Acórdão nº 586/16.8T8PBL-C.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-03-08

Ano2022
Número Acordão586/16.8T8PBL-C.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em 15.4.2021, na execução para pagamento de quantia certa movida por B..., S. A., contra AA, BB, CC, S..., S. A. e DD, veio a interveniente principal C..., Lda., deduzir oposição à Penhora, pedindo «seja anulada a penhora da fração autónoma designada pela letra ..., correspondente ao 1º Dto., para habitação, do prédio urbano sito na Quinta ..., Rua ..., da freguesia e concelho ..., por a mesma ser ilegal por excessiva

Alegou, em síntese: a existência de hipotecas a favor de outra entidade bancária que garantem o pagamento de uma dívida no valor atual de € 83 148,38, e de outras penhoras (no valor de € 165 672,18), pelo que, sendo tais créditos graduados em primeiro lugar, a exequente nunca terá proveito da venda executiva do imóvel, cujo valor de mercado é de € 85 000; a penhora é excessiva, por ter como objeto um bem cujo produto da venda será entregue, não à exequente, mas a outros credores, uma vez que o valor patrimonial tributário do imóvel (€ 86 163,35) não é suficiente, sequer, para o pagamento dos credores garantidos pelas hipotecas e pelas penhoras.

A exequente contestou, referindo: a oposição à penhora é inepta, por contraditória nos seus argumentos (pois não é possível que a penhora seja simultaneamente excessiva e insuficiente), sendo que nada mais se encontra penhorado e nada mais existe para penhorar; a penhora do referido imóvel encontra-se perfeitamente legitimada com a sentença da ação de Impugnação Pauliana; não existindo outros bens suscetíveis de penhora nos presentes autos, a última coisa que a penhora poderá vir a ser é excessiva ou desproporcional; não se pode presumir que a exequente nada receberá com a venda, quando o valor patrimonial tributário é superior ao valor garantido pelas hipotecas; estas ou as penhoras inscritas a favor de outros credores não constituem fundamento válido para impedir a penhora nos presentes autos. Conclui pela improcedência da oposição, por completa ausência de fundamento legal.

Ouvidas as partes, nos termos e para os efeitos do despacho de 08.9.2021[1], a Mm.ª Juíza a quo, por saneador-sentença de 12.10.2021, julgou «improcedente o presente incidente de oposição à penhora», ordenando «a manutenção da penhora sobre o imóvel identificado no auto de penhora de 01.3.2021».

Inconformada, a interveniente/oponente apelou formulando as seguintes conclusões:

1ª - A apelante não é devedora do banco exequente, tendo sido chamada em razão do imóvel objeto da penhora se encontrar registada em seu nome, intervindo nestes autos na qualidade de Interveniente Principal.

2ª - Sobre o imóvel identificado encontram-se validamente constituídas duas Hipotecas voluntárias a saber: i. Hipoteca voluntária registada sob a Ap. ... de 16.02.2007, a favor do B..., S. A., pelo capital de € 62 561, assegurando o montante máximo de € 85 708,57, para garantia de empréstimo, ao juro anual de 7 %, acrescido de 4 % em caso de mora, a título de cláusula penal; ii. Hipoteca voluntária registada sob a Ap. ... de 16.02.2007, a favor do B..., S. A., pelo capital de € 53 379, assegurando o montante máximo de € 73 129,23, para garantia de empréstimo, ao juro anual de 7 %, acrescido de 4 % em caso de mora, a título de cláusula penal.

3ª - Os referidos empréstimos encontram-se garantidos pelas hipotecas descritas no número anterior, estando atualmente, em dívida € 83148,38.

4ª - Imóvel é, também, ainda objeto de penhoras anteriores à verificada no auto de penhora de 01.3.2021, nomeadamente, a registada sob a Ap. ...76, de 23.6.2016, a favor da Fazenda Pública, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...22 e apensos, com a quantia exequenda de € 137 430,80, e, a registada sob a Ap. ...30, de 20.3.2017, a favor da Fazenda Pública, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...06 e apensos, com a quantia exequenda de € 28 241,38.

5ª - O valor patrimonial do imóvel é de € 86 163,35, determinado no ano de 2018.

6ª - Resulta assim que o imóvel se encontra onerado por hipotecas que, atualmente, garantem um montante de capital mutuado de € 83 148,38, a que acrescem penhoras em processos executivos, cuja totalidade da quantia exequenda nesses processos ascende a € 165 672,18, o que perfaz em termos de ónus (hipotecas e penhoras) sobre o imóvel anteriores à quantia exequenda em causa nos presentes autos o total de € 248 820,56.

7ª - Num cenário de venda executiva, na pior das hipóteses, bem penhorado é depreciado, sendo colocado à venda pelo valor correspondente a 85 % do valor base, o qual correspondente ao maior de entre dois valores, o valor patrimonial tributário ou valor de mercado - vide art.ºs 812º, n.º 3 e 816º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC).

8ª - Não se provou nos autos o valor de mercado do imóvel, pese embora do documento ... junto com a oposição à penhora, uma pesquisa atual de mercado local, com frações em venda semelhantes, a qual permitiria conhecer pelo menos, indiciariamente, os valores de venda praticados para frações semelhantes naquela localização é inferior a € 100 000, pesquisa e prova que não foi valorada pelo Tribunal a quo.

9ª - Mesmo que assim não se entendesse, nos termos do art.º 411º do CPC, incumbiria ao Julgador realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, consagrando este artigo um claro poder-dever do Juiz, com vista à plena realização dos fins do processo, o que neste caso, com o devido respeito, o Tribunal a quo se absteve, incompreensivelmente, de fazer em violação deste comando legal.

10ª - Por despacho de 08.9.2021, veio este Tribunal determinar que: “Atentos os fundamentos invocados pela Oponente na sua petição de Oposição à Penhora, a qual circunscreve o objecto do litígio no presente incidente de natureza declarativa, os documentos constantes dos autos e a posição assumida pela Exequente no articulado de contestação, entende o Tribunal que a discussão da causa, se circunscreve exclusivamente a matéria de direito, reunindo, os autos condições para que seja proferida decisão de mérito”, o que fez sugerir à Recorrente que efetivamente o Tribunal entendia estar perante uma questão meramente de direito, encontrando-se esclarecido sobre a matéria de facto.

11ª - O que não é compaginável com a decisão que em sede de sentença veio a ser prolatada sobre factos que foram dados a conhecer ao Tribunal a quo e para os quais foi junta prova bastante e considerada suficiente, para mais não impugnada pela parte contrária, e relativa a factos sobre os quais não poderia ser relevada prova testemunhal, que o Tribunal veio a julgar não provados, decisão que se afigurou surpresa, o que conforme é já jurisprudência assente não se mostra aceitável num Estado de Direito, tendo de se ter por isso mesmo por ilegal.

12ª - Não obstante a falta de determinação do valor de mercado do imóvel, seria possível pelas regras da experiência comum e informação oficial disponível, chegar-se a um valor médio plausível de venda do imóvel.

13ª - É facto público e notório, que o Instituto Nacional de Estatística - INE publicita regularmente no seu portal na internet relatórios estatísticos com os valores medianos de venda expressos em euros por m2 para várias cidades de Portugal, apresentando a cidade ..., onde se situa o imóvel em causa, em janeiro de 2021, o valor por m2 de 901,00 euros, informação disponível em www.ine.pt.

14ª - De acordo com a caderneta predial, o imóvel sub iudice consiste em uma fração com a área bruta de habitação 111,5 m2, acrescida de uma garagem no piso -3, tendo como área dependente 45 m2, pelo que a aplicação deste valor à área bruta habitacional, e 1/3 à dependente, resultaria num valor potencial médio de venda em mercado, de € 117 580, valor que se mostra em linha com a pesquisa efetuada pelo doc. 6 junto com a oposição, e é coerente com o valor patrimonial tributário, sendo-lhe superior em cerca de 26 %.

15ª - Podendo assim concluir-se com grande certeza de que o valor de mercado do imóvel em causa e descrito em 5 de factos provados seria sempre inferior à quantia exequenda nos presentes autos, devendo a alínea a) de factos não provados ser eliminada, acrescentando-se aos factos provados que: O valor de mercado do imóvel em causa e descrito em 5 de factos provados seria inferior à quantia exequenda nos presentes autos e manifestamente insuficiente para garantir a totalidade dos ónus que recaem sobre o imóvel.

16ª - Pelo que a venda executiva nestes autos, mostrar-se-ia absolutamente insuficiente para garantir o pagamento do exequente, ou seja, para o exequente pudesse ser ressarcido de qualquer valor relativamente à quantia exequenda nestes autos, € 119 157,24, o imóvel teria de ser vendido pelo menos por mais de duas vezes e meia o seu valor, o que é inverosímil, e contraria toda a lógica e normal experiência de vida.

17ª - Assim, mostra-se cristalino in casu, que a sentença errou ao não verificar que penhora em causa se mostra excessiva, ilegal e inútil, por ter como objeto um bem cujo produto da venda executiva será entregue, não ao exequente, mas aos outros credores preferentes, não podendo satisfazer o seu direito como exequente, pois o produto da venda, acrescido dos montantes inerentes das demoras, encargos, e despesas, será integralmente consumido nas custas, e no pagamento dos créditos hipotecários, e em cumprimento, graduados antes do crédito aqui exequendo.

18ª - Podendo formular-se com segurança, e fundamentadamente, um juízo seguro de prognose: que a penhora promovida pela exequente se revela desadequada e desproporcional, por não resultar dela qualquer suscetibilidade, como demonstrado, de vir a ser ressarcida do seu crédito.

19ª - A penhora em causa não respeita o princípio da proporcionalidade nem da...

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