Acórdão nº 61/20.6T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-05-04

Ano2022
Número Acordão61/20.6T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 61/20.6T8PRT.P1
Comarca do Porto – Juízo de Família e Menores do Porto – Juiz 5
Apelação
Recorrente: AA
Recorrida: BB
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
A autora BB instaurou ação de divórcio, sem consentimento do outro cônjuge, contra o réu AA e, entre outras questões, suscitou o incidente da atribuição da casa de morada de família.
Alegou, em síntese, que o casal fixou residência numa habitação social, que inicialmente fora atribuída à mãe do réu.
Devido à renúncia por aquela ao direito à ocupação, o mesmo foi atribuído ao seu agregado familiar, pagando de renda a quantia mensal de 132,00€.
Acrescentou que não tem condições económicas para arrendar um imóvel e que o cônjuge tem maior capacidade económica para o efeito.
Pediu, a final, que lhe seja atribuída a casa de morada de família.
Realizou-se tentativa de conciliação, sem sucesso.
O réu, notificado para se opor ao pedido de atribuição da casa de morada de família, apresentou contestação, tendo alegado, em síntese, que a casa de morada de família é o local onde sempre viveu, desde os seus 16 anos de idade, antes e depois de casar com a autora, pretendendo ali continuar a viver, em regime de guarda partilhada, com os seus filhos.
Referiu ainda que a casa em questão foi a casa de morada da mãe e que esta lha “deixou” para si, acrescentando que a autora faz limpezas, não trabalhando mais porque não quer.
Concluiu, pedindo a improcedência da pretensão da autora e que o incidente seja decidido a seu favor.
Realizou-se audiência de produção de prova, com observância do formalismo legal.
Foi depois proferida decisão que julgou procedente, por provado, o incidente e, em consequência, determinou a concentração na autora, BB, da posição jurídica de arrendatária no contrato que tem como objeto o imóvel sito na Rua ..., ..., Porto, assim lhe atribuindo o direito à casa de morada de família.
Simultaneamente foi julgado improcedente o pedido formulado pelo réu AA.
Inconformado com o decidido interpôs recurso o réu que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
I) O presente recurso tem por objeto a douta sentença, proferida a fls., do processo, que julgou procedente o pedido da Apelante de atribuição da casa morada de família.
II) Sucede que a indicação dos meios de prova e fundamentação da convicção do julgador devem ser feitas com clareza, objetividade e discriminadamente, mas tal não sucedeu na sentença proferida pelo Tribunal a quo.
III) Na página 3, da sentença, pode ler-se o seguinte:
“B) Factos não provados: Com interesse para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos que vão para além dos dados como provados, designadamente, os constantes: - dos arts. 29, 30 e 31 da contestação.”
IV) Daqui não se consegue apreender se os factos constantes dos artigos 29, 30 e 31 não tinham interesse para a boa decisão da causa ou se o Tribunal os considerou não provados.
V) Caso se entenda que o Tribunal os considerou não provados, a fundamentação é, senão omissa, obscura, violando o disposto no art. 607. °, n.°4, do Código de Processo Civil, e as als. a) e b) do nº1 do art. 640º do Código de Processo Civil.
VI) Verifica-se que a matéria de facto compreendida na sentença recorrida limitou-se a enumerar os factos provados, sem praticamente nenhuma referência aos factos não provados, não concretizando os meios de prova que determinaram aquela decisão, sendo que a omissão de tal formalidade legal tem manifesta influência no exame e decisão da causa, quer para efeitos de impugnação, quer do seu julgamento.
VII) Acresce que na Motivação, a Meritíssima Juiz a quo referencia que “Os depoimentos referidos foram conjugados com todos os documentos juntos aos autos, os quais foram analisados e ainda com as declarações de parte”.
VIII) Sucede que na Audiência de Julgamento não houve declarações de parte.
IX) Assim sendo, e se não era a essas declarações de parte que o Tribunal a quo se refere, deveria, em concreto, indicar a que declarações de parte se refere e qual o seu conteúdo.
X) Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no art.° 607.°, n.º4, do Código de Processo Civil, cometeu-se uma nulidade processual prevista no art.° 195.°, n.°1, do Código de Processo Civil.
XI) Assim, por efeito da nulidade processual, justifica-se a anulação da sentença e de todos os atos subsequentes, nos termos do art. 195.°, n.°2, do Código de Processo Civil, nulidades essas que aqui se arguem para todos os efeitos legais.
Todavia e sem prescindir,
XII) O presente recurso tem por objeto a douta sentença, proferida a fls., do processo, que julgou procedente o pedido da Apelante de atribuição da casa morada de família.
XIII) O Ponto 12, dos factos dados como provados refere que: “O Requerido é pintor de automóveis, ganhando a quantia mensal líquida de cerca de 1.019,00 euros (cfr. recibo de fls. 38, 41 e 42 aqui dado por inteiramente reproduzido).”
XIV) Este ponto está incorreto, uma vez que aquele valor, de Eur.1.019,00, não é a quantia mensal líquida que aufere o Recorrente, mas sim Eur.854,40 (oitocentos e cinquenta e quatro euros e quarenta cêntimos), conforme recibo de fls. 38, 41 e 42, do processo, e as declarações do Apelante na Informação sobre Audição Técnica Especializada, datada de 01 de Fevereiro de 2021, uma vez que só se pode considerar o rendimento base, sem incluir prémios e subsídios por horas extra, na medida em que estes são rendimentos variáveis, que o Recorrente não aufere todos os meses.
XV) Assim, no entender do Recorrente, a decisão que deve ser proferida sobre a concreta questão de facto impugnada é a de se considerar provado e passar a fazer-se constar do Ponto 12, dos Factos Provados, o seguinte:
“O Requerido é pintor de automóveis, ganhando a quantia mensal líquida de cerca de Eur. 854,40 (cfr. recibo de fls. 38, 41 e 42 aqui dado por inteiramente reproduzido).”
XVI) No Ponto 15 dos factos dados como provados consta que: “A casa de morada de família, inicialmente, em data não concretamente apurada, foi atribuída à mãe do progenitor, CC, a qual, por já ali não habitar e tal ter sido denunciado à Câmara Municipal, subscreveu a declaração de fls. 19 e o documento de fls. 15.”
XVII) Na verdade, deveria acrescentar-se o seguinte: “A casa de morada de família, inicialmente, em data não concretamente apurada, mas não há menos de 25 anos, foi atribuída à mãe do progenitor, CC (…)”, conforme depoimento da testemunha CC Gravação n.º 20211026144905_15625620_3995019, minuto 2:58 ao 3:13 e Gravação n.º 20211026144905_15625620_3995019, minuto 12:00 ao 12:23, e depoimento da testemunha DD, Gravação 20211026151517_15625620_3995019, minuto 1:49 a 1:58.
XVIII) Atendendo a que o Apelante tem, atualmente, 45 anos (vide Informação sobre Audição Técnica Especializada, datada de 01 de Fevereiro de 2021) e considerando o depoimento das testemunhas, dúvidas não restam, de que não há menos de 25 anos, foi atribuída à mãe do progenitor, a casa de morada de família.
XIX) A decisão que deve ser proferida sobre a concreta questão de facto impugnada é, pois, de se considerar provado e passar a constar do Ponto 15, dos Factos Provados, o seguinte:
“A casa de morada de família, inicialmente, em data não concretamente apurada, mas não há menos de 25 anos, foi atribuída à mãe do progenitor, CC, a qual, por já ali não habitar e tal ter sido denunciado à Câmara Municipal, subscreveu a declaração de fls. 19 e o documento de fls. 15.”
XX) Por outro lado, foram dados como não provados os factos constantes dos artigos 29, 30 e 31 da contestação apresentada pelo Recorrente.
XXI) Contudo, resulta da prova produzida, mormente, o seguinte facto: “A Autora só não faz mais horas de trabalho, preenchendo o dia, porque a mesma assim não quer”, que resulta do depoimento da testemunha EE, Gravação 20210914151747_15625620_3995019, minuto 12:14 a 14:06.
XXII) Tendo por base as declarações acima citadas, o Recorrente entende que deve ser dado como provado o seguinte facto:
“A Autora já teve várias propostas de emprego, designadamente do fundo de desemprego, e não aceitou.”
XXIII) Além das alterações da fundamentação de facto constante na douta sentença, deveriam ainda ter sido considerados outros factos relevantes, por serem pertinentes para a boa decisão da causa.
XXIV) Assim, devia constar o seguinte facto: “o Réu vive na casa que agora é a casa morada de família, desde os seus 16 anos.”
XXV) Tal informação foi referida pelo Recorrente e consta do Relatório de Informação sobre Audição Técnica especializada da Segurança Social (parágrafo 10) junto aos autos, e é corroborada ainda pelo depoimento da testemunha CC, Gravação n.º 20211026144905_15625620_3995019, minuto 11:15 a 12:23.
XXVI) Tendo em conta os mencionados meios de prova, importa aditar à fundamentação o seguinte facto: “O Réu vive na casa que agora é a casa morada de família, desde os seus 16 anos.”
XXVII) Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1793.º do Código Civil “Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.”
XXVIII) Por seu turno, rege o n.º 2 do artigo 1105º do Código Civil que “Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, tendo em conta a necessidade de cada um, os interesses dos filhos e outros fatores relevantes.”
XXIX) Temos, assim, três critérios legais que devem ser analisados, in casu, para aferir qual [dos] ex-cônjuges deve ficar com casa morada de família, a saber: (i) as necessidades de cada um dos cônjuges, e (ii) o interesse dos filhos do casal; (iii) outros fatores relevantes.
XXX) Diga-se, desde já, que o Tribunal a quo apenas
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