Acórdão nº 601/15.2T8MTS-L.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-11-28

Ano2022
Número Acordão601/15.2T8MTS-L.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 601/15.2T8MTS-L.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Matosinhos – Juízo de Família e Menores, Juiz 1
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
*

SUMÁRIO
………………………………..
………………………………..
………………………………..
*

I- RELATÓRIO

AA instaurou no Cartório Notarial de Matosinhos o presente inventário, na sequência de divórcio, para partilha dos bens comuns do dissolvido casal, sendo requerida BB.
Nomeada a requerida como cabeça-de-casal, a mesma apresentou relação de bens, vindo a ser realizada, em 1 de março de 2019, conferência de interessados, sendo que, no seu início, se deixou consignado que «feita a interpelação, verificou-se estarem presentes o Ilustre Mandatário do requerente, o Sr. Dr. CC, a procuradora substabelecida do credor Banco 1..., a Sr.ª Dr.ª DD, cujo substabelecimento juntou aos autos, no presente dia, sob o nº... e os Ilustres Mandatários da cabeça de casal, o Sr. Dr. EE e a Sr.ª Dr.ª FF, ambos os mandatários sem poderes especiais, pelo que foram advertidos que não poderiam intervir na mesma, por estarem desprovidos de mandato com poderes especiais e tendo ainda sido inquiridos se pretendiam agir como gestores de negócios da requerida, ao que responderam ambos de forma perentória “não”.
Assim do rol dos ausentes fazem parte os interessados BB, AA e o Ilustre Mandatário da credora, o Sr. Dr. GG».
Entretanto os interessados fizeram uso da faculdade prevista nos arts. 12º e 13º da Lei nº 117/2019, de 13.09, em consequência do que foram os autos remetidos ao Juízo de Família e Menores de Matosinhos.
Notificada dessa remessa, a requerida apresentou, em 8 de novembro de 2021, requerimento suscitando a nulidade da conferência de interessados, por preterição do princípio da igualdade, alegando, em suma, ter sido impedida a sua intervenção nessa diligência, por falta de poderes especiais para o efeito dos seus mandatários, tendo, no entanto, sido admitida a intervenção dos mandatários do interessado AA, os quais também não dispunham de poderes especiais para o ato em causa.
Cumprido o contraditório, o interessado AA pronunciou-se no sentido de não ser atendida a invocação do referido vício processual, posto que tal decisão se encontra abrangida pelo caso julgado, na medida em que já foi judicialmente apreciada, juntando para o efeito a respetiva sentença.
Conclusos os autos, foi proferida, em 22 de fevereiro do corrente ano, a seguinte decisão: «[A]ntes do mais, consigna-se que a sentença junta a estes autos não respeita à matéria ora invocada pela cabeça-de-casal, antes respeitando (para o que ora interessa) à discussão acerca da decisão do sr. Notário sobre a existência ou não de poderes especiais dos mandatários da cabeça-de-casal para arguir nulidades e irregularidades durante a conferência de interessados, por não serem questões que se ancorem na norma que exige a existência de poderes especiais para participar naquela diligência.
Com efeito, aqui discute-se da preclusão do direito da cabeça-de-casal a intervir na conferência, através dos seus mandatários, por falta de poderes especiais, por contraponto com a admissão a intervir dos mandatários do interessado, também sem poderes especiais; ali, naqueloutra ação, discutia-se da possibilidade de arguir nulidades e irregularidades sem procuração com poderes especiais.
Isto posto, apreciemos então da questão aqui levantada. Como é sabido, o artigo 1110.º, do Código de Processo Civil determina, tal como o determinava o artigo 1352.º do mesmo diploma, mas na redação anterior à reforma de 2013, que os interessados se podem fazer representar na conferência de interessados «por mandatário com poderes especiais».
Quis, com esta norma, o legislador exigir cautelas acrescidas nestes atos, fazendo depender a intervenção dos representantes dos interessados neste ato da concessão de poderes específicos (leia-se: concretos) para o efeito.
Sucede que, no caso dos autos, os mandatários da cabeça-de-casal tinham poderes gerais e os do interessado tinham poderes gerais e especiais, mas não para representar o mandante em conferência de interessados. Contudo, foi permitida a intervenção destes e impedida a daqueles, porquanto entendeu o sr. Notário que os poderes contidos na procuração dos mandatários do interessado, sendo especiais, seriam suficientes.
Ora, se tivessem intervindo os mandatários de ambas as partes, ainda que sem poderes especiais para o efeito, o ato poderia ter sido, ou vir a ser, ratificado nos termos conjugados do disposto nos artigos 44.º, 45.º e 48.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Contudo, o que aconteceu foi que duas partes em igualdade de circunstâncias – na medida em que nenhuma se encontrava presente e os respetivos mandatários presentes na conferência não dispunham de poderes especiais para o efeito – foram tratadas de forma distinta, sendo permitida a intervenção, com apresentação de propostas para adjudicação de bens (móveis e imóveis), a um e precludido esse direito a outro.
Em face de tal disparidade de tratamento, que ditou e influenciou em absoluto a decisão/desfecho da causa, outra não pode ser a conclusão do Tribunal que não seja a de que a conferência de interessados padece de nulidade, não tanto por falta de poderes, mas por violação do princípio da igualdade, na modalidade da igualdade de armas, pedra angular do Estado de Direito democrático.
Padece, então, a conferência de interessados de nulidade, que contamina todo o ato, devendo assim ser repetido, tal como os atos subsequentes que dele dependem, pois a apresentação de propostas – e a preterição da possibilidade de apresentação de outras pela cabeça-de-casal –, determinou a marcha subsequente dos autos.
Nulidade esta que se determina ao abrigo dos artigos 4.º e 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 1.º, 13.º, 18.º, da Constituição da República Portuguesa».
Não se conformando com o assim decidido, veio o interessado AA interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir em separado e com efeito suspensivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

1. Vem o presente recurso interposto do douto Despacho de 22.02.2022, com a ref.ª electrónica 433652473, restringido à parte dispositiva que decretou a nulidade da Conferência de Interessados realizada no dia 01 de Março de 2019- no Cartório Notarial de Matosinhos, do Notário Dr. HH-, e a nulidade de todos os actos subsequentes, o qual opera uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas.
2. O Tribunal não podia conhecer dessa questão, desde já, porque as nulidades processuais produzidas durante a tramitação do inventário notarial carecem de ser arguidas perante a entidade que as praticou e que dirige as diligências do processo de Inventário, ou seja, o Notário, e apenas a decisão daquela entidade que sobre elas vier a recair pode ser objecto de recurso judicial, ou mais rigorosamente, de impugnação judicial de decisão não judicial mas sujeita ao controlo jurisdicional, o que a cabeça de casal, requerida, não fez.
3. Nem a requerida, cabeça de casal, ou seus Ilustres Mandatários, vieram arguir perante o Sr. Notário, a preclusão do direito daquela a intervir naquela Conferência, através dos seus Mandatários, por falta de poderes especiais, quando o podiam e deviam ter feito, e assim se impunha, nem mesmo tal questão foi arguida pela requerida, no recurso interposto do despacho proferido pelo Sr. Notário, em 14.03.2019, tramitado pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Família e Menores de Matosinhos- Juiz 1, sob o processo n.º 5594/19.4T8MTS, e doutamente decidido por sentença de 19.12.2019, transitada em julgado.
4. Todas as decisões que sejam tomadas pelo notário (salvo, logicamente, aquelas em que se tenha ressalvado o direito às acções competentes), de que não havendo recurso ou, tendo-o havido, sejam confirmadas, consideram-se definitivamente resolvidas, isto e, transitam em julgado, dentro e fora do processo.
5. Não se pode suprimir a obrigação da parte de arguir a nulidade perante o Cartório Notarial onde a nulidade foi cometida e nem mesmo depois perante os Tribunais onde interpôs o recurso e reclamação e vir agora suscitar a sua apreciação e decisão apenas perante o
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT