Acórdão nº 601/22.6T8VRL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-05-25

Ano2023
Número Acordão601/22.6T8VRL-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

Nos autos de Processo Especial para Acordo de Pagamento, em que é requerente BB, de que os presentes são apenso, por despacho de 17/03/2022, foi nomeado Administrador Judicial Provisório o Dr. AA.

A 28/07/2022 foi junto aos autos Plano de pagamento cujo integral teor se dá aqui por reproduzido.

A 09/08/2022 foi proferida decisão homologatória do plano.

A 11/08/2022 veio o Sr. AJP requerer a junção aos autos do cálculo da remuneração variável, no valor de € 13.053,00, requerendo a sua fixação e pagamento, nos seguintes termos:

A – Remuneração variável em função da situação líquida

1. Situação liquida (30 dias após a homologação do PEAP) 10 403,14€
SL=Ativo+CP-Passivo (total de créditos reclamados)
SL= 175 712,73€ + 30 114,26€ - 195 423,85€ = 10 403,14€
2. Alterações introduzidas pelo Plano:
(…)
2.12. Total das alterações introduzidas pelo Plano 0,00€
(somatório de 2.1. a 2.11)
3. Situação líquida 30 dias após homologação
(cf. a) do n.º 4 do art.º 23º) 10 403,14€
4. Remuneração variável sobre a situação líquida (10% x3.) sem IVA 1 403,31€
5. Taxa de IVA (…) 23%
6. Remuneração variável sobre a situação líquida (10% x3.) Com IVA 1 279,59€
6. Pagamento
6.1. Primeira prestação (50%): no momento da aprovação do Plano (n.º 3 do art.º 29º) 639,79€
6.2. Segunda prestação (50%): 2 anos após a aprovação do Plano
(n.º 3 do art.º 29º) 639,79€

B – Remuneração variável em função da satisfação dos créditos
7. Créditos reclamados e admitidos 195 423,85€
8. Grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos
8.1. Valor 191 437,56€
8.2. Percentagem 97,96%
9. Majoração decorrente da satisfação dos créditos (com IVA) 11 773,41€

C – Total remuneração variável do processo ( com IVA) [A6+B9] 13 053,00€

10. Valor remuneração variável (com IVA) 13 053,00€
10.1 Valor já recebido 0,00€
10.2. Valor a receber 13 053,00€

Alegou para tanto que foi nomeado a 18/03/2022, esteve encarregue de várias tarefas que elenca, nos termos do art.º 23º n.º 1 do EAJ tem direito a uma remuneração fixa no valor de € 2.000,00 e. além disso, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo tem direito a uma remuneração variável, em função dos resultados da recuperação do devedor, cujo valor é calculado com base nos créditos a satisfazer e por 10% da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano especial para acordo de pagamento do devedor.

Foi ordenada a notificação do devedor e dos credores para se pronunciarem.

O requerente BB veio dizer que, tendo em consideração o número de credores (6) e o curto espaço de tempo em o processo correu (4 meses), a remuneração fosse fixada em € 1.500,00

A 16/11/2022 foi proferido o seguinte despacho:
“ (…)

Cumpre apreciar e decidir:

Analisados os cálculos efectuados pelo Sr. administrador judicial provisório, constata-se que o mesmo teve em consideração as normas previstas no Estatuto do Administrador Judicial (EAJ), com as alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022 de 11 de Janeiro. Neste contexto, importa fixar a remuneração do Sr. administrador judicial provisório, o que obrigará, entre o mais, a analisar e aferir da bondade dos critérios e cálculos efectuados pelo mesmo.
Desde logo, cumpre decidir se, na fixação da remuneração devida ao administrador judicial provisório, serão aplicáveis as normas em vigor antes, ou depois das introduzidas pela Lei nº 9/2022 de 11 de Janeiro. Para tanto, importa relevar que, por força do disposto no artigo 12º do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro e ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. Ali se prevendo igualmente que, quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Ora, tendo presente os referidos princípios gerais, caberá ainda relevar que o legislador previu um regime transitório, no artigo 10º da Lei nº 9/2022 de 11 de Janeiro, ali dispondo que a referida Lei, será imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor, sem prejuízo das ressalvas ali consignadas (onde não se incluem as alterações ao EAJ). Afigurando-se-nos assim, que o legislador, de forma expressa, dispôs directamente sobre o conteúdo da relação jurídica em causa, abstraindo dos factos que lhe deram origem. Outrossim, efectivamente, as alterações ao regime remuneratório dos administradores judiciais, introduzidas pela Lei nº 9/2022 de 11 de Janeiro, serão imediatamente aplicáveis aos processos que ainda estivessem pendentes à data da sua entrada em vigor e onde ainda não tivesse sido fixada a remuneração, pelo que, cumprirá fixar a remuneração devida ao Sr. administrador judicial provisório, de harmonia com o referido novo regime remuneratório. Com efeito, nos termos conjugados pelo disposto nos artigos 23º nº 1 e 29º nº 2, do Estatuto do Administrador Judicial, o administrador judicial provisório, em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência, nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos actos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de €2.000,00, a qual é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação, mas nunca após a data de encerramento do processo, resultando desta forma ser inequívoco que ao Sr. AJP é devida tal remuneração fixa.
*****
Na verdade, o que suscita mais dúvidas é se lhe serão igualmente devidos todos os montantes reclamados a título de remuneração variável.

Vejamos:

Nos termos do disposto no artigo 23º nº 4 do EAJ, o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: a) 10 % da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5; b) 5 % do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.
Naturalmente, que, para tais efeitos, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência, em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano (artigo 23º nº 5 do EAJ).
Aqui chegados, assume-se como inequívoco, que o valor concreto a encontrar, correspondente aos referidos 10%, dependerá do que se deva entender por resultado da recuperação, conceito que o legislador repetiu em ambos os nºs 4 e 5 da referida disposição legal, mas que não delimitou com a necessária objectividade ou precisão.
Na interpretação das referidas normas aplicáveis, teremos de nos nortear pelos critérios de interpretação constantes do artigo 9º do Código Civil, tomando como certo que, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas deverá reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Mas acima de tudo, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Assim, afigura-se-nos que, na interpretação a dar ao que se deverá entender por resultado da recuperação, não se poderão desconsiderar quais as finalidades que subjazem ao PER, PEAP e Plano de Insolvência, no âmbito de uma insolvência já declarada, designadamente que os mesmos visam possibilitar que o requerente/insolvente prossiga a sua actividade, com a consequente restrição dos direitos dos seus credores (incluindo dos que não reclamaram créditos), no pressuposto da sua viabilidade económica e financeira, apenas alcançável por via do plano de recuperação, sendo inequívoco que a recuperação do requerente/insolvente, será tanto maior quanto maior forem as restrições dos direitos dos credores previstas no plano, já que, será precisamente por via de tais restrições, que aquele obterá o necessário desafogo económico e financeiro e como tal a sua recuperação total e plena, sendo em função da medida de tal recuperação, que o legislador visará remunerar de forma acrescida o administrador judicial.
Deste modo, resulta da leitura conjugada pelos nºs 4 e 5, do artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial, levando em consideração a unidade do sistema jurídico, que o valor correspondente a 10% da situação líquida do devedor, terá por medida precisamente a diferença entre o valor total dos créditos reconhecidos e o valor de tais créditos resultante da execução do plano de recuperação. Sem que a referência à situação líquida se reporte a qualquer conceito contabilístico ou se procure através dele reflectir a diferença entre o activo e o passivo, uma vez que, tal conceito seria apenas aplicável às sociedades comerciais, quando na verdade o legislador de forma deliberada...

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