Acórdão nº 61/22.1T8VFC-B.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-03-09

Data de Julgamento09 Março 2023
Ano2023
Número Acordão61/22.1T8VFC-B.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

1.1. A, sociedade de responsabilidade limitada, intentou acção declarativa, com processo comum, contra B e mulher C, D e mulher E, F e mulher G, pedindo que «seja proferida decisão condenando os RR. na constituição de uma servidão de passagem de pessoas e veículos automóveis, com início na estrema nascente do prédios dos RR., junto à dita Rua…., seguindo em linha recta e terminando na estrema nascente que, do prédio da A. confina com o dos RR., confrontando norte e sul com o prédio dos RR., com um comprimento aproximado de 60 metros e a largura de 3 metros, sobre o prédio rústico dos RR. situado na ….., com registo de aquisição a seu favor, em comum e sem determinação de parte, pela AP. 1832 de 2018/12/12 e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …., para servir o prédio da A. situado na ….., com registo de aquisição a seu favor por compra pela AP. 1 de 2005/12/05 e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …».
Para tanto, alega, em síntese:
- ser proprietária do prédio rústico descrito na CRP ….sob o n.º ….. e inscrito na matriz predial sob o artigo …;
- tal prédio confronta pelo nascente com o prédio rústico descrito na mesma CRP sob o n.º …. inscrito na matriz predial sob o artigo …., propriedade dos RR.;
- o prédio da A. está encravado, não tendo saída para a via pública, nem qualquer acesso, sendo que para aceder à via pública o caminho mais curto e menos dispendioso é sobre o prédio dos RR.
Conclui que, nos termos do art. 1550.º, n.º 1 do CC, pode exigir a constituição de servidão de passagem sobre o prédio dos RR.
1.2. Os RR. D, E, F e G apresentaram, individualmente, articulado pelos mesmos subscrito, no qual requerem o arquivamento do processo quanto a si, por a área indicada para a servidão estar inserida no prédio que ficou a ser propriedade dos RR. B e C, após ter ocorrido divisão de coisa comum.
1.3. Os RR. B e C, contestaram nos seguintes termos:
- requerendo a intervenção principal provocada de U, como associado da A. nos termos do art.º 316.º, n.ºs 1 e 3, al. b) do CPC, por ser ele o efectivo proprietário do prédio rústico que a A. identifica como seu (em virtude da nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a mesma, na qualidade de compradora, e o referido U, na qualidade de vendedor, que prestou falsas declarações, ao declarar que “não possui qualquer outros prédios rústicos confinantes com o prédio ora vendido”) e atento a pedido reconvencional do exercício de direito de preferência que os RR. pretendem efectuar na referida venda;
- arguindo a excepção da ilegitimidade activa da A., por não ser dona e legitima proprietária do prédio rústico descrito na CRP sob o n.º …. e inscrito na matriz predial sob o artigo …;
- arguindo a “excepção” da subtracção do encargo de ceder passagem, manifestando intenção de adquirir o prédio encravado pelo seu justo valor, nos termos do artigo 1551.º, n.º 1 do Código Civil;
- impugnando parte da factualidade alegada, por o prédio identificado pela A. ter servidão de passagem por outros prédios rústicos, o que permite estabelecer comunicação suficiente com via pública, sem excessivo incómodo ou dispêndio para a A., não havendo necessidade de constituição de qualquer nova servidão;
- defendendo que, ainda que se entenda que a A. tem direito a constituir servidão sobre o prédio dos RR. e que os mesmos não poderão subtrair-se ao encargo de ceder passagem, o modo e lugar de passagem deverá ser outro, por menos inconveniente para o prédio dos RR;
- defendendo que, a ser procedente a constituição de alguma servidão sobre o prédio dos RR., estes terão direito a uma indemnização agravada pela A., nos termos do artigo 1552.º. n.º 2 do Código Civil, a liquidar em execução de sentença;
- deduzindo reconvenção, pela qual formulam os seguintes pedidos:
«f) Que se reconheça aos RR. reconvintes o direito de preferência sobre o prédio rústico identificado no artigo 1º da P.I., substituindo-se A. na escritura de compra e venda, celebrada em 30 de novembro de 2005;
g) Que sejam a A. e o chamado condenados a entregarem o referido prédio aos RR., livre e desocupado.
h) Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que A., compradora, haja feito a seu favor em consequência da compra do supra referido prédio, designadamente o constante da inscrição de aquisição por compra, da apresentação 1 de 2005/12/05 e outras que esta venha a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem».
Sustentam tais pedidos, na seguinte factualidade:
- só com a citação da presente ação, os RR. tiveram conhecimento que U vendeu à A. o prédio rústico descrito na CRP de …. sob o n.º …. e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …., que é inferior à unidade de cultura;
- U e/ou a A. nunca notificaram os RR. ou os seus irmãos comproprietários para exercício de qualquer direito de preferência, enquanto proprietários confinantes;
- ambos os prédios são aptos para o mesmo tipo de cultura;
- a A. compradora, à data da compra e venda, não era, nem é, proprietária de qualquer outro prédio confinante com o prédio adquirido.
Concluem que, nos termos previstos no art.º 1380.º, n.º 1, do CC, gozam do direito de preferência nos casos de venda de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinantes.
Atribuem à reconvenção o valor de €25.000,00, correspondente ao valor do preço da compra e venda celebrada entre a A. e o referido U.
1.4. A A. replicou, pronunciando-se pelo indeferimento da intervenção principal requerida, pela improcedência das excepções deduzidas e pela improcedência da reconvenção, alegando que caducou o direito de preferência que os RR. pretendem fazer valer e que a titular de tal direito era a herança aberta por óbito dos pais dos RR. e defendendo que o exercício pretendido deverá ter em conta o valor (justo) actual do prédio, e não o de 2005, acrescido das despesas e impostos respectivos.
1.5. Por despacho de 20.06.2022, foi indeferida a intervenção principal de U, com o seguinte fundamento «o pedido de declaração de nulidade do contrato de compra e venda apenas poderia ser deduzido em sede de reconvenção já que é um pedido diferente e não decorre do pedido do Autor, pelo que não tendo sido deduzido esse pedido, não poderá o Tribunal apreciar essa questão, e bem assim admitir como autor o chamado, uma vez que até decisão em contrário o prédio pertence ao Autor».
Os RR. contestantes, ainda, vieram requerer que o tribunal se pronunciasse sobre o pedido de intervenção provocada de U para intervier nos autos como reconvindo, por considerarem que, por manifesto lapso, ficou por apreciar tais fundamentos, mas sobre tal requerimento (de 27.06.2022) não recaiu qualquer despacho.
Do despacho que indeferiu a intervenção foi interposto recurso pelos RR. contestantes (em 15.09.2022), que foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (apenso A), sendo que, por despacho do respectivo relator, datado de 13.02.2022, foi decidido não conhecer do objecto do recurso e julgá-lo findo, por a decisão não admitir recurso, atento o valor da causa.
1.6. Foi, entretanto, realizada audiência prévia (em 21.11.2022), onde:
- a A. requereu a seguinte retificação «a constituição de servidão de passagem requerida na petição inicial localiza-se apenas sobre o prédio propriedade dos Réus B e C, descrito sob o artigo …, da freguesia …., Concelho de …., e inscrito na matriz sob os n.ºs ….» que, perante a não oposição dos RR., foi admitida;
- os RR. D, E, F e G foram julgados «parte ilegítima na presente ação, absolvendo-os do pedido, porquanto a servidão de passagem requerida não abrange imóvel dos quais estes sejam proprietários»;
- foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade activa;
- foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
1.7. Ainda na referida audiência e quanto à reconvenção deduzida, foi proferida a seguinte decisão:
«Pelo exposto, não sendo a reconvenção deduzida subsumível à previsão de qualquer uma das alíneas consagradas no n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil, julgo a mesma inadmissível, rejeitando, consequentemente, a reconvenção ora deduzida.
Trata-se de exceção dilatória inominada que importa a abstenção do conhecimento do pedido e determina a absolvição da Autora-Reconvinda da instância reconvencional, nos termos do artigo 278.º n.º 1 alínea e) do CPC».
1.8. Inconformado, apelou o A. (em 06.01.2023),
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