Acórdão nº 5834/20.7T8LRS.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-07-04

Data de Julgamento04 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão5834/20.7T8LRS.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO

PP, S. A. intentou contra ME, Lda. ação declarativa, com processo comum, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de €158.122,49 correspondente ao custo da reparação e reposição da fração que lhe arrendou no estado em que lhe devia ter sido entregue e €8.000 a título de indemnização por lucros cessantes.
Subsidiariamente, para o caso de improcedência do primeiro pedido requereu a condenação da demandada a proceder, a expensas suas, à reparação e reposição do estado da fração arrendada.
Para tanto, com interesse, alegou que, pelo prazo de 5 anos, com início em 1.5.2014, contra o pagamento da renda mensal de €2.000, arrendou à Ré a loja que identifica na petição. A demandada aceitou a loja no estado em que então se encontrava, comprometendo-se a conservá-la e a mantê-la em boas condições de conservação e limpeza e a, uma vez findo o contrato com exceção do executado com materiais amovíveis, deixar no espaço as obras, benfeitorias, instalações e construções que fizesse no imóvel, as quais seriam pertença da demandante.
Findo o contrato inicial, a coberto de novo acordo entre as partes, a demandada permaneceu no imóvel até Março de 2020, altura em que entregou o arrendado.
A Autora constatou que a Ré havia deixado o arrendado com paredes partidas, tectos arrancados e partidos, chão sem revestimento, falta de interiores e de um corrimão e bem assim sem instalação de água, esgotos, eletricidade e ar condicionado ou com o que restava destas partido ou estragado, em termos que não permite a sua reparação ou reutilização.
Sendo que a reposição do imóvel no estado em que se encontrava à data do termo do contrato entre as partes implica a realização de um conjunto de obras e intervenções na loja, cujo custo ascende a €158.122,49. Numa outra linha referiu que está impossibilitada de rentabilizar o imóvel ante o seu estado de degradação.
Na sequência do desentranhamento da contestação, a Re foi considerada em situação de revelia absoluta, tendo consequentemente os factos alegados pela A., ulteriormente objecto de aperfeiçoamento, sido considerados confessados.
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Termos em que se julga a acção parcialmente procedente, em consequência:
a) Se condena a R. a pagar à A. a quantia a liquidar em execução de sentença, não superior a €95.434,99 (noventa e cinco mil quatrocentos e trinta e quatro euros e noventa e nove cêntimos), correspondente ao custo de remoção de entulho e reparação das paredes partidas, danificadas ou demolidas, da parte do tecto partido, do chão parcialmente sem revestimento cerâmico e das estruturas não amovíveis das redes de água, esgotos, electricidade e ventilação e ar condicionado, designadamente as tubagem por si deixadas partidas, danificadas ou inutilizadas.
b) Se condena a R. a pagar à A. a quantia de €8.000 (oito mil euros), a título de indemnização por privação de uso.
c) Se condenam as partes no pagamento das custas da acção na medida do respectivo decaimento, o qual provisoriamente se fixa em 50%.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES:
«1 – A douta sentença condenou a Requerente a indemnizar a Requerida em quantia a liquidar em execução de sentença, para a reparação de danos que provocou no locado quando terminou o contrato de arrendamento.
2 – Todavia, aquando da entrega do locado deveria ter sido efectuada uma vistoria por senhoria e arrendatária, e, caso existissem anomalias que não resultassem do uso normal e prudente do locado, deveria a Requerente proceder à sua reparação no prazo que lhe fosse concedido sob pena de, não o fazendo, serem essas anomalias reparadas pela senhoria a expensas da inquilina, como resulta da cláusula 10ª do Contrato de Arrendamento.
3 – Não está provado que tivesse sido realizada a vistoria.
4 – Não está provado que tivesse sido a Requerente notificada para proceder a quaisquer reparações, em prazo determinado.
5 – A Requerida, na qualidade de senhoria, incumpriu o contrato de arrendamento, pelo que não pode reclamar da inquilina o pagamento de quaisquer reparações.
6 – Na douta sentença recorrida existe assim contradição entre os factos e a decisão, pelo que a sentença é nula (art.º 615º nº 1 al.c) do CPC).
7 – Foi igualmente a Requerente condenada em indemnização por privação de uso.
8 – Dado que a Requerida não concedeu prazo para a Requerente proceder às reparações necessárias, não pode esta ser responsabilizada pelo tempo que essa reparação terá demorado.
9 – Acresce que, podendo a Requerente retirar do locado todos os elementos amovíveis que aí colocou, o que seria lícito e estava contratualmente previsto, esse facto impedia desde logo que a Requerida pudesse utilizar o locado sem fazer obras.
10 – Não está provado que a privação de uso resulta da retirada de elementos fixos, ou que não poderia ter resultado igualmente se apenas tivessem sido retirados elementos amovíveis.
11 – Não está assim provado o nexo de causalidade entre a acção da Requerente e a privação de uso, sendo que cabe ao lesado provar o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
12 – Quanto à indemnização pela privação de uso, não estando demonstrado o nexo de causalidade, e podendo a privação de uso resultar de um facto lícito da Requerente – a remoção de elementos amovíveis – não se verificam todos os elementos da responsabilidade civil, pelo que se mostra violado o art.º 483º do Código Civil.
Nestes termos, e no mais que será doutamente suprido, deve ser dado provimento ao recurso, declarando-se a nulidade da sentença, e proferindo-se decisão que absolva a Requerente do pedido, o que será de JUSTIÇA!»
*
Contra-alegou a apelada, propugnando pela improcedência da apelação.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Nulidade da sentença;
ii. Necessidade de realização de vistoria aquando da entrega do locado;
iii. Indemnização pela privação de uso.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. Por escrito datado de 1.5.2014 a Autora, enquanto primeira contratante e senhoria, contra o pagamento da renda mensal de € 2 000, declarou dar de arrendamento à Ré, enquanto segunda contratante e arrendatária, a fração autónoma designada pela letra “C”, destinada a comércio, correspondente ao R/c, loja 3, com arrecadação e parqueamentos, do prédio sito na (...), em (...), o que esta aceitou.
2. O acordo foi celebrado pelo prazo de 5 anos, com início a 1.5.2014 e termo a 30.4.2019, sendo automaticamente renovável por períodos adicionais de 5 anos, salvo oposição à respectiva renovação ou denúncia por qualquer das partes.
3. Nos termos da cláusula Segunda Dois do mesmo escrito foi igualmente estabelecido que “(...) a arrendatária toma posse antecipada do locado, para realização de obras de remodelação que implicam a abertura de uma porta de entrada para a mesma rua, as quais deverão ser exclusivamente custeadas e promovidas pela arrendatária e ficarão pertença do locado, sem que haja lugar a direito de retenção ou a qualquer indemnização, qualquer que seja o título ou fundamento invocado, aos quais a arrendatária desde já renuncia”.
4. Segundo a cláusula Terceira Dois do mesmo escrito foi estabelecido que “a arrendatária beneficia de um período de carência no pagamento da renda, atenta a sua necessidade de promover, a suas expensas, a realização de obras de adaptação do locado à actividade que nele pretende exercer, durante o período correspondente aos primeiros 4 (quatro) meses de vigência do presente contrato, iniciando-se a respectiva liquidação e pagamento da renda a partir de 01 (um) de agosto de 2014, correspondente à renda de setembro de 2014”.
5.Foi igualmente acordado que “a partir do segundo ano de vigência do presente contrato, ou seja, a partir da renda referente ao mês de setembro de 2015, com vencimento para 01 (um) de agosto de 2015, a renda mensal (ilíquida) acordada é de € 2.400.00 (...)”.
6. E também que “o locado destina-se a actividades económicas e será afecto exclusivamente ao exercício da actividade profissional da arrendatária, que consiste na actividade de restauração e bebidas, não lhe podendo ser dado qualquer outro destino ou exercida qualquer outra actividade ou afectação, sem a prévia autorização, por escrito, da senhoria”.
7.Nos termos da cláusula Quinta, “a arrendatária obriga-se nos termos do presente arrendamento a:
a) manter em bom estado de conservação e apresentação a fração e todos os seus pertences, incluindo canalizações de água e esgotos, instalações eléctricas, de segurança, telefones e ar condicionado, e a suportar o custo de quaisquer obras de reparação tomadas necessárias quer pelo exercício da actividade na fração, quer pela sua devolução quando o presente contrato deva ter-se por extinto;
b) cumprir com o Regulamento de Funcionamento e Utilização, caso o mesmo venha a ser elaborado”.
8.Nos termos da cláusula Sexta
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