Acórdão nº 594/23.2GBLLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-11-21

Ano2023
Número Acordão594/23.2GBLLE.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I.
No processo sumário n.º 594/23.2GBLLE do Juízo Local Criminal de Loulé, Comarca de Faro, o arguido AA foi submetido a julgamento, após ter sido acusado da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo n.º 1, do art.º 292° e al. a), do n.º 1, do artigo 69°, todos do Código Penal.
Realizada a audiência, foi decidido, no que ora releva:
a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º, nº 1, do C. Penal na pena de 120 dias (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de €5,00 euros (cinco) euros
b) Determinar o desconto de 1 (um) dia no cumprimento da pena de multa aplicada ao arguido, nos termos do art. 80.º, n.º 2, do Código Penal, fixando-se a pena a cumprir em 119 (cento e dezanove) dias de multa, à taxa diária de €5,00 euros (cinco) euros.
c) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 8 (oito) meses, nos termos do art. 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.”

Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões:
A. O Recorrente, foi condenado, por facto praticado em 19 de maio de 2023, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 5,00€ (cinco euros).
B. Nos termos do artigo 80.º, n.º 2 do Código Penal, foi determinado o desconto de 1 (dia) no cumprimento da pena de multa aplicada, fixando-se, assim, a pena a cumprir em 119 (cento e dezanove) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 euros, o que perfaz um montante global de € 595,00 (quinhentos e noventa e cinco euros).
C. Foi também condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista e punida no artigo e 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, por um período de 8 (oito) meses.
D. O Recorrente acredita existirem factos relevantes para a decisão da causa, os quais não foram tidos em consideração.
E. Deviam ter sido consideradas as condições pessoais, sociais e económicas do Recorrente, as quais não foram tidas em apreço aquando da audiência de julgamento e prolação da Sentença.
F. Atualmente, o Recorrente encontra-se empregado, exercendo funções de Vendedor, na sociedade BB, S.A, NIPC 508 992 249.
G. O Recorrente, sob direção e orientação da sua entidade patronal, desempenha funções de venda de mercadorias, cabendo-lhe o contacto e deslocação aos clientes, a fim de vender os produtos comercializados pela sua entidade patronal.
H. O Recorrente exerce as suas funções entre Castelo Branco, Lisboa e o Algarve, locais onde a sua entidade patronal dispõe de atividade comercial e armazéns.
I. É, assim, essencial para o Recorrente a sua carta de condução, a qual constitui um verdadeiro instrumento de trabalho.
J. Note-se que sem carta de condução não é possível ao Recorrente exercer as suas funções, pelo que, o mesmo ficaria impedido de trabalhar, podendo até levar ao seu despedimento por justa causa.
K. Além da sua remuneração, a qual corresponde ao salário mínimo nacional, o Recorrente não tem possui qualquer ativo.
L. É do seu trabalho que provém o seu sustento.
M. O Recorrente tem três filhos.
N. Os filhos do Recorrente residem com a mãe, estando reguladas as responsabilidades parentais.
O. O Recorrente paga, atualmente, o montante global de € 400,00 (quatrocentos euros) a título de pensão de alimentos, pelos filhos que ainda estudam e não têm autonomia financeira, nomeadamente, a sua filha CC e o seu filho DD.
P. Porquanto, não só o sustento do próprio Recorrente depende do seu trabalho como também deste depende a pensão de alimentos de ambos os seus filhos financeiramente dependentes.
Q. Acresce que, o Recorrente encontra-se insolvente.
R. No âmbito do processo de insolvência, o rendimento mínimo indisponível do Recorrente encontra-se fixado num montante de 1,5 salários mínimos nacionais.
S. Fácil é de compreender a dependência económica e a necessidade de o Recorrente desempenhar as suas funções laborais, mantendo o seu emprego.
T. A aplicação da sanção acessória não é de aplicação automática como resulta do disposto nos artigos 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) e do artigo 65.º do CP.
U. Há perda de direitos, como efeito automático da pena, quando tal perda se produz ope legis, isto é, quando resulta diretamente da lei.
V. Com o citado preceito constitucional pretendeu-se proibir que, em resultado de certas condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente, ope legis efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos.
W. É certo que não se pretendeu impedir que a sentença condenatória pudesse decretar essa perda de direitos em função de uma graduação do caso, feita casuisticamente pelo juiz.
X. Diz o artigo 40.º do Código Penal (doravante, CP) que “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Y. Por outro lado, dispõe o artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ainda o tribunal, na determinação concreta daquela, atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente as referidas nas várias alíneas do n.º 2 do referido artigo.
Z. Na concretização da pena, a efetuar em função da culpa do agente, deverá ter-se em conta, na
verdade, o disposto nesses preceitos legais.
AA. Quanto à execução do facto (pensada em termos globais – artigo 71.º, n.º 2, a), b) e c) do CP), assumirá importância a intensidade da vontade no dolo/negligência, o grau de ilicitude dos factos, onde se considerará a taxa de álcool no sangue registada pelo Recorrente de 1,42 g/l, o grau de violação dos deveres estradais impostos ao arguido e os estímulos externos que determinaram a situação que levou ao crime.
BB. Não obstante, teremos de levar em conta a personalidade do Recorrente (cfr. artigo 71.º, n.º 2, alíneas d) e f) do CP), bem como o seu comportamento enquanto condutor, o seu contexto profissional e pessoal e a sua idade.
CC. Quanto aos fatores relativos à conduta do Recorrente anterior e posterior ao facto (artigo 71.º, n.º 2, e do CP), aponta-se a ausência de antecedentes criminais.
DD. Deste modo, e reportando-nos ao caso, foi dado como provado que o Recorrente, conduzindo com uma taxa de álcool de 1,42 g/l, fazia-o de forma voluntária e livre.
EE. Certo é que, com a sua conduta, o Recorrente não pretendia, e nunca pretendeu, colocar em causa a integridade física e a vida de qualquer pessoa.
FF. O mesmo encontra-se a passar por uma fase de vida complicada.
GG. Como já referido, o Recorrente encontra-se, atualmente, insolvente.
HH. Tal situação tem provocado, ao mesmo, alguma instabilidade.
II. Acresce que, devido ao seu trabalho, o qual implica um elevado número de viagens, o mesmo tem dificuldade em estar com a sua família, nomeadamente, com os seus filhos, o que gera ao Recorrente desconforto emocional.
JJ. O Recorrente não tem por hábito ingerir elevadas quantidades de álcool.
KK. Tal situação constituiu um incidente isolado, tendo em conta que o mesmo é primário, não tendo sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de qualquer crime rodoviário ou por qualquer contraordenação por condução em estado de embriaguez.
LL. Ora, o Recorrente tem plena consciência que o seu comportamento foi, e é, moral e socialmente condenável.
MM. O Recorrente não é reincidente, não se trata de um perigo para a sociedade.
NN. A multa aplicada será suficiente e adequada à realização das finalidades da punição.
OO. Em súmula, não foram tidas em consideração, para a aplicação da medida acessória de inibição de conduzir, o comportamento estradal, o contexto profissional e pessoal do Recorrente.
PP. Não é possível ao Recorrente compreender os fatores dentre os quais foi baseada a decisão da aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor durante 8 (oito) meses.
QQ. A sanção acessória de inibição de conduzir, por um período de 8 (oito) meses, revela-se manifestamente excessiva, atento o facto de a moldura da sanção acessória por tal crime se iniciar nos 3 (três) meses de inibição de condução.”

Termina peticionando o provimento do recurso e, por via dele, ser:
a) revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser o Recorrente absolvido da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor;
ou, caso assim não se entenda;
b) revogada a sentença recorrida, sendo declarada suspensa na sua execução a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor;
ou, caso assim não se entenda;
c) revogada a sentença recorrida, sendo substituída por outra, em que a sanção acessória da inibição de conduzir a ser aplicada deve ser de quantum manifestamente inferior à resultante da decisão recorrida e não superior a 3 (três) meses.

O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu concluindo singelamente que “a decisão recorrida não é passível de censura e deverá ser mantida”.

Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos, elaborando parecer no sentido da
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