Acórdão nº 606/20.1TXPRT-G.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 21-02-2024

Data de Julgamento21 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão606/20.1TXPRT-G.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 606/20.1TXPRT-A.P1
Data do acórdão: 21 de Fevereiro de 2024


Desembargador relator: Jorge M. Langweg
Desembargadora 1ª adjunta: Elsa Paixão
Desembargador 2º Adjunto: João Pedro Pereira Cardoso

Origem: Tribunal de Execução das Penas do Porto - Juízo de Execução das Penas do Porto

Acordam, em conferência e por maioria, os juízes acima identificados da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos, em que figura como recorrente o recluso AA;


I - RELATÓRIO

1. Por decisão datada de 25 de Setembro de 2023, foi proferida nos autos principais uma decisão de não concessão de liberdade condicional ao recluso acima referido.

2. Inconformado com tal decisão, este interpôs recurso da mesma, terminando a motivação com as conclusões a seguir reproduzidas:

“I. O ora Recorrente vem interpor recurso da, aliás, Douta, Sentença que proferida pelo Tribunal de Execução das Penas – Juízo de Execução das Penas do Porto – Juiz 4, datada de 25.09.2023 e notificada ao Condenado ora Recorrente a 27.09.2023, decidiu-se não colocar o Condenado AA em liberdade condicional ao meio da execução da pena aplicada;

II. O Condenado, por não se conformar com a decisão proferida, que considera infundada e arbitrária, pretende recorrer da mesma no sentido da decisão proferida ser revogada e substituída por outra que lhe conceda a liberdade condicional uma vez que é possível prognosticar que o mesmo não voltará a delinquir;

III. Considera o Condenado que em matéria de prevenção geral, muito embora seja inquestionável a gravidade do crime pelo qual foi condenado, não se vislumbram aqui especiais preocupações nessa matéria, a não ser as normais para casos deste tipo, as quais, porque apenas centradas na gravidade objetiva do crime cometido, tiveram já a sua avaliação em sede própria, isto é, aquando da análise da culpa e das penas inerentemente aplicadas;

IV. As preocupações em sede de prevenção foram já devidamente refletidas na condenação e na concreta pena aplicada, não podendo preconizar-se aqui uma dupla punição da conduta;

V. Como bem se vê, a questão central do recurso é o preenchimento dos requisitos de natureza material estabelecidos no artigo 61.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal, que o Condenado, ao invés do Tribunal a quo, considera que se devem dar como verificados;

VI. Considera o Condenado que o Tribunal recorrido não avaliou convenientemente o seu processo de reintegração, a evolução da sua personalidade e comportamento, e que tais elementos permitem um claro juízo de prognose positivo, pelo que a decisão que não concede a liberdade condicional ao ora Recorrente viola de forma ostensiva o estatuído no artigo 61.º, n.º 2, alíneas a) e b) do C.P.P.;

VII. A natureza do crime pelo qual foi o Recorrente condenado e as abstratas necessidades de prevenção geral e especial não permitiam a recusa da liberdade condicional, devendo, pois, a decisão ora colocada em crise ser substituída por outra que conceda a liberdade condicional, impondo, caso assim se entenda necessário, quaisquer regras de conduta ou o regime de prova;

VIII. Resulta do teor da, aliás Douta Sentença que o juízo probatório alcançado pelo Tribunal fundou-se na análise global e sistemática das certidões recebidas do processo de condenação, do certificado de registo criminal, dos relatórios elaborados pelos Serviços de Reinserção Social e Prisional de Educação (com as fontes neles indicadas), dos esclarecimentos resultantes da reunião do Conselho Técnico e das declarações prestadas pelo Condenado em sede de audição, com a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação e de convicção;

IX. Com a devida vénia, não nos parece que efectivamente assim tenha ocorrido pelo que o ora Recorrente considera a sentença infundada e arbitrária, que não releva o comportamento francamente positivo que o condenado tem vindo a demonstar em reclusão, pretendendo que a decisão proferida seja revogada e substituída por outra que lhe conceda a liberdade condicional uma vez que é possível prognosticar que o mesmo não voltará a delinquir;

X. Já, em matéria de prevenção geral, muito embora seja inquestionável a gravidade do crime pelo qual foi o Recorrente condenado (trafico de droga), não se vislumbram especiais preocupações nessa matéria, a não ser as normais para casos deste tipo, as quais, porque apenas centradas na gravidade objetiva do crime cometido, tiveram já a sua avaliação em sede própria, isto é, aquando da análise da culpa e das penas inerentemente aplicadas;

XI. O instituto da liberdade condicional deve ser entendido, não como uma recompensa por boa conduta prisional mas, antes, como um auxílio e incentivo ao condenado, através da criação de um período de transição entre a prisão e a liberdade, que lhe permita uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais, necessariamente enfraquecida pelo período de reclusão suportado.

XII. Na verdade, trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).

XIII. A liberdade condicional depende de pressupostos formais e materiais, sendo que no plano formal, e nos termos do artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal, o tribunal coloca o condenado em prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se: - a) for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social;

XIV. A respeito do primeiro dos referidos pressupostos substanciais (a viabilidade de um juízo de prognose favorável em relação ao condenado, no sentido de que este, caso seja colocado em liberdade condicional, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes), há que considerar a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo.

XV. Ora, face à factualidade dada como provada, não se vislumbra onde poderão radicar acentuadas necessidades de prevenção especial no presente caso.

XVI. É que pese embora a interiorização do desvalor das condutas, que o Recorrente assumiu, embora explicasse que tal se deveu à sua dependência de drogas e para assegurar o seu consumo, o facto ter o Recorrente ter “(...) construído adequada percepção da censurabilidade da sua conduta criminosa (...)”, de ser notado “(...) no decurso da sua reclusão esforço, conseguido, de manutenção de hábitos de trabalho (o que já se verificava depois da prática do crime e antes da reclusão – cfr. 4) e de auto-contenção (denotada no bom comportamento prisional, designadamente na ausência de registos disciplinares), bem como o de abstinência do consumo de drogas (que, como resulta do sumariado em 1, esteve relacionado com a prática do crime).”, o facto de beneficiar “(...) de sólidos suporte e motivação familiar e aptidão e experiência laboral em diversas áreas, factores que facilitarão o seu reingresso normativo a meio livre.”, considerou o tribunal a quo que não obstante o “(...) enquadramento familiar favorável à motivação para a abstenção da prática de crimes, o que não se revelou bastante para que não praticasse o que motivou a condenação em execução (...)”.

XVII. A reflexão autocrítica efectuada pelo para Recorrente sobre a conduta criminosa e suas consequências são indispensáveis para uma cabal interiorização do desvalor da conduta e, como tal, essenciais para que se conclua que o Condenado está munido de um relevante inibidor endógeno, como acreditamos ser o caso, e que o Condenado, ora Recorrente, está efectivamente determinado e empenhado em trilhar um caminho normativamente correcto.

XVIII. É evidente o percurso francamente positivo do Recorrente no período da sua reclusão, a que inevitavelmente se terá de associar o interiorizar da justeza da sua condenação e o arrependimento e remorsos sentidos, deverá anotar-se ainda que os aspetos que se prendem com a maior ou menor interiorização e/ou autocrítica, já se vêm revelando ainda antes da condenação e reclusão do Recorrente, como aliás acaba o tribunal a quo por reconhecer;

XIX. Será caso disso o facto do Recorrente já ter uma proposta de trabalho em Faro, cfr. 18 da matéria dada como provada), e de afirmar sem qualquer pudor que irá residir para Faro, e que “não vou voltar para onde andava”.

XX. Neste preciso ponto, cumpre anotar o percurso francamente positivo do condenado no período da sua reclusão (se bem que anteriormente o Acordão condenatório já referia, por exemplo, o facto manutenção de hábitos de trabalho depois da prática do crime e antes da reclusão) e o apoio de que beneficia no exterior e no seio da sua família, tratando-se de aspectos que o tribunal aflorou de uma forma um tanto discreta e apenas para anotar que os mesmos não se sobrepunham aos que considerava adversos, como seja o facto do Recorrente ter praticado um crime quando beneficiava de enquadramento familiar favorável à motivação para a abstenção da prática de crimes;

XXI. O Recorrente revela-se assíduo e empenhado na execução das tarefas laborais que lhe foram atribuídas;

XXII. Beneficiou, com êxito, de três licenças de saída jurisdicional (à data da prolação da decisão já tinha gozado mais uma licença do que as duas referidas na sentença);

XXIII. Absteve-se de consumo de...

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