Acórdão nº 5925/22.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04-04-2024

Data de Julgamento04 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão5925/22.0T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Relator: Paula Ribas
1ª Adjunta: Fernanda Proença Fernandes
2ª Adjunta: Elisabete Coelho de Moura Alves

Processo 5925/22.0T8GMR.G1
Juízo Local Cível de Guimarães – Juiz ... – Comarca de Braga

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório (elaborado tendo por base o da sentença da 1.ª instância):

AA intentou a presente ação sob a forma de processo comum contra BB e CC, alegando, em síntese, que estes se apropriaram da quantia de 35.254,60 euros que lhe pertencia em exclusivo, resultante da venda de um imóvel, e que apenas por lapso foi depositada em conta bancária titulada por si e por dois irmãos, ambos falecidos, sendo que os réus são herdeiros de um deles.
Conclui pedindo que os réus sejam condenados a devolver-lhe a quantia de 35.254,60 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados da data de citação.
Devidamente citados os réus, estes contestaram alegando, em síntese, que na data da morte de CC, marido da ré BB (futuramente, apenas 1ª ré) e pai do réu CC (doravante, apenas 2º réu), a conta bancária em questão - que era titulada, de forma coletiva e solidária, pelo falecido, pelo autor e por um outro irmão daqueles - apresentava um saldo de 105.763,82 euros, sendo que os réus, na qualidade de herdeiros daquele falecido irmão do autor, se limitaram a levantar da dita conta bancária o montante correspondente a 1/3 do seu saldo.
Concluíram, assim, no sentido da improcedência da ação.
Foi realizada a audiência com observância de todas as formalidades legais e, a final, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou os réus a pagar ao autor a quantia de 17.153,78 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento dessa quantia, absolvendo-os dos demais pedidos contra si formulados pelo autor.
É desta decisão que foi interposto recurso, pelos réus, apresentando as seguintes conclusões:
1. Considerou o Tribunal à quo que, a quantia de € 35.254,60 levantada da conta bancária pelos Recorrentes, não era propriedade exclusiva do Recorrido, sendo que este apenas logrou demonstrar a propriedade exclusiva da quantia de € 8.103,38.
2. E concluiu no sentido de o Recorrido ter direito a receber dos Recorrentes a quantia de € 8.103,38, por a mesma lhe pertencer em exclusivo, e, bem assim, a quantia correspondente a um terço do montante de € 27.151,22 (€ 35.254,60 - € 8.103,38 = € 27.151,22), por se presumir, quanto a este montante, que os titulares daquela conta bancária comparticiparam em partes iguais no seu depósito.
3. O Recorrido fundamentou a sua pretensão de restituição do montante de 35.253,60€ por parte dos Recorrentes, no Instituto do enriquecimento sem causa.
4. O Tribunal a quo não apreciou os pressupostos do instituto invocado pelo Recorrido, nem subsumiu a factualidade que entendeu dar como provada, àquele instituto do enriquecimento sem causa.
5. Foi alegado na Petição Inicial que Recorrentes não têm qualquer direito sobre a quantia que levantaram (artigo 32º da PI), e que agiram de má-fé, aproveitando-se do facto do falecido Pai e Marido dos Recorrentes ainda fazer parte da dita conta (33º) para que, sem qualquer causa justificativa, enriquecer à custa do empobrecimento do Recorrido (34º), integrando tal conduta um verdadeiro Enriquecimento sem causa (35º).
6. O Tribunal a quo subsumiu a factualidade em causa ao contrato de depósito bancário, e à presunção de que os credores solidários participam no crédito em partes iguais, estabelecido no artigo 516º do Código Civil.
7. Foi da iniciativa do Autor da ação (Recorrido) a alegação do enriquecimento sem causa por parte dos Recorrentes, pelo que sempre seria sobre esta factualidade que o douto Tribunal a quo se podia - e devia - ter pronunciado.
8. A causa de pedir do Recorrido consubstancia-se, assim, no facto do montante que os mesmos levantaram da conta bancária não lhes pertencer, pelo que enriqueceram à custa do Recorrente e sem qualquer causa justificativa.
9. O Instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, sendo certo que, in casu, inexiste qualquer outro meio jurídico ao dispor do Recorrido para ser indemnizado,
10. O empobrecido (in casu, o Recorrido) apenas poderá recorrer à ação de enriquecimento quando a lei não lhe faculte outro meio para ser ressarcido dos seus prejuízos, razão pela qual a pretensão do Recorrido de restituição da quantia levantada pelos Recorrentes se fundamentou em tal Instituto do Enriquecimento sem causa, que o Tribunal a quo não apreciou, e não podia deixar de se pronunciar,
11. por se tratar da causa do ato ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer na ação.
12. Por força do princípio do dispositivo, nos termos do disposto no art. 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1, al. d) do CPC, cabe ao autor o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir que serve de fundamento à ação, enquanto sobre a ré, nos termos daquele mesmo art. 5º, n.º 1 e 572º, al. c) do CPC, cabe alegar os factos em que se baseiam as exceções deduzidas.
13. Na qualificação jurídica da causa de pedir o juiz é livre, mas não pode convolar oficiosamente para outra causa de pedir, não podendo substituir a causa de pedir invocada pelo autor por outra, mas terá a sua atividade limitada pelo pedido e causa de pedir, não podendo alterar a perspetiva jurídica em que o autor enquadrou os factos que alegou para fundamentar a sua pretensão.
14. O Recorrido alegou os factos essenciais que, na sua perspetiva, de acordo com o instituto jurídico que elegeu – o enriquecimento sem causa – lhe permitiam alicerçar o pedido de restituição da quantia monetária que formulou contra os Recorrentes, tendo sido com base nessa alegação, que os Recorrentes produziram a sua defesa.
15. Nas ações de enriquecimento sem causa, o ato ou facto jurídico que nos termos do disposto no n.º 4 do art. 581º do CPC consubstancia a causa de pedir é o “enriquecimento sem causa”.
16. Existiu, por parte do Tribunal a quo, uma ilegal convolação da causa de pedir que tinha sido invocada pelo Recorrido para uma causa de pedir diversa - propriedade exclusiva da quantia que figurava na conta bancária titulada pelos 3 irmãos - o que não é consentido por lei, por consubstanciar violação frontal dos princípios do dispositivo e do contraditório.
17. Essa alteração da causa de pedir invocada pelo Recorrido para causa jurídica diversa operada pelo tribunal a quo na sentença recorrida, nos termos da al. d), do n.º 1 do art. 615º do CPC, é causa de nulidade da sentença recorrida por nela o tribunal ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento.
18. Ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal a quo, a factualidade trazida pelos Recorrentes a juízo - de que o dinheiro por si levantado da mencionada conta bancária lhes pertencia, por ser propriedade do de cujus - não está fora do objeto da ação.
19. Tal factualidade tem como finalidade a prova da causa justificativa do levantamento do montante por parte dos Recorrentes, nomeadamente que tal valor lhes pertencia, contrariando a causa de pedir alegada pelo Recorrido do “enriquecimento sem causa” por parte dos Recorrentes.
20. Não podia por isso o Tribunal a quo considerar que se os Recorrentes entendiam que determinada quantia depositada na aludida conta bancária fazia parte da herança aberta por óbito de CC e que, a determinado momento, alguém se apropriou dessa quantia, deveriam atuar judicialmente no sentido de exigir da pessoa que alegadamente se apropriou ilicitamente de tal quantia a sua restituição à herança, e que nunca deduziram contra o Recorrido qualquer pedido reconvencional nem sequer alegaram que o aqui demandante foi o autor de tal apropriação,
21. uma vez que a causa de pedir do Autor/ Recorrido, foi a do enriquecimento sem causa dos Recorrentes, sendo tal consideração do douto Tribunal a quo vem confirmar que a douta sentença violou o princípio do contraditório, previsto no art. 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
22. E é assim, uma vez que os Recorrentes verteram a sua defesa com base na alegação e causa de pedir do Recorrido.
23. A prova da inexistência de causa justificativa, requisito da procedência do enriquecimento sem causa, não lhes cabia aos Recorrentes, mas sim ao Recorrido.
24. Ao não analisar os factos à luz do instituto do enriquecimento sem causa e dos seus pressupostos, e ao fundamentar a sua decisão apenas na presunção estabelecida no 516º do Código Civil, à data do levantamento efetuado pelo Recorrentes, o Tribunal a quo subverteu as regras do dispositivo, do contraditório, e do ónus da prova, pelo que enferma a douta sentença proferida de nulidade, nos termos do art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC, que aqui expressamente se invoca.
25. O Tribunal a quo, devia ter apreciado os pressupostos do invocado instituto do enriquecimento sem causa.
26. Para que se verifique o enriquecimento sem causa, é necessário que cumulativamente estejam preenchidos os seguintes pressupostos: verificação do enriquecimento de alguém; carência da causa justificativa, juridicamente relevante, desse enriquecimento; e ainda que o mesmo tenha sido obtido à custa daquele que se arroga do direito à restituição.
27. A falta de causa justificativa do enriquecimento apenas sucede quando não existe uma relação ou um facto que, à luz do direito, da correta ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento jurídico, legitime tal enriquecimento, por se tratar de uma vantagem que estava reservada a outra pessoa, ao titular do direito.
28. Cabe ao autor do pedido de restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da prova dos respetivos factos integradores ou constitutivos, incluindo a falta de causa justificativa desse enriquecimento.
29. In casu, não só o Recorrido não logrou demonstrar a falta de causa...

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