Acórdão nº 5848/20.7T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02-02-2023

Data de Julgamento02 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão5848/20.7T8VNF.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

AA, residente na Avenida ..., ... ..., instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra BB e CC, residentes na Rua ..., ..., ..., ... ..., pedindo que estes fossem condenados a restituir-lhe os bens indicados nos artigos 11 a 20 da petição inicial.
Subsidiariamente pede, caso aquela entrega não seja possível, que os Réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 5.095,00 euros, correspondente ao valor desses bens.
Mais pede que os Réus sejam condenados a pagar uma sanção pecuniária compulsória, no valor de €50,00, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que vierem a ser impostas pela sentença que vier a ser proferida e a partir da data em que a mesma puder ser executada.
Para tanto alegou, em síntese, que, por contrato escrito celebrado com os Réus em 01/11/2014, deu de arrendamento ao Réu BB, para fim habitacional, o prédio urbano sito na Rua ..., Lugar ..., união de freguesias ... e ..., ..., pelo prazo de um ano, com início em 01/11/2014 e termo em 31/10/2015, renovável por sucessivos períodos de tempo de um ano, mediante a renda mensal de 600,00 euros, tendo o Réu CC intervindo nesse contrato como fiador, em que declarou renunciar ao benefício da excussão prévia e assumiu solidariamente com o Réu BB todas as obrigações emergentes desse contrato, seus aditamentos e renovações.
Do arrendamento faziam parte, para uso privativo do inquilino, todos os móveis e eletrodomésticos que se encontram discriminados no documento junto a fls. 33 dos autos.
Acontece que os Réus abandonaram o arrendado em 30/04/2020, e levaram consigo diversos bens (que discrimina na petição inicial), parte dos quais faziam parte do arrendado e os restantes, que são sua propriedade, encontravam-se no jardim e num anexo para arrumos.
Os Réus contestaram defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocaram a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, alegando que o Autor não alegou os factos essenciais relativos à propriedade dos bens cuja restituição reclama.
Impugnaram parte de facticidade alegada pelo Autor, nomeadamente, que tivessem levado os bens cuja restituição vem reclamada.
Concluem pedindo que, por via da procedência da exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, sejam absolvidos da instância e, subsidiariamente, do pedido e que o Autor seja condenado como litigante de má fé.
O Autor respondeu ao pedido de condenação como litigante de má fé, pedindo que este seja julgado improcedente.
Por despacho de 08/03/2021, notificou-se o Autor para, querendo, exercer o contraditório relativamente à defesa por exceção apresentada pelos Réus na contestação.
Acatando esse convite, o Autor respondeu, invocando a exceção perentória de abuso de direito e concluindo pela improcedência da exceção de ineptidão da petição inicial invocada pelos Réus, alegando que: “o contrato de arrendamento comprova, só por si, o direito de propriedade sobre os mencionados bens; (…), quando assinaram o contrato de arrendamento, os Réus assinaram igualmente a relação de bens anexa ao mesmo. Ora, durante a vigência do contrato de arrendamento, os Réus usufruíram livremente daqueles bens, nunca tendo solicitado ao Autor qualquer prova demonstrativa que os mesmos eram propriedade do Autor, que sempre reconheceram pertencer-lhe, pelo que, ao agora colocarem tal propriedade em causa, atuam em abuso de direito. Aqueles bens, foram igualmente todos dados de arrendamento, sendo certo que, com a cessação do contrato de arrendamento, também aqueles teriam de ser restituídos”.
Por despacho de 06/06/2021, a 1ª Instância convidou o Autor a suprir as insuficiências alegatórias de que padece a petição inicial quanto à facticidade nela alegada nos artigos 13º a 20º, com fundamento que: “ao locador que queira obter a restituição da coisa – ou de bens móveis locados juntamente com bem imóvel -, na medida em que exerce uma pretensão obrigacional, basta alegar, como causa de pedir, a celebração do contrato e o seu termo, não tendo que alegar e demonstrar ser o seu proprietário”. Ora, “em relação aos bens descritos nos artigos 11º e 12º da petição inicial podemos considerar que estão em causa bens locados, objeto da obrigação contratual de restituição, pelo que, quanto a esses, nada mais tinha o Autor que alegar. Já não assim quanto aos bens descritos nos artigos 13º a 20º, que conforme o próprio Autor alega na petição inicial e resulta da relação por si junta a fls. 33, não estavam compreendidos no objeto do contrato. Quanto a estes bens, a obrigação de restituição, por parte dos Réus, não poderá ter por fonte o contrato de locação, mas sim o dever geral de respeito por direitos absolutos alheios, mormente, o direito de propriedade. Como tal, competia ao Autor alegar os factos constitutivos da aquisição originária ou derivada do direito de propriedade sobre esses bens ou, ainda, de factos que possam fundar a presunção legal de existência desse direito. Contudo, a tal respeito, o Autor limita-se a dizer, em termos algo conclusivos e imprecisos, no exterior (…)”.
Acatando esse convite, o Autor apresentou o requerimento junto aos autos a fls. 47 a 48, em que concretiza a materialidade que tinha alegado nos arts. 13º a 20º da petição inicial.
Os Réus responderam impugnando os factos objeto daquele aperfeiçoamento.
Em 02/11/2021 proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o valor da causa em 5.095,00 euros, atenta a simplicidade do objeto do litígio dispensou-se a fixação desse objeto e dos temas da prova e conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes, agendando-se data para a realização da audiência final.
Realizada esta, em 06/04/2022, foi proferida sentença em que se julgou a ação parcialmente procedente e se absolveu o Autor do pedido de condenação como litigante de má fé, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:
“Nestes termos e face ao exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência:
a) Condeno os Réus, BB e CC, a restituir ao Autor, AA, os bens identificados no ponto 11 dos Factos Provados;
b) Absolvo os Réus do restante peticionado.
*
Custas pelo Autor e pelos Réus em partes iguais – cfr., art.º 527.º, do Código de Processo Civil”.

Inconformados com o assim decidido, os Réus interpuseram o presente recurso de apelação, em que formulam as seguintes conclusões:

A) O Autor alegou na petição inicial que, no fim do contrato de arrendamento os Réus levaram os bens que lhe pertenciam, designadamente, dois relógios e um candeeiro;
B) A sentença condenou os Réus na restituição de tais bens.
C) Todavia, a mesma sentença condenatória também declarou como não provado o facto de os Réus terem levado os dois relógios e o candeeiro.
D) Declarou ainda como não provado o facto de os Réus continuarem a usufruir dos mesmos.
E) Salvo o devido respeito, uma vez que tal factualidade foi declarada como não provada, não podem os Réus ser condenados na restituição dos bens em causa.
F) Não pode a mesma sentença condenar os Réus na restituição dos bens, depois de ter declarado como não provado que os Réus levaram esses bens e que ainda se encontram a usufruir dos mesmos.
F) Sendo certo que, os Réus não dispõem de tais bens, pois estes nunca foram levados, ao contrário do alegado pelo Autor.
G) Existe assim uma oposição entre os fundamentos e a decisão, quando muito uma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível;
H) O que consubstancia uma causa de nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º nº1 c) do Código de Processo Civil (CPC).
I) A relação de bens foi assinada nas instalações da imobiliária, ou seja, fora da moradia e em momento posterior à visita da mesma;
J) Dificultando a verificação da correspondência entre os bens relacionados e o bens efetivamente presentes na habitação.
K) Os Réus não se recordavam da presença ou não na habitação dos bens relacionados, aquando da assinatura do contrato e da relação de bens anexada.
L) A testemunha DD não foi capaz de identificar os dois relógios, não obstante a confrontação com as fotografias.
M) O seu depoimento foi "excessivamente vago" como refere a própria sentença.
N) O contexto em que foi assinada relação de bens e os depoimentos em audiência não permitem estabelecer a presença dos bens na moradia.
O) Os Réus nunca levaram quaisquer bens do Autor.
P) Nem se encontram a usufruir dos mesmos.
Q) Nunca foi dado como provado que os Réus levaram quaisquer bens da moradia pertencentes ao Autor, ou que estariam ainda hoje a usufruir dos mesmos.
R) E, de facto, os Réus nunca se apoderaram de quaisquer bens pertencentes ao Autor.
S) Deve a douta sentença ser revogada, absolvendo-se assim os Réus do pedido;
fazendo-se assim JUSTIÇA!
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
No despacho de admissão do recurso a 1ª Instância pronunciou-se quanto à nulidade da sentença invocada pelos apelantes, concluindo pela improcedência desta, conforme se segue:
“Em cumprimento do disposto no art.º 617.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, cumpre dizer que, salvo o devido respeito por entendimento diverso, nenhuma contradição existe entre a resposta negativa aos artigos 10.º, 22.º, 29.º e 30.º da Petição Inicial e a condenação dos Réus, face ao que consta da fundamentação de Direto de fls. 66, onde expressamente se consignou que:
“Demonstrado que os bens referidos no ponto 11 dos Factos Provados compunham o recheio do imóvel, era aos Réus que competia, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil, o ónus de provar a sua efetiva restituição, por se tratar de facto extintivo da sua obrigação.
No caso, os Réu sic. não lograram demonstrar ter restituído a totalidade dos bens que compunham o recheio do imóvel, pelo que, nessa parte, deve proceder a ação”.
Entendemos, por isso,...

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