Acórdão nº 602/22.4T8SLV-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-06-15

Ano2023
Número Acordão602/22.4T8SLV-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. AA, co-executado nos autos de execução em que é exequente 321- Instituição Financeira de Crédito, SA., deduziu oposição à execução, por embargos, invocando a ineptidão do requerimento executivo – por falta de alegação de factos essenciais para que o embargante possa exercer o contraditório – a falta de leitura e explicação do pacto de preenchimento da livrança dada à execução, a falta de conhecimento do incumprimento e de interpelação para o pagamento, e que com a cessão de quotas, com renúncia à gerência, de que foi dado conhecimento à exequente, o novo sócio aceitou o activo e passivo da sociedade subscritora, concluindo, assim, que existe uma resolução nessa qualidade de sócio à continuação da garantia prestada.
A respeito da ineptidão do requerimento executivo, alegou que a exequente não identificou qual o contrato celebrado, a data da celebração, o montante do financiamento, os montantes já liquidados, as condições contratuais e o objecto do contrato, a duração e o número de prestações vencidas e quando se venceram as prestações alegadamente não pagas.

2. A exequente contestou os embargos, alegando que, sendo o título uma livrança, não estava obrigada a alegar os factos referentes à relação subjacente, pelo que não se verifica a ineptidão do requerimento executivo. No mais, impugnou a alegada falta de interpelação e o preenchimento abusivo do título e, bem assim, a alegada desvinculação do executado da garantia prestada.

3. Foi designada data para realização da audiência prévia “com vista às finalidades previstas no n.º 1 do artigo 591.º do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 732.º n.º 2, parte final, do mesmo diploma legal …”.
Porém, esta diligência não se realizou, tendo sido proferido o seguinte despacho:
«O Tribunal agendara audiência prévia na presente acção para o próximo dia 29 de Setembro pelas 15 horas.
Todavia, posteriormente, veio a tomar conhecimento de que terá de ausentar-se …, não tendo condições para assegurar a presidência da diligência.
De qualquer modo, os autos já contêm todos os elementos para decisão e o contraditório foi assegurado, não sendo aconselhável o reagendamento da diligência atento o desnecessário protelamento no andamento do processo.
Assim sendo, e pelos fundamentos expostos, dá-se sem efeito a diligência marcada e dispensa-se o reagendamento da audiência prévia, ao abrigo do disposto no artigo 597.º alínea c) do Código de Processo Civil, passando a proferir, de imediato, despacho saneador escrito.»

4. Neste contexto, foi, então, proferido saneador-sentença, no qual se decidiu:
«Pelos fundamentos acima expostos, o Tribunal julga procedente a presente oposição à execução mediante embargos do Executado e, em consequência, absolve-o da instância executiva por ineptidão do requerimento executivo no que toca à liquidação da obrigação».

5. Inconformada, interpôs a exequente o presente recurso, que motivou e concluiu nos termos e com os fundamentos seguintes:
1.ª O Embargante/Recorrido apresenta a sua defesa por excepção, alegando, para o efeito, a ineptidão do requerimento executivo.
2.ª Afirma que a Exequente, aqui recorrente, não alega os “factos essenciais” para que o executado possa exercer o seu direito ao contraditório.
3.ª Em sede de Contestação, a Embargada/Recorrente pronunciou-se, alegando que não tinha obrigação legal de o fazer, uma vez que o título executivo vale por si só, cfr. artigo 703.º n.º 1 c) do CPC.
4.ª Contudo, na exposição que acompanha o requerimento executivo fá-lo, nomeadamente no que concerne ao n.º de contrato, a data de incumprimento, a data de interpelação e a data de resolução do mesmo.
5.ª O Tribunal a quo, após ter agendado a audiência prévia, decidiu cancelar a mesma e proferiu despacho saneador-sentença.
6.ª Alegando, para o efeito, a ineptidão do requerimento executivo, invocando inverdades claras, pois resulta claramente dos articulados e dos documentos juntos com o requerimento executivo e com a contestação aos embargos, os termos e condições do contrato celebrado,
7.ª Como por exemplo o n.º de prestações, o valor das mesmas, taxa de juros, indexante, etc.
8.ª Ou quantas prestações foram pagas, e a partir de quando se registou incumprimento.
9.ª Ou ainda em que data se deu o vencimento antecipado de todas as prestações em dívida, e qual era o valor de capital em dívida, nesse momento.
10.ª No que concerne à interpelação para o cumprimento do contrato e à resolução do mesmo, a Embargada junta as respectivas cartas.
11.ª Pela análise da carta de interpelação (documento n.º 2 junto com o requerimento executivo), poderá verificar-se que estão visíveis as prestações em divida, o valor em divida e a identificação do contrato.
12.ª No que concerne à carta de resolução (documento n.º 3) encontra-se igualmente informação referente ao valor em divida.
13.ª Sem prejuízo de, em sede de Contestação, a Embargada, aqui recorrente, ter junto o contrato de mútuo ora identificado, onde são visíveis todas as condições contratuais.
14.ª Contrariamente ao referido pelo tribunal “a quo”, os “factos essenciais” aparentemente omissos, estão presentes em sede de requerimento executivo e de Contestação.
15.ª Ainda que assim não se entendesse, sempre se dirá que o Tribunal a quo alega a ineptidão do requerimento executivo com base na al. c) do n.º 2 do artigo 186.º CPC.
16.ª Ora, não se verifica a falta do pedido/causa de pedir.
17.ª Bem como não se verifica a ininteligibilidade dos mesmos.
18.ª Por outro lado, tendo decidido através de despacho saneador-sentença, o Tribunal a quo, além de ter invocado fundamentos que, por tudo o quanto foi exposto, não são verdadeiros, também violou o princípio do contraditório (art. 3.º n.º 3), pois a Embargada nem sequer teve a possibilidade de se defender quanto ao alegado.
19.ª O próprio tribunal “a quo”, num primeiro momento e muito bem, decidiu designar a realização de uma audiência prévia “Com vista às finalidades previstas no n.º 1 do artigo 591.º do Código de Processo Civil”.
20.ª Porém, devido a um impedimento da Sra. Juiz titular, o tribunal “a quo” deu sem efeito essa mesma diligência, passando desde logo a proferir saneador-sentença.
21.ª Se o tribunal “a quo”, ao designar a audiência prévia, tinha já em mente questionar a ora recorrente com vista a esclarecer as suas dúvidas, era obrigatória, face ao impedimento acima referido, reagendar essa mesma diligência.
22.ª É o próprio tribunal que, no despacho que designa a audiência prévia, refere (de forma ampla) que o seu objectivo enquadra-se em todas as alíneas do n.º 1 do artigo 591.º do CPC.
23.ª Ora, as questões (em nosso entender, totalmente infundadas) que o tribunal “a quo” considera que não estão esclarecidas, cabem perfeitamente nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 591.º
24.ª É incompreensível e inconcebível o sucedido nestes autos, com a marcação de uma audiência prévia com o objectivo fixado pelo tribunal e, passados poucos dias, ser a mesma dada sem efeito e ser proferido saneador/sentença!
25.ª Não há, de facto, melhor exemplo de uma decisão surpresa, o que é totalmente proibido no nosso ordenamento jurídico – cfr. n.º 3 do artigo 3.º do CPC
26.ª Por conseguinte, a sentença proferida pelo tribunal “a quo” constitui, na sua totalidade, uma decisão surpresa, que, como tal, é nula, nulidade que expressamente se invoca.
27.ª Deste modo, deverá ser alterada a decisão judicial objecto de recurso, substituindo-a por outra que agende a Audiência Prévia, como inicialmente havido sido decidido pelo Tribunal a quo.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e o saneador/sentença proferido ser revogado, ordenando-se que o Tribunal “a quo” designe nova data para Realização da audiência prévia, para os termos e efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 591.º do Código de processo civil, fazendo-se assim inteira Justiça!!!

6. Não se mostram juntas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir se ocorre ineptidão do requerimento executivo e se a decisão proferida constitui decisão surpresa.
*
III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. 321 - Instituição Financeira de Crédito, S.A.(Embargada) veio instaurar acção executiva contra Padeiros de Emoções Unipessoal, Lda. e AA (Embargante), com vista à cobrança coerciva da quantia de € 11.310,63.
2. Fundamentou a sua pretensão na livrança constante dos autos de execução, no valor de € 11.214,77, vencida a 22 de Dezembro de 2021, assinada pelo
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