° 1, al. d), ambos do Código de Processo Civil, competia aos AA. expor os factos essenciais em que consiste a causa de pedir, balizando os factos essenciais ao objeto da discussão nos autos.
(…)
O facto essencial nuclear que fundamenta a pretensão dos AA. de oposição à renovação do contrato em crise, tal como foi balizada e identificada por estes, é a oposição da renovação datada de 11-03-2019.
A prova desse facto estriba-se no Doc. 4 Junto com petição inicial. E ao contrário do que os AA. referem no seu requerimento de fls. 52, o conteúdo desse documento não reitera qualquer oposição anteriormente sustentada; apenas vem responder a correspondência anterior, cujo teor não concretiza.
Com a junção do novo documento, constate-se que os AA. não pretendem fazer prova do facto essencial que identificou no art 5° da PI. Pretendem fazer prova de um facto que não consta dos autos, já que nunca concretizaram a que correspondência aludiam no art. 5.°.
(…)
Atendendo a que a oposição à renovação considerada pelos AA. na sua petição inicial se reporta ao dia 11-03-2019 (o facto essencial nuclear dos autos), o documento ora junto é desnecessário por corresponder a factos que estão vertidos nestes autos."

11.Daqui resulta que “o facto essencial nuclear dos autos” é a data da comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento.
12.É essa a causa de pedir: a oposição à renovação do contrato de arrendamento e a data em que a mesma é efectuada.
13.Nos autos em apreço, os Recorrentes alegaram factos que não alegaram no processo n.° 14451/19.3T8LSB: o facto de que a oposição à renovação foi remetida à Ré a 07-02-2019.
14.O tribunal a quo veio entender, na sentença recorrida, que o facto de serem comunicações distintas não permite “considerar que as causas de pedir são distintas”.
15.Com todo o respeito — que é muito — é este o entendimento que os Recorrentes não podem aceitar.
16.Pois que é o próprio Tribunal da Relação de Lisboa que confirma que a data da comunicação é o "facto essencial" para bem decidir do pedido em apreço.

17.Temos factos essenciais completamente distintos:
a.-numa acção, o facto essencial é a comunicação a 11-03-2019, que não permite o cumprimento do prazo de aviso prévio;
b.-na presente acção, o facto essencial é a comunicação a 07-02-2019, que assegura o prazo de aviso prévio.

18.Estamos, assim, perante causa de pedir distintas - não existe caso julgado, nem autoridade de caso julgado.
19.Falamos de um facto que nunca foi alegado pelos Recorrentes na primeira acção judicial que correu termos.
20.Facto, esse, que é essencial.

21.Situação idêntica foi analisada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 26-02-2019 (processo n.° 238/17.1T8VLF.C1):
1.- A causa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer (legalmente idóneo para o condicionar ou produzir).
2.- Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos (de facto e de direito) e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.
3.-A figura da autoridade do caso julgado só ocorre na medida/limite do que foi apreciado e decidido, não obstando a que em novo processo seja decidido aquilo que não ficou definido no caso julgado anterior - a segunda acção não deverá ser repelida quando não tende, pelo seu objecto (v. g., em toda a complexidade duma acção real por excelência), a colocar o juiz na alternativa, ou de se contradizer, ou de confirmar pura e simplesmente a sentença já proferida.
4.- Assim sucederá, nomeadamente, quando, na sequência de uma decisão de um Tribunal Superior, para fundamentar idêntico segmento do pedido da primeira acção, sejam alegados na segunda acção factos que permitem sustentar a aquisição do direito de propriedade (relativo ao muro em causa) por usucapião, sendo que, naquela primeira acção, não foram invocados «factos que permitissem a aplicação da presunção de propriedade exclusiva (do muro), consagrada no n.° 5 do art.° 1371° do CC e nada tendo resultado provado - desde logo porque nada foi alegado - quanto à origem do muro e uso que lhe foi dado até à época em que estalou o litígio, em ordem a fundamentar o direito de propriedade sobre o mesmo muro por eventual usucapião».”

22.Mas também o acórdão da mesma Relação, datado de 09-11-2021 (processo n.° 1545/19.4TBLRA.C1):
“Para efeitos da verificação de caso julgado e a propósito da delimitação de uma acção perante outra, o Código do Processo Civil usa um conceito restrito de causa de pedir que apenas compara os factos principais das duas causas.
Assim, a identidade e a individualidade da causa de pedir têm de apurar-se com base numa comparação entre o núcleo factual essencial de cada uma delas, não sendo afectada tal identidade por via da alteração da
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