Acórdão nº 5964/22.0T8MTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 15-01-2024

Data de Julgamento15 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão5964/22.0T8MTS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Procº nº 5964/22.0T8MTS.P1

Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1378)
Adjuntos: Des. Germana Ferreira Lopes
Des. Eugénia Pedro





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:



I. Relatório

O Autor, AA, intentou contra as RR. (habilitadas) A... EU, LLC e A... Internacional Holdings, LLC com sede nos Estados Unidos da América ( sócias liquidatárias da primitiva ré A... Portugal), ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo que a condenação destas no pagamento ao A. do montante de 28.500,00€, acrescido de juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Para tanto alegou que:
O contrato de trabalho do Autor caducou no dia 30 de setembro de 2022, no âmbito do processo de encerramento total e definitivo da Ré, tendo esta proposto pagar-lhe a compensação por caducidade prevista no artigo 366º, por força do disposto no artigo 346º n.º 5, ambos do Código do Trabalho, sem prejuízo dos direitos adquiridos até 31 de outubro de 2012 e/ou 30 de setembro de 2013, ou seja, conforme previsto na Lei n.º 23/2012, de 25 de junho e na Lei 69/2013, de 30 de agosto, respetivamente, assim propondo-lhe o pagamento, a título de compensação pela caducidade do seu contrato de trabalho sem termo, a quantia de 12.340,18€;
À data da cessação do seu contrato de trabalho, exercia as funções referentes à categoria de técnico de informática, auferindo uma retribuição base ilíquida de 2.500,00€;
A Ré, em 17 de março de 2020, através de circular entregue ao Autor e aos demais trabalhadores, informou que se tinha filiado na Associação Empresarial dos Sectores Elétrico, Electrodoméstico, Fotográfico e Electrónico (AGEFE), pelo que a partir de 01 de abril de 2020, os trabalhadores passavam a estar abrangidos pela convenção coletiva de trabalho publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 5, de 08 de fevereiro de 2017.
Em 26 de maio de 2017, foi publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 102, a Portaria n.º 174/2017, Portaria de extensão do contrato coletivo entre a AGEFE-Associação Empresarial dos Sectores Eléctrico, Electrodoméstico, Fotográfico e Electrónico e a FEPCES-Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros;
Tal CCT foi objeto de alterações publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 25, de 8 de julho de 2019 e no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 44 de 29 de dezembro de 2021, havendo, em 21 de março de 2022, sido publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 56, a Portaria n.º 117/2022, Portaria de extensão das mencionadas alterações.
Dispõe a alínea a), do n.º 1 da cláusula 76.ª do CCT que: “1- O trabalhador terá direito à indemnização correspondente a um mínimo e 30 dias de retribuição mensal efectiva por cada ano, ou fracção, de antiguidade, não podendo ser inferior a 3 meses, nos seguintes casos: a) Caducidade do contrato por motivo de morte do empregador, extinção ou encerramento da empresa;”
Assim, atenta tal clª, tem o A. direito a receber da Ré, pela caducidade do seu contrato de trabalho, o montante que resultar do cálculo de 30 dias de retribuição mensal efetiva por cada ano, ou fração, de antiguidade, ou seja, tem direito ao montante de 28.500,00€ e não ao de €12.340,18, calculado de acordo com o previsto no artigo 366º do Código do Trabalho, como pretende a Ré.

A Ré contestou alegando que: o montante da compensação devida ao A. é a prevista no art. 366º do CT, e não a constante da clª 76ª do CCT, uma vez que as fontes de direito inferior não podem prevalecer sobre as fontes de direito superior, ainda que sejam, aquelas, mais favoráveis, dispondo o n.º 1 do artigo 339.º do CT que “O regime estabelecido no presente capítulo não pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por contrato de trabalho, salvo o disposto nos números seguintes ou em outra disposição legal.”;
O art. 366.º do CT (ex vi artigo 346.º, n.º 5 do CT), que determina a forma de cálculo da compensação por despedimento coletivo, está abrangida pela imperatividade do regime da cessação do contrato de trabalho prevista no artigo 339.º, n.º 1 do CT, não podendo e ser derrogada por IRCT por se tratar de uma compensação e não de uma indemnização.
A cláusula 76.ª da CCT em apreço é, assim, nula por contrariar uma norma legal imperativa, nomeadamente as disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 3 do artigo 339.º e do artigo 366.º do Código do Trabalho.
A CCT entre a AGEFE e a FEPCES não foi celebrada em 08 de fevereiro de 2017 (BTE n.º 5, de 08/02/2017), mas sim, em 15 de maio de 1988 (BTE n.º 18, de 15/05/1988), tendo as cláusulas 76.ª e 111.ª sido introduzidas na versão publicada em 08 de outubro de 2008 (BTE n.º 37, de 08/10/2008); na versão publicada em 08 de fevereiro de 2017 (BTE n.º 5, de 08/02/2017) a cláusula 76.ª, como a 113.ª (renumerada para 111.ª), assim como tantas outras não foram renegociadas ou objeto de alteração pelas partes signatárias, versão que simplesmente reproduziu o conteúdo das disposições que não tinham sido objeto de renegociação e de acordo de alteração e acrescentou as que foram objeto de renegociação e de acordo de alteração entre as partes. Ou seja, são cláusulas que são meramente reproduzidas em versões mais recentes por único exercício de consolidação do texto e não por haver um acordo expresso ou tácito dos seus signatários quanto ao seu conteúdo, o que equivale a que aquelas disposições sejam consideradas celebradas na data em que foram inicialmente negociadas e acordadas.
O artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, dispõe que: “São nulas as disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho celebrados antes da entrada em vigor da presente lei que prevejam montantes superiores aos resultantes
do Código do Trabalho relativas a: a) Compensação por despedimento coletivo ou de que decorra a aplicação desta, estabelecidas no Código do Trabalho; b) Valores e critérios de definição de compensação por cessação de contrato de trabalho estabelecidos no artigo anterior.
No mesmo sentido, dispõe o artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto, que “São nulas as disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho celebrados antes da entrada em vigor da presente lei que prevejam montantes superiores aos resultantes do Código do Trabalho, relativas: a) Ao disposto no n.º 2 do artigo 344.º, no n.º 4 do artigo 345.º e no artigo 366.º, ou sempre que esta disposição resulte aplicável, do Código do Trabalho, na redação conferida pela presente lei”.
As cláusulas 76.ª e 111.ª foram negociadas e introduzidas na versão publicada em 08 de outubro de 2008 (BTE n.º 37, de 08/10/2008). A versão publicada em 08 de fevereiro de 2017 (BTE n.º 5, de 08/02/2017) não contempla um acordo relativamente a tais clªs, sendo que a sua inclusão nesta publicação resulta do referido simples e único exercício de consolidação de texto, pelo que não é possível afirmar que as mesmas sejam disposições de uma IRCT celebrada posteriormente à entrada em vigor da Lei n.º
69/2013, de 30 de agosto;
A cláusula 76.ª prevista na versão publicada em 08 de fevereiro de 2017 (BTE n.º 5, de 08/02/2017), é, destarte, nula desde a entrada em vigor da Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto;
A forma de cálculo prevista no artigo 366.º do Código do Trabalho é, pois, a correta para as compensações devidas em virtude da cessação do contrato de trabalho da Autora, concluindo no sentido da improcedência da ação.

Foi proferido despacho saneador/sentença que decidiu nos seguintes termos:
“Na procedência parcial da pretensão do autor condeno a ré a pagar-lhe a quantia de € 26.421,25 (vinte e seis mil quatrocentos e vinte e um euros e vinte e cinco cêntimos) acrescida de juros de moral à taxa legal para as operações civis atualmente de 4% desde a citação até integral pagamento, no mais se absolvendo a ré.
Custas a cargo do autor e rés na proporção do decaimento.
Valor da ação: € 28.500,00.”

Inconformada, vieram as RR recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso tem por objeto o saneador-sentença proferido, em 14 de abril de 2023, pelo Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 1, na parte que julgou parcialmente procedente a ação, e, em consequência:
[…] condeno[u] a ré a pagar-lhe [ao Autor] a quantia de €26.421,25 (vinte e seis mil quatrocentos e vinte e um euros e vinte e cinco cêntimos) acrescida de juros de moral à taxa legal para as operações civis atualmente de 4% desde a citação até integral pagamento, no mais se absolvendo a ré.
B. Nos presentes autos, estamos perante a questão de saber qual o quantum indemnizatório aplicável a situação dos autos, designadamente por aplicação da cláusula 76º da CCT (Convenção Coletiva de Trabalho) celebrada entre a AGEFE e FEPCES publicada no BTE, n.º 5 de 8 de fevereiro de 2017, ou como defendem as Rés-Recorrentes por aplicação do n.º 1 do artigo 366.º do Código do Trabalho (na versão dada pela Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto).
C. Os IRCT não são uma fonte primordial de Direito que se sobrepõe ao Código do Trabalho.
D. As normas , pelo que não podem afastas a aplicação das normas que tenham carácter imperativo.
E. Foi intenção do legislador fechar à negociação coletiva ou individual o regime da cessação do contrato de trabalho, estabelecendo o artigo 339.º do Código do Trabalho a imperatividade deste regime.
F. O artigo 339.º do Código do Trabalho apenas permite que os IRCT estabeleçam valores quanto às indemnizações e sempre dentro dos limites do Código.
G. Como é consabido, o sentido jurídico da palavra “indemnização” não se confunde, nem se pode confundir, com o sentido jurídico dado à palavra “compensação”. As indemnizações são montantes devidos a um trabalhador correspondente a uma conduta ilícita e culposa do empregador (como, por exemplo, um despedimento ilícito), por seu turno as compensações são os montantes devido
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