Acórdão nº 60/19.0PBSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-06-28

Data de Julgamento28 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão60/19.0PBSTB.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos autos com o NUIPC 60/19.0PBSTB, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Local Criminal de … – Juiz …, foi proferido despacho, aos 09/02/2023, que revogou a suspensão da execução da pena de sete meses de prisão aplicada ao arguido AA e determinou o seu cumprimento em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, com autorização para se ausentar nos dias e horas necessários às deslocações de e para os locais onde tenha de obter/recolher documentação com vista ao efectivo exercício da sua actividade profissional de contabilista, devendo, com a antecedência mínima de três dias, comunicar à Equipa de Vigilância Electrónica da DGRSP o período de ausência de que possa necessitar para realizar tais deslocações e respectivos local ou locais, para que essa deslocação seja avaliada e eventualmente autorizada.

2. O arguido não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões (transcrição):

1 – Verificando-se que o recorrente não incumpriu de forma culposa a condição a que se encontrava obrigado para que fosse mantida a suspensão da pena de prisão de 7 meses em que foi condenado, nem tão pouco o tendo feito sem qualquer justificação atendível, pois que foi ao Tribunal dado conhecimento da situação de impossibilidade material por parte de recorrente para o fazer. Verificando-se igualmente, que tal omissão não resultou de desinteresse ou prática voluntária por parte do recorrente para se eximir ao referido pagamento, estando, total e expressamente, na disposição de cumprir de imediato o pagamento do montante de 400,00€, atendendo a melhoria das suas condições.

2 – Atendendo ainda ao facto de ter o recorrente adotado já práticas corretivas e preventivas de futuras práticas ilícitas induzidas pelo excessivo consumo de álcool, conforme acima explanado, considera o recorrente estarem reunidas condições e protegidas as finalidades de preventivas gerais e especiais, para a manutenção da suspensão da pena de prisão de 7 meses aplicada, mediante o imediato cumprimento da condição imposta.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. VENERANDOS DESEMBARGADORES, que aqui expressamente se invoca, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida que determina a revogação da suspensão da pena de prisão de 7 meses e, bem assim, determinando a manutenção de tal suspensão.

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu à motivação de recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

5. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:

Nada obstando ao conhecimento do recurso, emite-se parecer no sentido da sua improcedência, sufragando na íntegra a bem fundamentada resposta da Magistrada do Ministério Público na primeira instância, com os aditamentos que seguem.

Como é sabido, não são considerações de culpa que interferem na decisão de suspensão da execução da pena de prisão, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.

A suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição, e as finalidades das penas de substituição são exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa. A culpa tem a ver com o momento de determinação da medida da pena e já não com a escolha da espécie de pena (v. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crimes, pág. 331 e ss.), sendo a principal finalidade politico-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, isto é, estão em causa essencialmente interesses de prevenção especial.

"A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer "correcção", "melhora" ou - ainda menos - "metanoia" das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como se exprime Zift, uma questão de "legalidade" e não de "moralidade" que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o "conteúdo mínimo" da ideia de socialização, traduzida na "prevenção da reincidência" - Figueiredo Dias, idem, págs.343 e 344.

Tal como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 2010, proferido no âmbito do processo n.º 279/06.4GBOAZ.P1, in www.dgsi.pt, a jurisprudência tem vindo a acentuar que a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado – cfr. Acórdãos do STJ de 2002/Jan./09 (Recurso n.º 3026/01-3.ª) e 2007/Out./18, (Recurso n.º 3185/07) divulgados, respetivamente, em http://www.stj.pt e www.colectaneadejurisprudência.com)].

É a reação penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vetores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).

Porém, outros dos seus vetores é a proteção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a proteção da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adotar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).

Na proteção dos bens jurídicos, será igualmente de destacar que a reação penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).

Pretende-se, assim, dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido, através do mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica [Acórdão do STJ de 2007/Set./26, (Recurso n.º 2579/07), acessível em www.colectaneadejurisprudência. com].

Daí que, muitas vezes, e sobrepondo-se à ressocialização, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude reiterada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais relevantes de um Estado de Direito Democrático.

Embora funcione como medida de substituição, não pode ser vista como forma de clemência legislativa, pois constitui autêntica medida de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos (cfr. preâmbulo do Código Penal de 1982), adequada a afastar o delinquente da criminalidade e à devida proteção aos bens jurídicos postos em causa (cfr. Acórdãos do S.T.J. de 9/4/2008, SJ20080409008255, e de 11-01- 2001, proc. n.º 3095/00-5, in www.dgsi.pt).

Posto isto, no caso dos autos, por sentença transitada em julgado em 09.11.2020, o arguido foi condenado como autor material, pela prática de um crime de Condução de Veículo em Estado de Embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano com o dever de entregar a quantia total de € 400,00 a instituição, sendo € 200,00 até ao meio do período da suspensão e € 200,00 até ao seu final, devendo comprová-lo documentalmente nos autos em ambas as ocasiões

O prazo de suspensão da execução da pena de prisão decorreu em 09.11.2021.

O arguido não cumpriu a condição de suspensão da execução da pena de prisão, invocando ter estado sem trabalho e rendimentos e, após se encontrar a trabalhar e auferir rendimento mensal, manifestando o propósito de o fazer.

E conforme consta do Certificado de Registo Criminal junto aos autos (fls.166 a 173), o arguido foi julgado e condenado nos seguintes processos pela prática de factos ocorridos durante o período de suspensão de execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos:

- No âmbito do Proc.º Abreviado n.º 33/21.3…, do Juízo Local Criminal de … – Juiz …, por sentença proferida em 26.03.2021, confirmada parcialmente por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, transitado em julgado 11.01.2022 (cfr. Ref.ª Citius …), foi condenado pela prática, em 08.01.2021, como autor material na forma consumada de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez do art.º...

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