Acórdão nº 6/23.1GAMUR.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19-03-2024

Data de Julgamento19 Março 2024
Ano2024
Número Acordão6/23.1GAMUR.G2
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. - RELATÓRIO

1. - No Juízo Local Criminal de Vila Real - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, no âmbito do processo n.º 6/23...., em 08.05.2023 foi proferido despacho judicial mediante o qual foi decidido rejeitar o requerimento de abertura de instrução deduzido pela assistente, Junta de Freguesia ....

2. - Não se conformando com tal decisão, veio a identificada assistente interpor recurso, nos termos que constam do respetivo requerimento e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, formulando, no termo da motivação, as seguintes conclusões e petitório [transcrição[1]]:
«1. Notificada da decisão de rejeição do requerimento de abertura de instrução apresentado, e com ela não se conformando, a Assistente dela vem interpor RECURSO, por legalmente admissível.
2. Com o devido respeito, não pode a Assistente, ora recorrente, deixar de recorrer desta decisão, por entender que a mesma não promove a devida justiça.
3. A recorrente impugna, assim a decisão de rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado, por violação do artigo 287º, nº 2 e n.º 3 do Código Processo Penal.
4. Por se verificar que o requerimento de abertura de instrução obedece aos requisitos previstos na lei e por essa razão, deve ser admitido liminarmente.
5. Por se verificar que o requerimento de abertura de instrução obedece ao disposto no artigo 283 nº 3, al. b) e c) do Código Processo Penal.
6. A Assistente ora Recorrente no seu requerimento de abertura de instrução nos termos do disposto no artigo 287º n.º 2 e 3 do CPP, expôs as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação.
7. A Assistente, no seu requerimento fez uma descrição fáctica com indicação precisa dos factos que a mesma considera estarem indiciados, integradores tanto dos elementos objetivos como dos elementos subjetivos do crime de dano qualificado, pelo que, constando do requerimento de abertura de instrução todos os elementos necessários, quer os factos quer os fundamentos para que à Arguida possa vir a ser aplicada uma pena, dele resultando bem claro o objeto da instrução.
8. A recorrente fez referência expressa a factos demonstrativos de que a Arguida atuou com conhecimento e vontade de realização dos elementos do crime e consciência da censurabilidade da sua conduta perante o dever-ser jurídico-penal.
9. Porque, aquilo que se pretendia demonstrar com o requerimento de abertura de instrução era o preenchimento do elemento subjetivo, na medida em que foi essa a causa de rejeição identificada no despacho recorrido.
10. Mais indicou as disposições legais aplicáveis aos factos em apreço.
Tendo desse modo a Assistente, descrito os elementos objetivos e subjetivos do ilícito típico pelo qual a Assistente pretende a pronúncia do arguido denunciado.
11. Concretizando os factos que permitirão aferir da verificação do elemento subjetivo do ilícito típico pelo qual ao arguido devia ser imputado o crime denunciado.
12. A Assistente observou os requisitos das alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283 do CPP, pois narrou os factos que integram o crime, cumprindo desse modo o princípio do acusatório, tendo desse modo obedecido à boa disciplina processual, e observou os valores essências do processo penal, com a delimitação inequívoca do objeto do processo penal.
13. Fixou o objeto do processo, traçando os limites dentro dos quais se haveria de desenvolver a atividade investigatória e cognitiva do Digno Juiz de Instrução.
14. Razão pela qual deve a decisão recorrida, de rejeição do requerimento de abertura de instrução ser substituída por outra, que declare a aberta a instrução requerida, por legalmente admissível.
NESTES TERMOS,
Deve a decisão de rejeição do requerimento de abertura de instrução, ser revogada e substituída por outra que admita a abertura da instrução, por legalmente admissível, ordene a realização dos atos instrutórios requeridos, bem como o obrigatório debate instrutório por forma aferir da pronúncia ou não da Arguida, pois só assim se realiza JUSTIÇA e se faz cumprir a Lei.»

3.1 - A Ex.ma Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância apresentou a sua contra motivação, concluindo, a final:

«a) A recorrente vem interpor recurso do despacho de indeferimento do requerimento de abertura de instrução proferido nos autos.
b) Para tanto vem alegar, em síntese, que naquele despacho considerou-se que o requerimento de abertura de instrução era omisso, em relação aos factos que preencheriam o crime imputado, bem como não eram descritas as circunstâncias de tempo e de lugar em que os mesmos teriam sido praticados.
c) Salienta a assistente que o requerimento de abertura de instrução apenas pode ser rejeitado nos termos do disposto no art.°287°, n° 3 do C.P.P.. não se verificando, na sua perspectiva, o preenchimento de qualquer das hipóteses ali previstas.
d) Mais refere que no requerimento de abertura de instrução estão indicados todos os factos objectivos e subjectivos, que preenchem o crime de dano qualificado imputado à arguida.
e) Por isso, o requerimento de abertura de instrução apresentado nos autos respeita o preceituado no art.° 287°. n°2 e art.° 283°. n°3. ais. b) e c), ambos do C.P.P..
f) Na perspectiva da recorrente, o despacho recorrido viola o disposto nos art°s 69°, n°2, al. a), 287°, n°s 2e 3 e 286°, todos do C.P.P. bem como o disposto no art.° 200 da C.R. Portuguesa.
g) O objectivo da assistente é o de levar a arguida a julgamento por factos pelos quais o Ministério Público não deduziu acusação — v. artigo 287°, n° i, alínea b), CPP., uma vez que se entendeu, durante a fase de inquérito, que a arguida não teria agido com dolo.
h) Efectivamente, do requerimento de abertura de instrução devem estar descritos todos os elementos típicos do crime que se imputa ao arguido, quer os elementos objectivos, quer os elementos subjectivos, sem a verificação dos quais não existe punição de acordo com o princípio “nulla poena sine culpa”.
i)Revertendo ao caso concreto, constata-se que, no requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente, a enunciação factual objectiva se mostra quase inteiramente omissa sem que se mostre minimamente esboçada em termos de circunstâncias de tempo, modo e lugar.
j) Razão pela qual aquele requerimento foi rejeitado, nos termos e com os fundamentos que sustentam aquele despacho.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto.
Mantendo-se o despacho recorrido nos termos sugeridos, só assim se fazendo JUSTIÇA!»

3.2 - Nomeado defensor oficioso à arguida, Sociedade de EMP01..., Lda., na sequência do determinado em decisão sumária proferida neste Tribunal, aquela não apresentou resposta ao recurso.

4. - Neste Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu fundamentado parecer, no sentido de que o recurso não merece provimento.

5. - Foi cumprido o estatuído no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta ao predito parecer.

6. - Colhidos os vistos e realizada a conferência, em consonância com o estatuído no artigo 419º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir.
*
II. – FUNDAMENTAÇÃO

1. - Delimitação do objeto do recurso

Decorre do preceituado no artigo 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal que o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões – deduzidas por artigos –, já que é nelas que o recorrente sintetiza as razões – expostas na motivação – da sua discordância com a decisão recorrida.
Contudo, o tribunal de recurso está, ainda, obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afetem o recorrente, nos termos dos artigos 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, do mesmo diploma, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito [cfr. Acórdão do Plenário das Secções do STJ n.º 7/95, de 19.10.1995, e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 10/2005, de 20.10.2005[2]].
O objeto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior são, assim, definidos e delimitados pelas referidas questões, umas, suscitadas pelo recorrente, e, outras, de conhecimento oficioso[3].

Assim, no presente recurso a questão a apreciar consiste em saber se o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente deve ser rejeitado por não respeitar os requisitos legais exigíveis.

2. - São as seguintes as incidências processuais relevantes:
2.1 - A decisão objeto de recurso [transcrição]:
«Não se conformando com o arquivamento formulado nos autos, veio a assistente requerer a abertura de instrução, em ordem a que, a final, seja proferido despacho de pronúncia contra o arguido.
O fim da instrução é a de comprovação judicial da decisão da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento - cfr. o disposto no art. 286º, nº 1, do Código de Processo Penal -, isto é, da comprovação da existência de indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente - art. 283º, nº1, do Código de Processo Penal.
No caso de o requerimento de abertura instrução ser deduzido pelo assistente deverá atender-se ao previsto nas alíneas b) e c) do nº 3 do art. 283º do Código de Processo Penal - cfr. art. 287º, nº 2 do mesmo diploma legal.
Ora, assim sendo, o requerimento de abertura do assistente deverá configurar uma verdadeira acusação, assim fixando o objecto do processo, devendo da mesma constar factos que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação de que o...

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