Acórdão nº 596/20.0GCMTJ.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-02-07

Ano2024
Número Acordão596/20.0GCMTJ.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acórdão proferido na 3 a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

Nos presentes autos veio o Condomínio do Prédio sito na Rua ... - Alcochete, apresentar recurso do despacho que indeferiu a sua constituição de assistente e, consecutivamente a abertura de instrução por ilegitimidade.
Entende o recorrente que a jurisprudência deste Tribunal da Relação defende que o administrador do Condomínio tem legitimidade independentemente da deliberação da assembleia geral de condóminos para deduzir queixa-crime – art.º 1437º CC que confere legitimidade para agir em juízo quer contra qualquer dos condóminos quer contra terceiro.
Conclui assim pela legitimidade do condomínio para requerer a abertura de instrução pelo que deve o despacho em causa ser revogado e o condomínio ser admitido a constituir-se assistente na pessoa do seu administrador.
O tribunal a quo entende que o requerimento em causa não corresponde aos requisitos do art.º 287º CPP
Concluiu-se pelo arquivamento dos autos por inadmissibilidade legal do procedimento criminal e porque o prazo para apresentar queixa era de 6 meses.
O recorrente diz que a, contar da data em que o titular do direito de queixa teve conhecimento dos factos e dos seus autores, o prazo terminou a 23.04.2021.
Concluiu ainda que estão reunidos os requisitos para a abertura de instrução nos termos do disposto no art.º 287º CPP.
Pelo que deve ser ordenada a abertura de instrução.
*****
Pronunciou-se o MP em 1ª Instância entendendo que:
1-
A Mma JIC que rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado, por ilegitimidade e inadmissibilidade da abertura da instrução, ao abrigo do disposto no artigo 287º, nº 3 do Código de Processo Penal, em virtude de o recorrente não ser assistente nem ter legitimidade para assumir tal qualidade.
2-
Está aqui em causa queixa apresentada por Administração de condomínio contra a Administradora do Condomínio, que se apropriou e destinou indevidamente quantias monetárias entregues pelos condóminos e que se destinavam a fazer face às despesas comuns do prédio, dispondo de interesses alheios e administrando as obras “com grave violação de deveres” que lhe incumbiam.
3-
Os titulares do direito de se constituírem como assistentes são os condóminos ou a administração do condomínio se estivesse especialmente mandatada para o efeito pelos condóminos, o que aqui não aconteceu.
4-
Ainda que o aludido Condomínio do Prédio sito na Rua ..., Alcochete, tivesse legitimidade para requerer a sua constituição como assistente, o requerimento de abertura de instrução apresentado não cumpre os requisitos legalmente exigidos para a sua admissão, não elencando os factos imputados e a sua subsunção legal, não constituindo uma verdadeira acusação, como decorre do disposto no artigo 283, nº 3,als. b) ed) aplicável por força do artigo 287º, nº 2,ambos do Código de Processo Penal.
5-
Não é legalmente admissível a prolação de despacho de aperfeiçoamento, conforme acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/2005, publicado no DR, Série I-A, de 04/11/2005.
6-
Concluiu, bem, a Mma JIC que as deficiências evidenciadas constituem inadmissibilidade legal da instrução, previsto no artigo 287º, nº 3, do Código de Processo Penal, não tendo o referido despacho judicial violado qualquer norma jurídica ou omitido qualquer dever legal de fundamentação, devendo ser integralmente mantido.
7-
O douto despacho recorrido não violou qualquer uma das normas invocadas pelo recorrente ou outras, que cumpra conhecer, sendo válido e legal, pelo que se deve manter nos seus precisos termos, assim se fazendo,
****
Neste Tribunal de 2.ª Instância pronunciou-se a Exma. Procuradora Geral Adjunta pela improcedência do recurso na mesma linha defendida na 1ª Instância.
Do despacho recorrido resulta:
I. Da constituição como assistente
O Condomínio do Prédio sito na ... vem requerer, simultaneamente com o seu requerimento de abertura de instrução, de fls. 274 e ss., a sua constituição como assistente (fls. 381).
O Ministério Público e a arguida pronunciaram-se pelo indeferimento do requerido, a fls. 284 e fls. 287.
Cumpre apreciar.
No que concerne à legitimidade para se constituir assistente, importa ter em consideração, entre o mais, o artigo 68º, nº 1 do Código de Processo Penal, que estatui que “podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito:
a) Os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos;
b) As pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento;
c) No caso de o ofendido morrer sem ter renunciado à queixa, o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens ou a pessoa, de outro ou do mesmo sexo, que com o ofendido vivesse em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e adotados, ascendentes e adotantes, ou, na falta deles, irmãos e seus descendentes, salvo se alguma destas pessoas houver comparticipado no crime;
d) No caso de o ofendido ser menor de 16 anos ou por outro motivo incapaz, o representante legal e, na sua falta, as pessoas indicadas na alínea anterior, segundo a ordem aí referida, ou, na ausência dos demais, a entidade ou instituição com responsabilidades de proteção, tutelares ou educativas, quando o mesmo tenha sido judicialmente confiado à sua responsabilidade ou guarda, salvo se alguma delas houver auxiliado ou comparticipado no crime;
e) Qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção”.
Assim, e não sendo o caso de existir qualquer lei especial que confira ao requerente o direito de se constituir assistente, tal só poderia ocorrer se este fosse considerado ofendido, ou seja, titular do interesse que a lei especialmente quis proteger.
“Ofendido” para efeitos do artigo 68º, nº 1, al. a) do citado Código, e conforme é pacífico na nossa jurisprudência e doutrina, não é qualquer pessoa prejudicada com a consumação da infração, mas apenas e tão só o titular do interesse que constitui objeto jurídico imediato do crime, isto é, a pessoa que, segundo o critério que se retira do tipo legal preenchido pela conduta criminosa, detém a titularidade do interesse jurídico-penal por aquela violado ou posto em perigo, não se integrando no conceito de ofendido os titulares de interesses cuja proteção é puramente mediata ou indireta, ou vítimas de ataques que põem em causa uma generalidade de interesses e não os próprios e específicos daquele que requer a constituição como assistente.
Assim, para se aferir da admissibilidade de constituição de assistente, com referência a determinado crime, impõe-se indagar qual o(s) interesse(s) especialmente tutelado(s) pela norma que o tipifica e, bem assim, quem, pela infração viu, direta e imediatamente, o seu direito violado e sofreu, por isso, um dano.
No caso em apreço, há que ponderar relativamente aos crimes denunciados a proteção imediata, especial, de interesses patrimoniais, de que podem ser titulares entes públicos ou privados.
Com efeito, queixou-se a Administração do Condomínio que a arguida, enquanto então administradora do Condomínio, se apropriou e destinou indevidamente quantias monetárias entregues pelos condóminos e que se destinavam a fazer face às despesas comuns do prédio, dispondo de interesses alheios e administrando as obras “com grave violação de deveres” que lhe incumbiam.
Conforme preconizado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.05.2007 (Proc. nº 0740075), disponível in www.dgsi.pt, tais importâncias não integram um património autónomo que esteja afeto à Administração do Condomínio, nem são um bem comum para os efeitos do artigo 1421º do Código Civil, antes “continuam a ser propriedade dos condóminos ainda que na detenção da Administração do Condomínio para a sua aplicação na solvabilidade das despesas comuns, maxime, as aprovadas”.
Mais se lê no citado aresto que “É certo que, o administrador tem legitimidade para agir em juízo, designadamente contra terceiros, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia (art.º 1437.º, n.º 1, do Cód. Civil).
Só que nas funções que lhe são próprias (cfr. art.º 1436.º do mesmo diploma), não constam as de colaborar com o Ministério Público no exercício da acção penal, oferecendo provas, requerendo diligências, ou acusando independentemente daquele.
E a assembleia de condóminos só poderá validamente autorizá-lo a demandar, se o for por questões de propriedade ou posse de bens comuns. (…)
Por outro lado, “as funções da administração do condomínio, mesmo com os poderes que lhe são conferidos pela lei, têm sempre em vista o normal funcionamento dos edifícios submetidos ao regime de propriedade horizontal quanto à parte comum dos mesmos” (neste sentido cfr. o já citado Ac. desta Relação de 28/09/2005)”.
Deste modo, quer no que respeita às quantias entregues para fazer face às despesas, quer no que respeita às receitas, tais importâncias são propriedade dos condóminos e não da Administração do Condomínio.
E, consequentemente, afigura-se-nos que quem teria legitimidade para se constituir assistente seria o condómino por qualquer crime relacionado com o descaminho e/ou má gestão do dinheiro entregue para o pagamento de despesas comuns, e carece dessa mesma legitimidade o administrador (administração) do Condomínio – neste sentido, entre outros, veja-se acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 04.03.2010 (Proc. nº 824/09.3TALLE-A.E1), Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 16.05.2007
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