Acórdão nº 605/17.0T8AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-05-04

Ano2022
Número Acordão605/17.0T8AVR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 605/17.0T8AVR.P1
Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 3
Apelação
Recorrente: “S..., Unipessoal, Lda.”
Recorridos: AA e BB
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
A autora “S..., Unipessoal, Lda.” intentou ação declarativa na forma comum contra os réus AA e BB.
Alega, em síntese, que é proprietária de um imóvel. O gerente, à data, CC, sem conhecimento da única sócia da sociedade, DD, realizou uma escritura na qual hipotecou aquele imóvel para garantir um mútuo que a ré alegadamente lhe concedeu.
Mais tarde, o marido da ré, na qualidade de representante da autora (isto porque naquela escritura o gerente passou-lhe procuração), realizou uma dação em cumprimento com a ré na qual o referido imóvel foi a esta entregue para pagamento da quantia mutuada.
Todavia, quem emprestou o dinheiro, em termos usurários, foi o réu e não a ré. Além disso, a quantia não foi emprestada à autora, mas sim a uma outra empresa na qual o gerente da autora era colaborador directo (C...).
Deste modo, este negócio não é válido, pois não faz parte do objeto social da autora garantir empréstimos de terceiros. Por outro lado, houve abuso de representação por parte do gerente. Além disso, aquele negócio foi simulado, pois o mútuo não foi feito pela ré nem concedido à autora, tendo visado prejudicar esta última.
Acresce que a supra referida procuração é nula nos termos do art. 252º do Cód. das Sociedades Comerciais. Além de que nessa procuração se atribuiu um poder que excede o objeto social da autora.
Por outro lado, não existiu qualquer deliberação social que permitisse a constituição da hipoteca. A ata que existe a este respeito contém uma assinatura falsificada de EE.
Por fim, os réus tomaram posse do imóvel sem título para tal, tendo-se apoderado do recheio, não devolvendo à autora os bens que o integram. Além disso, privaram a autora de usar o imóvel o que lhe causou prejuízo.
Pede assim o seguinte:
Nestes termos, deve a acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência, ser:
a)- declarado nulo o contrato de mútuo com hipoteca identificado nos arts. 1º e 2º desta p.i, com as legais consequências, e condenados os R.R. a assim reconhecerem;
b)- declarado nula e/ou ineficaz em relação à autora, a ata identificada nos arts. 65º e 68º desta p.i. e que consta do doc. nº 17 que se junta, com as legais consequências, e condenados os R.R. a assim reconhecerem;
c)- declarada ineficaz e/ou nula a procuração identificada nos arts. 28º, 29º e 30º desta p.i. e que consta do doc. nº 15 que se junta, com as legais consequências, e condenados os R.R. a assim reconhecerem;
d)- declarado nulo o contrato de dação em pagamento identificado no art. 6º desta p.i., com as legais consequências, e condenados os R.R. a assim o reconhecerem;
e)- ordenado o cancelamento das inscrições registrais alusivas à hipoteca e à dação em pagamento aludidas nos arts. 1º, 2º, 5º e 6º desta petição, a expensas dos R.R.;
f)- os R.R. condenados a restituírem à A. o imóvel descrito no art. 2º desta p.i., bem como todos os móveis descritos no art. 76º e todos os outros que componham o recheio do imóvel aludido no art. 2º desta p.i. e se vierem a provar existir, no estado de conservação que os mesmos apresentavam na data da escritura mencionada no art. 6º, ou caso os mesmos já não existam, serem condenados os R.R. a pagar à A. o respetivo valor, acrescido de juros de mora a contar da citação até integral pagamento;
g)- os R.R. condenados a pagar à A. a quantia de 30.000,00 €, já vencida e liquidada, de indemnização por privação do uso do imóvel descrito no art. 2º, nos termos referidos supra no art. 81º, bem como a pagar, pelo mesmo motivo, à A. as quantias que se vencerem até à entrega efetiva do imóvel do art. 2º, calculados nos mesmos termos mencionados no art. 81º, acrescidas de juros de mora à taxa legal, a contar da citação e até efetivo e integral pagamento;
h)- os R.R. condenados a pagar à A. a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença por todos os danos que a A. sofreu e sofrerá ainda e não são ainda passíveis de liquidação, a que se alude no art. 83º desta p.i., acrescida de juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento;
i)- tudo com as demais consequências legais;
j) - serem os R.R. condenados nas custas.
Citados, os réus contestaram alegando, em síntese, que EE e DD são filhos de CC. Este sempre se apresentou como o dono da autora e da “C...” e que, por dívidas que tinha, não podia ter nada em seu nome. De facto é ele quem dirige todas as sociedades. Todas as escrituras correspondem à realidade e os negócios são válidos. Os móveis que a autora alega não são seus.
A autora respondeu mantendo o alegado.
Foi proferido despacho saneador, onde se considerou o réu parte legítima, se definiu o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Foi depois proferida sentença que absolveu os réus dos pedidos.
Inconformada com o decidido interpôs recurso a autora que finalizou as suas alegações com as seguintes – e muito extensas - conclusões:
I- A douta sentença proferida nos autos decidiu erradamente, tanto do ponto de vista da matéria de facto que julgou provada ou não provada, como do ponto de vista do direito aplicável.
II- Reapreciando o Tribunal ad quem a prova gravada produzida na audiência de julgamento e conjugando-a com a documentação existente no processo, está certa a recorrente que procederá às alterações à matéria de facto dada como provada e não provada, nomeadamente considerará os pontos 15, 19, 21, 22, 23 e 24 dos factos dados como provados na sentença como não provados e os factos considerados não provados e elencados sob as alíneas a), b), e), f) e g) na mesma, como provados.
III- Na verdade, o testemunho prestado pelas testemunhas da A. e restantes foi tratado pelo tribunal a quo como credível no que a prejudica e não credível no que a beneficia.
IV- Não é despiciente considerar, na apreciação e valoração da prova, designadamente da testemunhal, o nível cultural (baixíssimo) das (principais) testemunhas, o período pandémico e seu reflexo, o uso de máscaras e que a factualidade em causa já remonta a 8 anos atrás.
V- O ponto 15 da matéria dada como provada, no que respeita à referência de que o R. marido emprestou dinheiro ao CC para aplicar na sociedade C..., não está de acordo com a prova produzida.
VI- Com efeito, o tribunal a quo reconhece a dado passo na sentença proferida que os empréstimos do R. eram para as “C...” e não para o CC, o que, de resto, ficou demonstrado pelos documentos juntos pela A. (cheques), todos ou grande parte dos alegados empréstimos efetuados à C... (inclusivamente o mútuo colocado em crise nos presentes autos) estavam titulados por cheques/garantia emitidos pela mesma ou foram pela mesma pagos através de cheques seus ou de entregas em dinheiro daquela sociedade e não do CC.
VII- Nesse sentido, vão também os depoimentos das testemunhas FF (depoimento gravado desde as 11h33m e 50 segundos até 11h40 m e 06 segundos, com especial relevo a parte do mesmo gravado desde o minuto 01:47 até ao minuto 03:38), CC (depoimento gravado desde as 17h 47m e 54 segundos até às 14h 53m e 44 segundos, com relevo para a parte do mesmo gravado desde o minuto 01:00 até ao minuto 04:31 e desde o minuto 06:56 até ao minuto 07:11) e GG (depoimento gravado desde as 15h 14m e 28 segundos até às 15h 29m e 09 segundos, com relevo o trecho do mesmo desde o minuto 11:37 até ao minuto 13:29).
VIII- Quanto ao ponto 19 da matéria dada como provada, encontra-se o mesmo incorretamente julgado, afigurando-se de grande importância para permitir o desenvolvimento do raciocínio doutrinal e jurídico sobre a qualificação dos atos e institutos com referência a conhecimento e responsabilidade pelos mesmos, nomeadamente, em matéria de ilicitude e má-fé, razão pela qual discorda a apelante do texto e das considerações tecidas sobre este ponto pelo tribunal a quo.
IX- Neste consta como provado que “…As escrituras e procuração supra elencadas foram acompanhadas/assessoradas profissionalmente pelo mandatário dos RR. e a pedido do CC, este advogado remeteu uma minuta de acta de assembleia geral.” e na explicação subsequente, desvalorizando-o, o Meritíssimo Juiz a quo refere-o como se tratando de algo instrumental.
X- Desse entendimento discorda a recorrente, uma vez que a assessoria jurídica por parte de quem se encontra devidamente habilitado para tal (o advogado) consubstancia uma efetiva verificação e autoria na escolha, controlo e verificação de todos os atos que formalizaram os contratos.
XI- O mandatário escolhido foi-o pelos R. R. e não por CC, que o mandataram para tratar de tudo o que fosse preciso para que tudo corresse pelo melhor (para eles RR.) – o que resulta do depoimento de parte da Ré BB, gravado com início às 10:39:46h e fim às 11:07:21h, minuto 10:48 ao minuto 11:06, minuto 11:39 ao minuto 11:48, minuto 13:00 ao minuto 13:02, minuto 16:57 ao minuto 17:12, minuto 26:38 ao minuto 26:49 e minuto 26:50.
XII- Com efeito, foi o mandatário dos RR. quem definiu a minuta e conteúdo da ata da assembleia, logo, os poderes que deveriam constar da procuração, foram especificamente determinados e/ou determinantes (em razão) desta, nada tendo resultado do depoimento das testemunhas ouvidas que o CC tenha instruído ou determinado seja o que for a tal mandatário.
XIII- A intervenção e acompanhamento do advogado no tratamento do assunto é de suma importância no conhecimento que os RR. tiveram da situação relevante de tudo o que teve a ver com a A., o negócio e suas diversas variantes e implicações e, nomeadamente, em matéria de
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